Opinião
- 05 de setembro de 2019
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Por que os ateus são mais “cristãos” do que imaginam?
Por Tom Holland
O historiador e escritor best-seller Tom Holland responde à mais recente pesquisa sobre as atitudes sociais britânicas, que mostra o declínio do cristianismo e o aumento do ateísmo.
O historiador e escritor best-seller Tom Holland responde à mais recente pesquisa sobre as atitudes sociais britânicas, que mostra o declínio do cristianismo e o aumento do ateísmo.
O sucesso do cristianismo, o framework mais influente para dar sentido à existência humana que já existiu, sempre dependeu de pessoas que tendem a não aparecer nos livros de história. Não foi nas igrejas, mosteiros ou universidades que a massa do povo cristão foi moldada de forma mais significativa. Ao invés, era no lar que as crianças tinham mais probabilidade de absorver os ensinamentos revolucionários que, ao longo de dois mil anos de história, passaram a ser considerados tão naturais a ponto de quase serem vistos como a própria natureza humana.
Ao longo das gerações, ao longo dos séculos, ao longo dos milênios, esses ensinamentos foram passados. Somente os judeus podem reivindicar qualquer coisa comparável: uma tradição viva que pode ser traçada ao longo de uma linha ininterrupta até a civilização do Império Romano há muito desaparecida.
Ninguém, então, deve duvidar da importância de uma tendência destacada na pesquisa anual de atitudes sociais britânicas (British Social Attitudes Survey – BSA), publicada recentemente. Os laços que por mais de mil anos uniam cada nova geração nascida neste país ao seu passado cristão estão se desgastando a uma velocidade vertiginosa. Os pais que frequentam igrejas agora têm apenas uma chance em duas de criar filhos que, como adultos, frequentarão a igreja.
Assim como o número de pessoas na Grã-Bretanha que se identificam como cristãos despenca, a familiaridade com os mais básicos conhecimentos acerca do cristianismo desaparece com eles. A ignorância das histórias, rituais e ensinamentos que por muito tempo pareciam tão profundamente entrelaçados no tecido da cultura deste país, a ponto de serem indistinguíveis dela, é agora cada vez mais a norma.
Nada disso significa que os pressupostos que governam e estruturam a sociedade britânica deixaram de ser cristãos. As pessoas que, na famosa fábula de Nietzsche, continuam a venerar a sombra de Deus, não são meramente os frequentadores da igreja. Todos os que são prisioneiros da moralidade cristã – mesmo aqueles que podem se orgulhar de se colocar entre os assassinos de Deus – estão incluídos entre eles.
O agnosticismo – como Thomas Henry Huxley, o homem que cunhou o termo, prontamente reconheceu – se posiciona como “aquela convicção da supremacia do julgamento privado (de fato, da impossibilidade de escapar dele) que é a base da Reforma Protestante”. O secularismo deve sua existência ao papado medieval. O humanismo deriva, em última análise, das afirmações feitas na Bíblia: que os humanos são feitos à imagem de Deus; que seu Filho morreu igualmente para todos; que não há nem judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem macho nem fêmea, porque todos são um em Cristo Jesus.
Repetidamente, como um grande terremoto, o cristianismo enviou reverberações por todo o mundo. Primeiro houve a revolução primitiva: a revolução pregada por São Paulo. Depois vieram os tremores secundários: a revolução no século XI que colocou a cristandade ocidental em seu curso crucialmente distinto; a revolução comemorada como Reforma; a revolução que matou Deus. Todas tinham um selo idêntico: a aspiração de envolver em seu abraço todas as outras formas possíveis de ver o mundo; a reivindicação de um universalismo que era altamente específico do ponto de vista cultural.
O grau no qual o autoconfesso ateísmo na Grã-Bretanha, longe de servir como uma emancipação da cultura religiosa tradicional do país, tende a funcionar como outra facção Protestante é evidente na própria linguagem que emprega para saudar o retraimento do cristianismo. Assim como os puritanos receberam com agrado o declínio do papado, agora os ateus acolhem o declínio do próprio cristianismo. “A superstição e a irracionalidade estão em recuo.” Esse foi o viés que Polly Toynbee, no jornal The Guardian, colocou ao comentar o relatório da BSA. Qualquer pessoa familiarizada com a retórica da Reforma reconhecerá imediatamente o sentimento.
Toynbee, porém, deve ter cuidado com o que deseja. Que os seres humanos têm direitos; que eles nascem iguais; que a eles são devidos sustento, abrigo e refúgio da perseguição: estas não são verdades autoevidentes. “Não há nada de especial sobre o homem. Ele é apenas uma parte deste mundo.”
Hoje, no Ocidente, há muitos que concordariam com Heinrich Himmler, que a humanidade reivindicar um status especial para si mesma, imaginar-se como de alguma forma superior ao resto da criação, é uma arrogância ilegitimável. O Homo sapiens é apenas mais uma espécie. Insistir no contrário é se agarrar aos fragmentos quebrados da crença religiosa. No entanto, as implicações desse ponto de vista – que os nazistas, é claro, alegavam como legitimação para o genocídio – continuam sendo perturbadoras demais para serem encaradas.
Assim como Nietzsche havia predito, os livres-pensadores que ridicularizam a própria ideia de um deus como uma coisa morta, uma fada do céu, um amigo imaginário, ainda podem manter piedosamente os tabus e a moral que derivam palpavelmente do cristianismo. Cada vez mais, no entanto, à medida que a maré de influência e poder do Ocidente retrocede, as ilusões dos liberais europeus e americanos vêm gradualmente sendo abandonadas. Muito do que eles procuraram lançar e promover como universal agora fica exposto como nunca tendo sido algo do tipo. Por trás da prontidão de usar “fascista” como um insulto, esconde-se um medo entorpecedor: o que poderia acontecer caso deixasse de ser tomado como um insulto.
Se o humanismo secular deriva, não da razão ou da ciência, mas do curso distinto da evolução do cristianismo – um curso que, na opinião de números crescentes de pessoas na Europa e na América, deixou Deus morto – então como seus valores podem ser algo mais do que apenas a sombra de um cadáver? Quais são os fundamentos de sua moralidade, se não são um mito?
Geralmente, se você está sentado em um galho, não é muito sensato serrá-lo.
• Tom Holland é um historiador premiado, biógrafo e radialista. Seu último livro, Dominion: Making of the Western Mind (Little Brown Book Group), está disponível a partir de setembro de 2019.
Nota: Texto reproduzido do site da Associação Brasileira Cristãos na Ciência. Publicado originalmente em inglês no blog da Premier Christianity, do Reino Unido.
Tradução: Tiago Garros
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