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Opinião

Onde estão as crianças?

Se realmente queremos ouvir e incluir os mais jovens, é hora de empregar medidas práticas. Eles não são apenas o futuro da igreja; eles são a igreja hoje

Por Susan Greener

O Compromisso da Cidade do Cabo (2010) do Movimento de Lausanne contém uma forte declaração de apoio às crianças, pedindo à igreja que se comprometa a:

1. Levar as crianças a sério, através de estudos bíblicos e questionamentos teológicos estimulantes, que reflitam o amor de Deus e o seu propósito para elas e através delas. E redescobrir o profundo significado para a teologia e para a missão, da atitude provocadora de Jesus ao “tomar uma criança e colocá-la entre eles”.

2. Procurar treinar pessoas e fornecer recursos para atender às necessidades das crianças em todo o mundo, sempre que possível, trabalhando com suas famílias e comunidades, com a convicção de que o ministério holístico para e através de cada geração seguinte de crianças e jovens é um componente vital para a missão mundial.

3. Expor, resistir e agir contra toda e qualquer forma de abuso contra as crianças, seja violência, exploração, escravidão, tráfico, prostituição, sexo e discriminação étnica, alvo publicitário e negligência intencional.


Em resposta ao compromisso, formou-se o grupo de discussão1 Crianças em situação de risco, que começou a trabalhar segundo as diretrizes mencionadas acima, capacitando a igreja e as organizações paraeclesiásticas a levar todo o evangelho às crianças em situação de risco, advogando em seu nome e convidando-as a participar de forma significativa na obra missionária. As contribuições colaborativas do grupo de discussão são elogiáveis, refletindo o seu compromisso com as crianças como agentes vulneráveis na obra missionária de Deus. Apesar dos esforços ao longo dos últimos quatorze anos, a igreja como um todo e o movimento de Lausanne ainda não abraçaram a inclusão total de crianças na igreja e na obra missionária.

Que progresso houve nos últimos 14 anos?
O relatório Status da Grande Comissão oferece um vislumbre da influência que nosso grupo de discussão tem exercido na comunidade de Lausanne mais ampla e na igreja evangélica global. Estamos agradecidos e alegres com a forma como o relatório da Escuta Global revela um interesse generalizado pelas gerações mais jovens. Segundo a análise, são frequentes e consistentes na contribuição global as menções dos seguintes termos: “juventude”, “jovens”, “geração mais jovem”, “GenZ”, etc. “Ouvir a geração jovem” surgiu como um tema importante, apesar de muitas das referências no relatório incluírem “envolvimento”, refletindo o reconhecimento da necessidade de incorporar a participação.

O termo “crianças” é mencionado com frequência muito menor e os riscos – particularmente o da pobreza, raiz de praticamente todos os riscos graves para as crianças e seus cuidadores – são mencionados apenas uma vez. E mesmo essa menção refere-se à falta de envolvimento da igreja com as graves questões enfrentadas no “mundo exterior”, implicando que as crianças “dentro” da igreja estão de alguma forma imunes à pobreza, à injustiça e a muitos outros riscos, o que é lamentavelmente falso.

Para as sessões do “Colaborar” do Quarto Congresso de Lausanne, Alcançando a próxima geração foi classificada como Lacuna 3 na lista de 25. A pergunta principal para o grupo de colaboração foi: De que forma os cristãos em igrejas, organizações paraeclesiásicas e locais de trabalho podem atuar de forma colaborativa para alcançar e discipular as gerações emergentes nos lugares em que o cristianismo tradicional é visto por muitos como pouco plausível e irrelevante? Acreditamos que a resposta a essa pergunta requer uma análise mais profunda da última questão da ação colaborativa: Com quais áreas de cultura em geral os cristãos precisam se engajar de forma efetiva para aumentar a plausibilidade do evangelho para a próxima geração?



O que está faltando?
Essa pergunta, contudo, não é muito abrangente. Não é apenas a plausibilidade do evangelho que está em xeque, mas também a relevância da igreja institucional para os jovens. O relatório Status da Grande Comissão enfatiza excessivamente a proclamação e a exclusão geral do testemunho mais amplo de “vida, palavra, ação e sinais” na missão integral.²

A pergunta mais difícil de todas é: “O que há de positivo nas boas novas que a igreja tem anunciado às gerações mais jovens por meio da palavra e do exemplo?” Isso está inserido no seguinte contexto:

• Sede de expandir nosso poder e riqueza explorando a boa criação de Deus, que tem levado a mais tempestades, ondas de inundações, secas, calor extremo, insegurança alimentar, deslocamento da população e outros males;

• Instituições eclesiásticas cujo foco está na fama, na monetização do ministério, no crescimento numérico e estratégias em detrimento da profundidade, imitando práticas comerciais capitalistas em lugar dos valores inversos do nosso Senhor Jesus;

• Impropriedade financeira, falhas morais, escândalos de abuso sexual infantil na liderança da igreja e nas instituições cristãs;

• Prevalência e tolerância ao abuso físico, emocional e sexual de crianças nas famílias cristãs e na sociedade em geral;

• Tolerância e promoção de divisão, abuso verbal e violência frequentemente expressa por cristãos em relação àqueles que são diferentes ou que têm opiniões divergentes;

• Mais investimento nas questões de guerra cultural do que no amor ao próximo, na garantia do bem-estar dos pobres, presos, enfermos e todos os que são marginalizados.


O que a igreja tem feito para garantir que os jovens estejam abertos a ouvir e a confiar na igreja?

