Opinião
- 09 de abril de 2018
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Para melhor ouvir a dor do outro
Por Uriel Heckert
Que prazer é esse que nos leva a ouvir a dor do outro? Essa foi a provocação que encimava o convite para um congresso de Psiquiatria. Seria um prazer masoquista, que por caminhos tortuosos nos leva a cultivar o sofrimento? Seria ruminação depressiva, que nos prende a sentimentos e situações penosas? Seria uma personalidade melancólica, que predispõe à proximidade com o trágico? Seremos capazes daquele desapego de nós mesmos, suficiente para experimentarmos empatia e compaixão, podendo, então, oferecermos alguma ajuda?
Certo é que a história de vida de cada pessoa condiciona à maior aproximação ou ao distanciamento das situações dolorosas da existência. De qualquer forma, experiências desastrosas são impositivas e fazem-se presentes a todos. A tragédia que atinge o outro é também minha de alguma forma, mesmo que assuma roupagens diferentes ou esteja distante no tempo. Assim, num movimento dialético, cheio de nuances, vão se configurando atitudes de negação, rejeição, hostilidade; mas também de aproximação e solidariedade.
Nunca é demais abordar o tema do sofrimento. Fascinados por aparentes novidades, muitas pessoas sentem-se atraídas por explicações simplistas que lhes são oferecidas maquiadas por uma lógica superficial. Uma delas, baseada em religiões orientais, propõe que consideremos o mal como ilusão, fruto de uma deformação perceptiva; bastaria uma nova disposição mental para dilui-lo numa paz etérea, que soa utópica e distante.
Para sofrer mais? Para sofrer menos?
Crenças de natureza espiritualista, bem difundidas em nosso país, tentam explicar o sofrimento pela necessidade do próprio sofrimento, apontando uma sequência de culpas e castigos expiatórios que avança pela eternidade. Se o tempo da vida presente é curto, outras oportunidades todos teriam, neste ou noutros planetas... Sempre para sofrer mais e mais!
Uma doce submissão às circunstâncias expressaria sintonia com as forças da natureza, reconhecendo a nossa insignificância diante da pretendida evolução cósmica. Intelectuais de inspiração estoica assim se afirmam. Outros, por via próxima, sucumbem ao niilismo, desistindo da busca por algum sentido na dor. Alguns até, em visível contrassenso, fazem ressurgir recursos primitivos, animistas, com a pretensão de dominar poderes mágicos que seriam atuantes no Universo.
Também entre cristãos pode-se encontrar confusão sobre o tema. Há quem nos sugere acolher a dor, e mesmo a morte, como companheiras amáveis, capazes de nos conduzir ao crescimento espiritual. Pensando assim, não é de estranhar que se tenha proposto a busca ativa do sofrimento, por meio de penitências e flagelações, como meio de expiação e pretensa identificação com Cristo. Em direção contrária, aqueles de disposição triunfalista, apegam-se à suficiência do sacrifício suportado por Jesus Cristo e dizem não admitir que qualquer mal os acometa. Numa atitude arrogante e onipotente, pretendem repreender as forças do mal, submetendo-as aos seus caprichos. Uns querem tomar a cruz para si; outros querem um cristianismo sem cruz.
Sofrimento na Bíblia
A Bíblia é o livro fundador da nossa civilização e, portanto, deve servir de referência para a consideração acerca desse assunto que nos toca tão de perto. Infelizmente, muitos ainda não a leram. De qualquer forma, sentem-se autorizados a considerá-la ultrapassada, colocando-se assim prontos a serem arrastados em direções menos confiáveis. Outros a tomam superficialmente, ficando igualmente vulneráveis diante das adversidades.
Nada como voltar a Jó. Melhor ainda, ao próprio Jesus Cristo, aquele que nos ensina a construir nossa vida sobre a rocha que é Ele mesmo. Então, quando vierem as tragédias, elas nos encontrarão bem alicerçados e firmes.
Pesquisas no campo da saúde têm indicado que a espiritualidade e a fé são recursos valiosos e fundamentais em momentos difíceis da existência. Elas são elementos básicos nas estratégias para o enfrentamento de situações adversas. Ademais, tornam consistente o referencial simbólico necessário à ressignificação dos acontecimentos trágicos, apontando caminhos para a superação dos mesmos.
