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- 04 de maio de 2021
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Depois da UTI, com Covid-19, me dei conta de que precisava reajustar o foco da minha vida
Entrevista com Erlon Lemos
Por Carlinhos Veiga
Erlon Lemos é mineiro de Belo Horizonte. Casado com Alessandra, tem dois filhos: Daniel, 18, e Gabriel, 9. Além de músico, trabalha como assessor parlamentar e cursa teologia. Em janeiro ele foi infectado pela Covid-19. Foram nove dias de internação numa UTI, o que lhe fez repensar a vida e o ministério.
Novos Acordes: Erlon, como você contraiu o vírus?
Erlon Lemos: Penso que foi num encontro evangélico, em janeiro desse ano, numa programação que participei como músico. Depois fiquei sabendo que várias pessoas saíram infectadas desse mesmo evento. Mas, como havia passado a semana inteira em Belo Horizonte trabalhando e tendo contato com várias pessoas, não posso dizer com toda certeza onde foi que fui infectado.
NA: Como foi a evolução do quadro?
EL: Se fui infectado nesse evento que citei, então isso aconteceu no domingo. Na quinta comecei a sentir a garganta arranhando. Depois evoluiu para mais sintomas, ao ponto de, no outro final de semana, eu estar com febre, tosse seca. No domingo eu continuei passando mal. Então tentei uma consulta telefônica, num serviço do meu plano de saúde voltado especificamente para pessoas com sintomas do coronavírus. Consegui falar somente na segunda pela manhã. A médica que me atendeu disse para eu procurar uma unidade do meu plano de saúde, fazer o exame e uma consulta presencial. O resultado do exame saiu na terça e deu positivo. Na consulta fui medicado e recebi a guia para fazer uma tomografia dos pulmões porque o raio X havia acusado apenas uma pequena alteração. Por um erro da guia não consegui marcar o exame imediatamente. Quando consegui marcar, o agendamento ficou para quarta pela manhã. Só que na terça comecei a sentir muita falta de ar. Voltei ao Pronto Atendimento e me colocaram no oxigênio. Assim que a saturação voltou ao normal fui liberado para voltar para casa. Disseram que eu nem precisaria fazer mais a tomografia. Mas aconselhado por médicos amigos, fiz o exame na quarta e o laudo acusou um comprometimento de 25% dos pulmões. Os médicos então decidiram me internar. Seria inicialmente algo para dois ou três dias. Mas o quadro se agravou no hospital e na terceira noite, apesar do oxigênio, eu estava com muita dificuldade de respirar. Por isso no quarto dia fui transferido para a UTI. E ali piorei bastante. Foram ao todo nove dias de UTI. Segundo um médico que me acompanhou, o que aconteceu comigo foi um verdadeiro milagre, porque o meu quadro era muito complicado.
NA: E como foi na UTI?
EL: Foi horrível. Eu estava cheio de fios monitorando o funcionamento dos meus órgãos, estava com sondas. Me sentia muito fraco e extremamente cansado. Foram várias noites acordado. E não podiam prescrever remédios para eu dormir porque o relaxamento prejudicaria ainda mais a minha respiração. Foram noites muito angustiantes. Na pior delas, me lembrei da história de Bartimeu, mendigo que estava assentado na porta da cidade e que ficou sabendo que Jesus passava por ali. Ele então clamou: “Filho de Davi, tem compaixão de mim, tem piedade de mim”. O povo dizia para ele se calar, mas ele cada vez gritava mais alto. Eu tentava dormir, não conseguia, passando mal sem poder respirar direito, com aquelas sondas, aqueles fios todos ligados. Escutava aquele monitor ininterrupto da UTI. A gente que é músico sabe que aquele som estabelece um padrão de tempo na sua cabeça. E entre a emissão de um som e o próximo, apesar de estar consciente, eu tinha visões como um delírio. Era como se chegasse uma mensagem para mim com um link, como esses de whatsapp. Se eu conseguisse abrir o link nesse intervalo, entre um beep e outro, eu iria respirar. Só que eu não conseguia clicar para abrir o link, por mais que tentasse. E logo vinha o outro beep. Aquilo era uma tortura psicológica. Foi nesse contexto de desespero e cansaço que eu me lembrei de Bartimeu e, como ele, comecei a clamar: “Jesus, tem compaixão de mim, tem piedade de mim, Senhor”. Com as poucas forças que me restavam eu passei a cantar louvores a Deus. Fiquei umas três horas nesse clamor angustiante. Então, depois desse tempo, totalmente esgotado, eu orei: “Senhor, eu não consigo mais. Então o Senhor me leva ou de alguma forma me tira daqui, porque eu não consigo mais”. Aquele momento foi uma experiência muito marcante. Eu não fui tomado de um sentimento como se Deus estivesse ouvindo a minha oração, eu não escutei a voz audível de Deus, mas tive uma constatação, uma certeza de Deus dizendo: “você realmente não consegue, mas fui eu quem te sustentou nessas últimas três horas. Sou eu quem te sustento”.