O testemunho falado baseia-se em mais do que teologia sólida, estratégia evangelística e identificação do público-alvo correto. É a fusão completa de amar a Deus e amar o próximo com o testemunho personificado em vida, ação e sinais e que fundamenta palavras de proclamação que, de outra forma, podem cair em ouvidos céticos.

Escutem as crianças
Onde as crianças estão presentes de forma significativa no Movimento de Lausanne?

Apesar da infinidade de menções sobre gerações mais jovens nos grupos de discussão e nas respostas aos Encontros Virtuais de Escuta de Lausanne, a próxima geração foi colocada em um silo, separada das 24 Lacunas restantes, assim como é segregada na adoração e na programação das igrejas, eliminando efetivamente a voz e a importância dos jovens das discussões de outras lacunas.

Se realmente queremos ouvir e incluir os jovens, é hora de empregar medidas práticas visando essa realidade. Os jovens não são apenas o futuro da igreja; eles são a igreja hoje.

• As crianças e os jovens são nativos digitais; precisamos de suas ideias e participação para uma inovação eficaz.

• As crianças e os jovens são desproporcionalmente afetados por instabilidades políticas, deslocamento, racismo, etnicismo e mudanças climáticas (bem como por violência, guerra, instabilidade econômica, poluentes etc.). As decisões dos adultos impactam profundamente seu bem-estar — para o bem ou para o mal.

• O corpo da criança, por ser menor e estar em desenvolvimento, é afetado de forma desproporcional pela falta de acesso à nutrição adequada, educação, meios de subsistência e futuras oportunidades de emprego. Investir em seu desenvolvimento hoje permitirá que elas se tornem quem Deus as criou para ser e compartilhem seus dons com o mundo.


Muitos permanecem em extrema pobreza e enfrentam riscos de vida
Ao colocar ênfase numérica na classe média e nas populações envelhecidas, a igreja ignora os mandamentos de Jesus de cuidar dos “meus menores irmãos”, as mesmas crianças que são o modelo de Jesus para seu reino. O relatório Perspectivas da População Mundial da ONU, publicado em junho de 2024, indica que, embora talvez haja menos crianças em países mais ricos, prevê-se que o crescimento populacional mundial até 2050 ocorrerá nas regiões mais pobres (África subsariana, Sul da Ásia) com mais desafios. Por que estamos contrapondo os jovens aos idosos e à classe média? Um mundo adequado para as crianças é um mundo bom para todas as pessoas e para a sustentabilidade.

Os jovens são motivados por um evangelho integral
Segundo o Barna Group, 3/4 dos adolescentes dos EUA e metade dos adolescentes no restante do mundo querem saber mais sobre Jesus. Eles creem que a Bíblia os motiva a fazer a diferença, a cuidar dos necessitados, a posicionar-se contra o mal, e a promover a justiça e a equidade em nosso mundo. Os adultos são seus modelos vivos, e os mais jovens esperam que integremos e incorporemos completamente todo o evangelho, sem priorizar apenas algumas partes.

Lamentem, arrependam-se e procurem a “criança colocada entre eles”
Repetindo o Chamado à ação sobre crianças em situação de risco, de Quito, apelamos mais uma vez à igreja global, especialmente aos participantes do Lausanne 4, a lastimar as deficiências e a se arrepender pela forma como a igreja deixou de cumprir sua responsabilidade com as crianças; pelo sofrimento e exploração de crianças em situação de risco; por termos subestimado, em nossas iniciativas missionárias, as crianças como colaboradoras.

Lemos em João 6 que, diante do desafio de alimentar a multidão de 5 mil homens (além, claro, de mulheres e crianças!), Jesus pediu ideias aos seus discípulos e recebeu informações práticas sobre o custo. André, ao trazer um menino com cinco pães e dois peixes, expressou seu ceticismo sobre a utilidade de recursos tão insignificantes.

Jesus perguntou aos discípulos, mas já tinha em mente o que faria (v. 6). Para o espanto dos discípulos, ele aceitou a oferta de uma criança e alimentou uma multidão de milhares.

A integração explícita de crianças, adolescentes e jovens adultos em todas as lacunas faz jus às incontáveis vozes que enfatizaram nos Encontros Virtuais de Escuta de Lausanne a importância das gerações mais jovens. Podemos fazer planos, mas somente Deus conhece o futuro; qualquer influência que possamos ter nas próximas décadas será fruto do que for investido nos jovens. Que todos os que participaram do Lausanne 4 sigam o exemplo de Jesus e incluam a humilde “criança colocada entre eles” quando refletirem sobre a futura parceria na obra missionária de Deus.

Notas
1. As crianças em situação de risco são pessoas abaixo dos 18 anos que vivenciam um fator de risco intenso e/ou crônico, ou uma combinação de fatores de risco no âmbito pessoal, ambiental e/ou relacional que as impede de buscar o seu potencial concedido por Deus e cumpri-lo. https://lausanne.org/statement/children-at-risk-missional-definition
2. Bryant Myers, Walking with the Poor: Principles and Practices of Transformational Development. (Maryknoll, NY: Orbis Books, 2011).


  • Susan Greener, formou obreiros cristãos de mais de 70 países e é autora de trabalhos sobre crianças em situação de risco e tópicos de desenvolvimento humano global, incluindo a coedição de uma edição especial do periódico Transformation (Verão / 2016) sobre crianças em situação risco.

Artigo publicado originalmente no site Lausanne. Reproduzido com permissão


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Saiba mais:
» O Compromisso da Cidade do Cabo – Uma declaração de fé e uma chamado para agir, Movimento Lausanne
» A Criança, a Igreja e a Missão, Dan Brewster
» O que será desta criança? – Cuidado, esperança e vida plena, edição 392 de Ultimato

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