Não é, porém, qualquer fé que se presta a tal. A singela e simplória fé na própria fé, em qualquer fé, desmorona-se diante das mudanças de ânimo que o sofrimento acarreta. Seus correlatos, o otimismo e o pensamento positivo, são muito bons enquanto é possível manter o entusiasmo. A tarefa de superação, deixada à mercê dos esforços da própria pessoa, já combalida e extenuada no caso de enfermidade ou catástrofe, tem efeito limitado.
O que nos sustenta quando tudo desmorona e nos atinge no íntimo, desmobilizando os esquemas cognitivos, as disposições afetivas e as iniciativas da vontade? Jó, a despeito do seu desespero e da sua rudeza diante do próprio Deus, tinha algo bem estabelecido no seu íntimo: “Eu sei que o meu Redentor vive e por fim se levantará” (Jó 19:25). Ele contava com alguém maior e além de si mesmo.
Para (melhor) enfrentar o sofrimento
Um dos livros esclarecedores sobre o tema acaba de ganhar reedição: Para (melhor) enfrentar o sofrimento (Editora Ultimato). O que levou o Rev. Elben M. Lenz César a se debruçar sobre o drama de Jó, anos atrás, não sabemos. O resultado, contudo, é para proveito de todos. Temos em mãos um excelente texto, de leitura agradável e inspiradora. Reafirmando a inclinação do autor, a intenção não foi enveredar por uma análise teológica ou literária; mas extrair lições de extrema utilidade para a caminhada humana.
Publicado antes com o título O sofrimento dos inocentes, o livro vai além na abordagem do sofrimento humano: ele identifica as qualidades e virtudes na personalidade de Jó que o tornaram capaz de sobreviver a todas as suas vicissitudes.
Convido à sua leitura. Ao lado, sugiro que tenhamos a Bíblia aberta, podendo assim cotejar cada citação diretamente na fonte. Concordo plenamente com o autor: “O livro de Jó precisa ser redescoberto e lido por inteiro; pois não há melhor compêndio sobre o sofrimento humano”.
Que prazer é esse que nos leva a ouvir a dor do outro? Essa foi a provocação que encimava o convite para um congresso de Psiquiatria. Seria um prazer masoquista, que por caminhos tortuosos nos leva a cultivar o sofrimento? Seria ruminação depressiva, que nos prende a sentimentos e situações penosas? Seria uma personalidade melancólica, que predispõe à proximidade com o trágico? Seremos capazes daquele desapego de nós mesmos, suficiente para experimentarmos empatia e compaixão, podendo, então, oferecermos alguma ajuda?
Certo é que a história de vida de cada pessoa condiciona à maior aproximação ou ao distanciamento das situações dolorosas da existência. De qualquer forma, experiências desastrosas são impositivas e fazem-se presentes a todos. A tragédia que atinge o outro é também minha de alguma forma, mesmo que assuma roupagens diferentes ou esteja distante no tempo. Assim, num movimento dialético, cheio de nuances, vão se configurando atitudes de negação, rejeição, hostilidade; mas também de aproximação e solidariedade.
Nunca é demais abordar o tema do sofrimento. Fascinados por aparentes novidades, muitas pessoas sentem-se atraídas por explicações simplistas que lhes são oferecidas maquiadas por uma lógica superficial. Uma delas, baseada em religiões orientais, propõe que consideremos o mal como ilusão, fruto de uma deformação perceptiva; bastaria uma nova disposição mental para dilui-lo numa paz etérea, que soa utópica e distante.
Para sofrer mais? Para sofrer menos?
Crenças de natureza espiritualista, bem difundidas em nosso país, tentam explicar o sofrimento pela necessidade do próprio sofrimento, apontando uma sequência de culpas e castigos expiatórios que avança pela eternidade. Se o tempo da vida presente é curto, outras oportunidades todos teriam, neste ou noutros planetas... Sempre para sofrer mais e mais!
Uma doce submissão às circunstâncias expressaria sintonia com as forças da natureza, reconhecendo a nossa insignificância diante da pretendida evolução cósmica. Intelectuais de inspiração estoica assim se afirmam. Outros, por via próxima, sucumbem ao niilismo, desistindo da busca por algum sentido na dor. Alguns até, em visível contrassenso, fazem ressurgir recursos primitivos, animistas, com a pretensão de dominar poderes mágicos que seriam atuantes no Universo.
