Opinião
- 16 de agosto de 2024
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Pessoas. Humanas? Divinas? Os dois?
Por Gesiel Borges da Silva
O que são pessoas? Qual é a relação entre a alma e o corpo? Será que nossa personalidade corresponde à nossa alma, ao nosso corpo, ou a alguma “mistura” de ambos? Será que a dignidade de uma pessoa reside somente em sua natureza espiritual, ou o corpo de uma pessoa também pode contribuir para seu valor? E qual é a relação entre personalidade humana e a personalidade divina?
Nenhuma investigação filosófica séria sobre a natureza da personalidade, da mente e do corpo pode evitar tais questões. A fé cristã possui recursos para responder ao menos algumas delas. Por outro lado, se as perspectivas cristãs sobre o tema não forem traduzidas e discutidas em linguagem filosófica, fica difícil saber como tais respostas podem iluminar o debate contemporâneo. Assim, por que não reunir filósofos que compartilhem da perspectiva cristã da realidade para refletir filosoficamente sobre estas perguntas?
É exatamente isso que a obra Pessoas: Humanas e Divinas faz. Organizada por Peter van Inwagen e Dean Zimmerman, o livro reúne ensaios de alguns dos filósofos analíticos cristãos mais importantes das últimas décadas para refletirem sobre a natureza da pessoalidade, a dignidade da pessoa humana, a relação entre mente e corpo e diversos outros temas de um ponto de vista cristão. Os ensaios do livro foram apresentados em uma conferência em 2004 em Nova Jersey, Estados Unidos, e consistem em uma tentativa bastante singular de encarar algumas das principais preocupações dos filósofos dos nossos tempos empregando recursos da fé cristã, ao mesmo tempo que nutre o entendimento filosófico de temas muito caros à fé cristã. Como não poderia deixar de ser, os debates não são simples, e há grande discordâncias entre os autores. Apesar disso, o leitor terá a impressão de que praticamente todos os ensaios do livro consistem em esforços bastante genuínos de colocar a fé cristã em diálogo com a filosofia analítica contemporânea.
Por exemplo, um dos debates mais importantes em filosofia da mente desde, pelo menos, o século 17, é aquele da relação entre mente e corpo. De um lado, o dualismo afirma que mente e corpo são substancialmente distintos; de outro, o materialismo (ou fisicalismo) afirma que tudo o que existe é material, e isso inclui a mente. É claro que existem variações dessas visões: é possível aceitar que a mente é substancialmente material, mas nunca redutível ao mundo físico (o chamado “materialismo não-redutivo”), ou que os estados mentais têm propriedades e características essencialmente distintas daquelas do mundo material, ignorando a questão sobre a substância da mente (como no chamado “dualismo de propriedades”), ou mesmo que não existe nada realmente material (como defende o idealismo).
Embora muitos filósofos cristãos entendam que o dualismo é a opção que mais corresponde à visão cristã da pessoa humana e que o materialismo é falso (como, por exemplo, Alvin Plantinga e Richard Swinburne), alguns filósofos cristãos entendem que o materialismo faz jus à integralidade do ser humano e, portanto, assumem uma visão materialista da pessoalidade humana, procurando também acomodar doutrinas importantes, como a da ressurreição final (como é o caso de Peter van Inwagen, Lynne Rudder Baker e Trenton Merricks). O debate entre dualistas, materialistas e idealistas atravessa o livro e consiste em um dos pontos de maior destaque, tanto por sua importância filosófica geral como por sua relevância para o entendimento cristão da alma, do corpo e até da Encarnação.
É possível até que o leitor não resolva todas as questões acima, mas é quase impossível que alguém leia esse livro sem refletir profundamente sobre cada uma delas. Por esse e outros motivos, a publicação da versão brasileira de Pessoas: Humanas e Divinas é um marco muito importante no diálogo entre filosofia e fé cristã em língua portuguesa.
Saiba mais:
» Série “Filosofia e Fé Cristã”
» A Penúltima Curiosidade, Roger Wagner e Andrew Briggs
» Perguntas e respostas fundamentais sobre filosofia, por Cássia Almeida, Davi Lago, Pedro Dulci, Ricardo Murtada e Ricardo Quadros Gouvêa
» A teologia dialoga com a filosofia?, por Davi Bastos
O que são pessoas? Qual é a relação entre a alma e o corpo? Será que nossa personalidade corresponde à nossa alma, ao nosso corpo, ou a alguma “mistura” de ambos? Será que a dignidade de uma pessoa reside somente em sua natureza espiritual, ou o corpo de uma pessoa também pode contribuir para seu valor? E qual é a relação entre personalidade humana e a personalidade divina?
