Opinião
- 20 de agosto de 2021
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Polarização: os opostos se repelem
Por Rosifran Macedo
A atual polarização do pensamento tem causado divisões em vários grupos como famílias, igrejas e comunidades digitais. Vamos apresentar duas tentativas de explicação para essa condição. Keller e Lewis explicam como construímos nossos conceitos e posicionamentos e talvez nos ajudem na busca de alguma mudança.
Timothy Keller explica a polarização da sociedade como resultado das “idolatrias” atuais. A modernidade, ao remover Deus do centro da vida, precisou colocar substitutos, que ele chama de “ídolos”. Dinheiro, ciência e romance são os principais candidatos, mas ele aponta causas ideológicas e até mesmo a política como aspirantes favoritos nas últimas décadas . Uma vez abandonada a cosmovisão bíblica, o problema principal do mundo é “algo além do pecado”, por exemplo, a desigualdade social; e o remédio, “algo além de Deus”. Ele conclui que “Isso demoniza algo que não é completamente mau” , como a ideia política diferente da escolha pessoal. Como um ídolo não pode garantir o bem-estar da sociedade, problemas de difícil solução geram medo, e até desesperança e pânico.
Keller acredita que ao colocar a esperança nos líderes e ideologias, lugar antes reservado para Deus, as expressões políticas tendem ao extremismo amargo e polarizado. “Eles acreditam que, se suas políticas e pessoas não estiverem no poder, tudo desmoronará. Eles se recusam a admitir quanto em comum eles têm com o outro lado e... focam nos pontos de discórdia obscurecendo tudo o mais, e um ambiente venenoso é criado.” As falhas do outro lado, ao invés de serem vistas como erros, são classificadas como malignas e seus líderes como personificação do mal, anticristos. Os dois lados reagem da mesma maneira e a sociedade vive em constantes ciclos de “esperanças exageradas e desilusão” cada vez que o poder se reveza.
Quando uma ideologia se torna um ídolo e colocamos neste a esperança pessoal e social, o tornamos o alicerce da identidade e segurança. As pessoas que pensam diferente são “percebidas”, na maioria das vezes inconscientemente, não apenas como discordantes, mas como uma ameaça à própria existência, e podem ser tratadas com desprezo, ódio e até violência. Esta atitude tende a danificar as relações dos grupos quando seus membros optam por lados diferentes.
Outra causa para a polarização na sociedade, apontada por C.S. Lewis, está nos erros no processo para definirmos o que é o bem e o que é o mal, ou seja, o julgamento sobre a natureza do que é certo e do que é errado. As pessoas podem se equivocar sobre o que é certo ou errado, e com certeza a maioria o faz em algum grau. Ele cita quatro fatores que influenciam nosso raciocínio neste processo: as experiências, os fatos, as autoridades e a intuição. Para ele, mais de noventa por cento dos nossos conceitos são fortemente influenciados por autoridades, como pais, professores, cientistas e religião. Algumas delas podem nos transmitir uma informação errada, mas, normalmente, ao percebermos o erro, através de argumentos ou fatos novos, ou por outra autoridade mais especializada, não temos tanta dificuldade em corrigi-lo.
Já a intuição é composta pelas preferências básicas da volição, tidas como corretas. Por exemplo, preferimos o amor ao invés do ódio, e a felicidade ao invés da miséria. Os erros da intuição são bem mais difíceis de serem corrigidos devido a uma persistente recusa, movida por alguma paixão, em considerar qualquer outra opção. Nenhum argumento conseguirá mudar uma intuição; por natureza ela não aceita qualquer contestação. A intuição que alicerça um conceito pode ser corrompida por paixões, principalmente nas discussões acerca do bem e do mal.
Outro problema quanto à intuição é que, às vezes, o que as pessoas pensam ser uma intuição básica, na verdade é uma conclusão errada sobre ela. Ele cita o exemplo da pessoa que pensa ser errado o uso de qualquer bebida alcoólica. Neste caso, a intuição básica é que “a saúde e a harmonia” são boas e desejáveis, mas pelo fato da embriaguez produzir doenças e desentendimentos, a pessoa conclui que “o que pode ser abusado é melhor não ser usado”, e que a abstinência total é única opção correta. Para alguns, a conclusão edificada para proteger uma intuição, ou uma verdade recebida de uma autoridade, pode se tornar mais importante do que a própria intuição. É o caso dos fariseus que construíram tantas tradições no intuito de não quebrarem os mandamentos de Deus, que o próprio Jesus condena dizendo: “Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição” (Mc. 7.9). O fato das pessoas não estarem abertas para reavaliarem suas intuições, às vezes erradas, e serem intransigentes sobre as mesmas, acaba ativando a lei de que “um erro gera outro erro oposto e, ao contrário de se neutralizarem, eles se agravam mutualmente” gerando uma polarização crescente.
A idolatria social e o fato da Palavra ter deixado de ser a autoridade máxima na construção da consciência social são causas da polarização atual e muitos cristãos não percebem que seus comportamentos têm sido influenciados por elas. Em fidelidade a uma causa ou a uma ideologia política, alguns têm infringido, explicitamente, princípios bíblicos como amor, graça e perdão. O resultado tem sido famílias e comunidades divididas, marcadas por palavras de intolerância, desamor e o entristecimento do Espírito Santo (Ef.4.30-5.2). Precisamos de arrependimento e, na dependência do Espírito, buscar sabedoria no exercício das nossas responsabilidades no processo democrático de construção e transformação social, mantendo uma cosmovisão bíblica e obedecendo à Palavra como autoridade máxima em questões de fé e prática. “Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em Cristo, vos perdoou” (Ef.4.32).
Notas
• Rosifran Macedo é pastor presbiteriano, mestre em Novo Testamento pelo Biblical Theological Seminary (EUA). É missionário da Missão AMEM/WEC Brasil, onde foi diretor geral por nove anos. Atualmente, dedica-se, junto com sua esposa Alicia Macedo, em projetos de cuidado integral de missionários.
Notas
1. Counterfeit Gods, Riverhead Books, New York, 2009, p.98
2. Ibid, p.100
3. Ibid. p.99
4. The Weight of Glory, Harper SanFrancisco, 2001, p.64
5. Ibid. p. 67
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