Também entre cristãos pode-se encontrar confusão sobre o tema. Há quem nos sugere acolher a dor, e mesmo a morte, como companheiras amáveis, capazes de nos conduzir ao crescimento espiritual. Pensando assim, não é de estranhar que se tenha proposto a busca ativa do sofrimento, por meio de penitências e flagelações, como meio de expiação e pretensa identificação com Cristo. Em direção contrária, aqueles de disposição triunfalista, apegam-se à suficiência do sacrifício suportado por Jesus Cristo e dizem não admitir que qualquer mal os acometa. Numa atitude arrogante e onipotente, pretendem repreender as forças do mal, submetendo-as aos seus caprichos. Uns querem tomar a cruz para si; outros querem um cristianismo sem cruz.
Sofrimento na Bíblia
A Bíblia é o livro fundador da nossa civilização e, portanto, deve servir de referência para a consideração acerca desse assunto que nos toca tão de perto. Infelizmente, muitos ainda não a leram. De qualquer forma, sentem-se autorizados a considerá-la ultrapassada, colocando-se assim prontos a serem arrastados em direções menos confiáveis. Outros a tomam superficialmente, ficando igualmente vulneráveis diante das adversidades.
Nada como voltar a Jó. Melhor ainda, ao próprio Jesus Cristo, aquele que nos ensina a construir nossa vida sobre a rocha que é Ele mesmo. Então, quando vierem as tragédias, elas nos encontrarão bem alicerçados e firmes.
Pesquisas no campo da saúde têm indicado que a espiritualidade e a fé são recursos valiosos e fundamentais em momentos difíceis da existência. Elas são elementos básicos nas estratégias para o enfrentamento de situações adversas. Ademais, tornam consistente o referencial simbólico necessário à ressignificação dos acontecimentos trágicos, apontando caminhos para a superação dos mesmos.
Não é, porém, qualquer fé que se presta a tal. A singela e simplória fé na própria fé, em qualquer fé, desmorona-se diante das mudanças de ânimo que o sofrimento acarreta. Seus correlatos, o otimismo e o pensamento positivo, são muito bons enquanto é possível manter o entusiasmo. A tarefa de superação, deixada à mercê dos esforços da própria pessoa, já combalida e extenuada no caso de enfermidade ou catástrofe, tem efeito limitado.
O que nos sustenta quando tudo desmorona e nos atinge no íntimo, desmobilizando os esquemas cognitivos, as disposições afetivas e as iniciativas da vontade? Jó, a despeito do seu desespero e da sua rudeza diante do próprio Deus, tinha algo bem estabelecido no seu íntimo: “Eu sei que o meu Redentor vive e por fim se levantará” (Jó 19:25). Ele contava com alguém maior e além de si mesmo.
Para (melhor) enfrentar o sofrimento
Um dos livros esclarecedores sobre o tema acaba de ganhar reedição: Para (melhor) enfrentar o sofrimento (Editora Ultimato). O que levou o Rev. Elben M. Lenz César a se debruçar sobre o drama de Jó, anos atrás, não sabemos. O resultado, contudo, é para proveito de todos. Temos em mãos um excelente texto, de leitura agradável e inspiradora. Reafirmando a inclinação do autor, a intenção não foi enveredar por uma análise teológica ou literária; mas extrair lições de extrema utilidade para a caminhada humana.
Publicado antes com o título O sofrimento dos inocentes, o livro vai além na abordagem do sofrimento humano: ele identifica as qualidades e virtudes na personalidade de Jó que o tornaram capaz de sobreviver a todas as suas vicissitudes.
Convido à sua leitura. Ao lado, sugiro que tenhamos a Bíblia aberta, podendo assim cotejar cada citação diretamente na fonte. Concordo plenamente com o autor: “O livro de Jó precisa ser redescoberto e lido por inteiro; pois não há melhor compêndio sobre o sofrimento humano”.
- Uriel Heckert é médico psiquiatra, mestre em filosofia pela UFJF, doutor em psiquiatria pela USP, membro do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC) e da 4ª Igreja Presbiteriana de Juiz de Fora, MG.
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