Opinião
- 30 de dezembro de 2013
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Passado, presente e futuro
O que é o tempo e como nos relacionamos com ele? Neste fim de 2013, vale uma reflexão sobre o tempo e os tempos em que vivemos.
Os antigos o mediam de acordo com os ciclos da natureza, do sol, da lua, das estações, das tempestades, das colheitas e dos fenômenos cósmicos, a exemplo do eclipse. Quando narravam o passado (mito), a natureza era a referência e quando o celebravam (rito) eles voltavam ao tempo primordial, num “eterno retorno”.
Por sua vez, os feitos das gerações se tornaram referências políticas e culturais, marcando as conquistas, as batalhas, os triunfos, as ações heroicas ou coletivas (epopeias). Os calendários, enfim, foram inventados a partir dos ciclos naturais, dos deuses, dos astros, dos eventos políticos, religiosos e civilizacionais. Eras, milênios, séculos, décadas, anos, meses e dias são mecanismos de medição e de controle do tempo, de regulação social, política e econômica.
A civilização greco-judaico-cristã ocidental instituiu uma concepção teleológica do tempo. Nela, ele anda pra frente, rumo a um “telos”, um fim, avançando para um destino final. A criação e o juízo são os termos extremos do tempo e da história. Concebeu-se uma eternidade fora do tempo, zona atemporal onde Deus habita inacessível. Mas esta concepção foi apropriada pela modernidade, desde uma interpretação linear, secularizada, evolutiva e racional do tempo, que influenciou inclusive a teologia.
Nessa interpretação moderna, o tempo está sujeito a uma Razão que organiza os acontecimentos caóticos das ações humanas (Kant) ou é definido segundo a vontade impessoal do espírito que antecipa o futuro nas épocas (Hegel). A sociedade pode controlar este tempo por meio da ordem, da ciência e da tecnologia e pode levá-lo a dar saltos, evoluir em direção ao moderno em oposição ao primitivo (Comte). A humanidade tornou-se “dona” do tempo, denunciado por Einstein como não absoluto junto com o espaço.
Esta linearidade serviu para a formação da presente ordem econômica, impondo o tempo da exatidão, da precisão, da previsibilidade, dos prazos, que serve à lógica da máxima produção no menor tempo possível. Os apitos das fábricas substituíram os sons dos antigos sinos. O tempo existe somente para produzir, isto sem pensar, sem esperar, sem aguardar e sem contemplar para, no final, consumir. O capitalismo anarquiza o tempo para otimizar o lucro e impõe um ritmo apressado, estressado, açodado das coisas. De domingo a domingo, vive-se para trabalhar, produzir e consumir, e sempre com pressa. O “telos” é o consumo.
À luz destas relações com o tempo acima descritas, podemos repensar cada uma delas a partir das escrituras e da teologia. Para o pregador, o sábio de Eclesiastes, o tempo é uma categoria humana e terrena (Ec 3). Ele se mostra cíclico para a curta passagem da vida “debaixo do céu”, uma vida de contradições em seus propósitos. Tempo das experiências da ordem da vida em seus opostos inevitáveis. E contar os dias para alcançar um coração sábio implica na compreensão desta dinâmica do tempo que é breve e enfadado (Sl 91.9-12).
Foi Santo Agostinho quem trouxe a ideia de que o tempo é uma representação. O tempo não se mede, se sente. Tempo psicológico, subjetivo. Os cinco minutos finais de uma decisão de campeonato duram uma eternidade para o time que ganha ou um piscar de olhos para o que perde. O tempo linear, cronológico, portanto, é uma construção.
O teólogo também concebeu a relação entre memória e esperança. Para ele, a memória atualiza o passado, o reapresenta, em outras palavras, o torna de novo presente. A memória está diretamente relacionada à esperança, pois a maneira como e o que lembramos nos traz esperança (Lm 3.21). Portanto, não existe passado a não ser na memória e esta é sempre uma atividade do presente. Da mesma forma, o futuro não existe a não ser na esperança que é sempre uma perspectiva do presente. Ou seja, não há outro tempo a não ser o presente, daí, “não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados, basta ao dia o seu próprio mal” (Mt 6.34).
No Novo Testamento (Paulo!) a revelação no “kairós” refaz todas as categorias e concepções do tempo. Trata-se da ação e da intervenção de Deus na história humana, a reconciliação de todas as coisas em Cristo. A encarnação do Verbo, na “dispensação da plenitude dos tempos” (Ef 1.10) fez convergir para ela todas as coisas passadas, presentes e futuras. O Verbo feito gente não é somente a divisão da história linear da civilização cristã, antes, o evento nuclear do cosmos e da história humana. Nele inaugurou-se o “fim dos tempos”, o Reino que já veio, está agora e virá.
Enfim, vivamos “remindo o tempo, porque os dias são maus” (Ef 5.16).