NA: E você chegou a ser intubado? O que aconteceu?
EL: Um médico conhecido da minha família que trabalha em outra área do hospital sempre que estava de plantão ia até a UTI para me ver. Ele era o meu contato com a família. Numa manhã, após aquela terrível noite de visões angustiantes e do meu clamor a Jesus, esse médico veio me visitar. Só que a visita naquele dia foi diferente. Na entrada ele tomou conhecimento do agravamento do meu quadro e que iriam me intubar nas próximas horas. Sem me dizer nada, chegou e simplesmente perguntou se poderia orar por mim. Eu disse que sim, e ele intercedeu por minha vida. Depois disse para eu ficar tranquilo, relaxar que tudo daria certo. E saiu. Somente depois é que fiquei sabendo que a minha intubação já estava prescrita e pelo meu quadro, naquele exato momento, a possibilidade de óbito era muito alta, em torno de 95%. Mas milagrosamente tudo mudou de repente e eu não fui intubado. Na noite seguinte o médico amigo retornou à UTI e me encontrou bem melhor. E para a sua surpresa eu estava dormindo. Foi a partir dessa sequência de fatos que começou a minha melhora. Aos poucos foram retirando as sondas, diminuindo a quantidade de oxigênio. Fiz umas sessões no respirador e depois fiquei só na máscara; mais um pouco eu saí da máscara e fui para o cateter; depois precisei voltar por breve tempo para a máscara. Voltei ao cateter e foram diminuindo os níveis de oxigênio gradativamente. Dali me levaram para o quarto e depois com dois dias tive alta. Voltei para casa no dia do aniversário de 18 anos do meu filho mais velho.
NA: No que essa experiência mudou a sua vida?
EL: Nos últimos três anos a minha vida passou por uma mudança radical. Tenho visto muita coisa boa, um direcionamento de Deus. Nesse tempo entrei para o seminário e estou cursando o terceiro ano com expectativas de uma ordenação pastoral. Essa experiência da doença veio para comprovar tudo o que Deus falou e tem feito na minha vida. A grande conclusão que eu tirei foi que a gente perde muito tempo focando a nossa vida em coisas que são detalhes. Essas coisas são boas, lícitas, mas não tem a menor importância. O nosso foco deve ser buscar o Reino em primeiro lugar, pregar o Evangelho, levar a verdade da Palavra de Deus às pessoas. Um minuto que você perde com suas preocupações e ansiedades, com o carro que quer comprar, com o dinheiro que tem ou não no banco, é um minuto que você perde deixando de lado o foco daquilo que é verdadeiramente importante. Eu precisava reajustar o meu foco. Na UTI pouco importa se você tem conta para pagar, se tem dinheiro no banco, se tem um carro. Você não pensa na roupa que veste, não pensa na casa que mora... é você e Deus. Pronto! Obviamente você pensa na família. Mas na UTI, é você e Deus.
Estando nessa situação de vale da sombra da morte eu recorri a Deus. Mas, e as pessoas que passam por essa situação e não tem Deus? O que elas fazem? Deve ser desesperador. Ainda na UTI eu orei: “Se o Senhor me tirar daqui eu não quero gastar mais nenhum minuto com aquilo que não vale a pena. Quero dedicar a minha vida para anunciar o Senhor àqueles que não te conhecem e também àqueles que te conhecem, mas que precisam ouvir novamente”.
NA: Qual foi o impacto dessa experiência para o seu trabalho musical?
EL: Certamente vai impactar profundamente as minhas composições. Eu ainda não voltei a compor desde que voltei do hospital. Eu já estava, antes, num processo de criação de temas musicais para depois colocar letras. É assim que normalmente componho. O alvo era gravar um EP. Já tenho um estoque de temas prontos. Agora vou trabalhar as letras. Quero focar minha atenção nas verdades do evangelho que muitas vezes negligenciamos por causa das distrações que são colocadas diante dos nossos olhos. Esse será meu foco daqui em diante.
• Carlinhos Veiga é pastor, músico e jornalista. É colunista da seção “Novos acordes” da revista Ultimato.
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