Nenhuma investigação filosófica séria sobre a natureza da personalidade, da mente e do corpo pode evitar tais questões. A fé cristã possui recursos para responder ao menos algumas delas. Por outro lado, se as perspectivas cristãs sobre o tema não forem traduzidas e discutidas em linguagem filosófica, fica difícil saber como tais respostas podem iluminar o debate contemporâneo. Assim, por que não reunir filósofos que compartilhem da perspectiva cristã da realidade para refletir filosoficamente sobre estas perguntas?
É exatamente isso que a obra Pessoas: Humanas e Divinas faz. Organizada por Peter van Inwagen e Dean Zimmerman, o livro reúne ensaios de alguns dos filósofos analíticos cristãos mais importantes das últimas décadas para refletirem sobre a natureza da pessoalidade, a dignidade da pessoa humana, a relação entre mente e corpo e diversos outros temas de um ponto de vista cristão. Os ensaios do livro foram apresentados em uma conferência em 2004 em Nova Jersey, Estados Unidos, e consistem em uma tentativa bastante singular de encarar algumas das principais preocupações dos filósofos dos nossos tempos empregando recursos da fé cristã, ao mesmo tempo que nutre o entendimento filosófico de temas muito caros à fé cristã. Como não poderia deixar de ser, os debates não são simples, e há grande discordâncias entre os autores. Apesar disso, o leitor terá a impressão de que praticamente todos os ensaios do livro consistem em esforços bastante genuínos de colocar a fé cristã em diálogo com a filosofia analítica contemporânea.
Por exemplo, um dos debates mais importantes em filosofia da mente desde, pelo menos, o século 17, é aquele da relação entre mente e corpo. De um lado, o dualismo afirma que mente e corpo são substancialmente distintos; de outro, o materialismo (ou fisicalismo) afirma que tudo o que existe é material, e isso inclui a mente. É claro que existem variações dessas visões: é possível aceitar que a mente é substancialmente material, mas nunca redutível ao mundo físico (o chamado “materialismo não-redutivo”), ou que os estados mentais têm propriedades e características essencialmente distintas daquelas do mundo material, ignorando a questão sobre a substância da mente (como no chamado “dualismo de propriedades”), ou mesmo que não existe nada realmente material (como defende o idealismo).
Embora muitos filósofos cristãos entendam que o dualismo é a opção que mais corresponde à visão cristã da pessoa humana e que o materialismo é falso (como, por exemplo, Alvin Plantinga e Richard Swinburne), alguns filósofos cristãos entendem que o materialismo faz jus à integralidade do ser humano e, portanto, assumem uma visão materialista da pessoalidade humana, procurando também acomodar doutrinas importantes, como a da ressurreição final (como é o caso de Peter van Inwagen, Lynne Rudder Baker e Trenton Merricks). O debate entre dualistas, materialistas e idealistas atravessa o livro e consiste em um dos pontos de maior destaque, tanto por sua importância filosófica geral como por sua relevância para o entendimento cristão da alma, do corpo e até da Encarnação.
É possível até que o leitor não resolva todas as questões acima, mas é quase impossível que alguém leia esse livro sem refletir profundamente sobre cada uma delas. Por esse e outros motivos, a publicação da versão brasileira de Pessoas: Humanas e Divinas é um marco muito importante no diálogo entre filosofia e fé cristã em língua portuguesa.
- Gesiel Borges da Silva é doutorando em filosofia pela University of Missouri, nos Estados Unidos, e pela UNICAMP. É casado e frequenta uma igreja presbiteriana em Columbia, no Missouri, Estados Unidos.
Saiba mais:
» Série “Filosofia e Fé Cristã”
» A Penúltima Curiosidade, Roger Wagner e Andrew Briggs
» Perguntas e respostas fundamentais sobre filosofia, por Cássia Almeida, Davi Lago, Pedro Dulci, Ricardo Murtada e Ricardo Quadros Gouvêa
» A teologia dialoga com a filosofia?, por Davi Bastos
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