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Os antigos o mediam de acordo com os ciclos da natureza, do sol, da lua, das estações, das tempestades, das colheitas e dos fenômenos cósmicos, a exemplo do eclipse. Quando narravam o passado (mito), a natureza era a referência e quando o celebravam (rito) eles voltavam ao tempo primordial, num “eterno retorno”.
Por sua vez, os feitos das gerações se tornaram referências políticas e culturais, marcando as conquistas, as batalhas, os triunfos, as ações heroicas ou coletivas (epopeias). Os calendários, enfim, foram inventados a partir dos ciclos naturais, dos deuses, dos astros, dos eventos políticos, religiosos e civilizacionais. Eras, milênios, séculos, décadas, anos, meses e dias são mecanismos de medição e de controle do tempo, de regulação social, política e econômica.
A civilização greco-judaico-cristã ocidental instituiu uma concepção teleológica do tempo. Nela, ele anda pra frente, rumo a um “telos”, um fim, avançando para um destino final. A criação e o juízo são os termos extremos do tempo e da história. Concebeu-se uma eternidade fora do tempo, zona atemporal onde Deus habita inacessível. Mas esta concepção foi apropriada pela modernidade, desde uma interpretação linear, secularizada, evolutiva e racional do tempo, que influenciou inclusive a teologia.
Nessa interpretação moderna, o tempo está sujeito a uma Razão que organiza os acontecimentos caóticos das ações humanas (Kant) ou é definido segundo a vontade impessoal do espírito que antecipa o futuro nas épocas (Hegel). A sociedade pode controlar este tempo por meio da ordem, da ciência e da tecnologia e pode levá-lo a dar saltos, evoluir em direção ao moderno em oposição ao primitivo (Comte). A humanidade tornou-se “dona” do tempo, denunciado por Einstein como não absoluto junto com o espaço.
Esta linearidade serviu para a formação da presente ordem econômica, impondo o tempo da exatidão, da precisão, da previsibilidade, dos prazos, que serve à lógica da máxima produção no menor tempo possível. Os apitos das fábricas substituíram os sons dos antigos sinos. O tempo existe somente para produzir, isto sem pensar, sem esperar, sem aguardar e sem contemplar para, no final, consumir. O capitalismo anarquiza o tempo para otimizar o lucro e impõe um ritmo apressado, estressado, açodado das coisas. De domingo a domingo, vive-se para trabalhar, produzir e consumir, e sempre com pressa. O “telos” é o consumo.
À luz destas relações com o tempo acima descritas, podemos repensar cada uma delas a partir das escrituras e da teologia. Para o pregador, o sábio de Eclesiastes, o tempo é uma categoria humana e terrena (Ec 3). Ele se mostra cíclico para a curta passagem da vida “debaixo do céu”, uma vida de contradições em seus propósitos. Tempo das experiências da ordem da vida em seus opostos inevitáveis. E contar os dias para alcançar um coração sábio implica na compreensão desta dinâmica do tempo que é breve e enfadado (Sl 91.9-12).
Foi Santo Agostinho quem trouxe a ideia de que o tempo é uma representação. O tempo não se mede, se sente. Tempo psicológico, subjetivo. Os cinco minutos finais de uma decisão de campeonato duram uma eternidade para o time que ganha ou um piscar de olhos para o que perde. O tempo linear, cronológico, portanto, é uma construção.
O teólogo também concebeu a relação entre memória e esperança. Para ele, a memória atualiza o passado, o reapresenta, em outras palavras, o torna de novo presente. A memória está diretamente relacionada à esperança, pois a maneira como e o que lembramos nos traz esperança (Lm 3.21). Portanto, não existe passado a não ser na memória e esta é sempre uma atividade do presente. Da mesma forma, o futuro não existe a não ser na esperança que é sempre uma perspectiva do presente. Ou seja, não há outro tempo a não ser o presente, daí, “não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados, basta ao dia o seu próprio mal” (Mt 6.34).
No Novo Testamento (Paulo!) a revelação no “kairós” refaz todas as categorias e concepções do tempo. Trata-se da ação e da intervenção de Deus na história humana, a reconciliação de todas as coisas em Cristo. A encarnação do Verbo, na “dispensação da plenitude dos tempos” (Ef 1.10) fez convergir para ela todas as coisas passadas, presentes e futuras. O Verbo feito gente não é somente a divisão da história linear da civilização cristã, antes, o evento nuclear do cosmos e da história humana. Nele inaugurou-se o “fim dos tempos”, o Reino que já veio, está agora e virá.
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Lyndon de Araújo Santos é historiador, professor universitário e pastor da Igreja Evangélica Congregacional em São Luís, MA. Faz parte da Fraternidade Teológica Latino-americana - Setor Brasil (FTL-Br).
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