Opinião
- 17 de novembro de 2015
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O tsunami de lama e a ação da igreja
O maior desastre ambiental provocado pela indústria da mineração brasileira - pela Samarco, empresa controlada pela Vale e pela BHP Billiton - , não pode ser esquecido, nem minimizado. De acordo com a matéria do jornal Folha de S. Paulo, ecólogos, geofísicos e gestores ambientais afirmam que pode levar décadas, ou mesmo séculos, para que os prejuízos ambientais sejam revertidos. Os resíduos de mineração se transformarão num deserto de lama, que demorará dezenas de anos para secar. Ali, nada nasce, pois não tem matéria orgânica, e nada se constrói, pois é um material mole, que não oferece resistência.
O dia 5 novembro entra para a história como o dia em que ação irresponsável do homem sobre a criação matou a quinta maior bacia hidrográfica do Brasil e varreu do mapa o distrito de Bento Rodrigues. No total, 185 famílias perderam as casas ou tiveram o imóvel afetado pelo rompimento das barragens. As famílias foram levadas para hotéis e pousadas da região. Após o atendimento emergencial à população da região de Mariana, os esforços se voltaram para outros municípios que não foram poupados pela lama de rejeitos minerais.
A parte mais baixa do município de Barra Longa (localizado a 60 quilômetros de Mariana), por exemplo, parece ter sido atingida por um “tsunami”. Na verdade foi, mas não por um tsunami natural, causado por um terremoto. O que fez o Rio Carmo, que corta a cidade, subir cerca de cinco metros, destruir duas comunidades rurais e invadir a praça da cidade e quarenta casas foi a lama de minério de ferro das barragens, que chegou com bastante força e surpreendeu os moradores por voltas de 1 hora da madrugada do dia 6, nove horas após o rompimento da primeira barragem. Os moradores dizem não terem sido avisados.
É em Barra Longa que encontramos dezenas de jovens voluntários de vários estados, de igrejas e organizações cristãs diferentes, ajudando a população. Os primeiros voluntários a chegar a Barra Longa foram da Convenção Batista Mineira. Depois chegaram pessoas de diversas denominações e organizações como Jovens com uma Missão (Jocum) e Rede SOS Global. Em parceria com Secretaria de Assistência Social do Município e com a Igreja Católica, foi montada uma base no prédio paroquial, onde estão recebendo as doações e os demais voluntários que chegam todos os dias para ajudar.
Com botas, luvas e máscaras, para evitar muito contato com os dejetos, os voluntários ajudam a retirar a lama que invadiu as casas. A lama, na verdade, é um material denso e pesado, muito difícil de ser retirado apenas com enxadas e pás. Onde as máquinas e tratores não podem entrar, o trabalho braçal dos voluntários é única solução.
Embora muitos voluntários continuem ajudando a limpar as casas – só no último sábado (14) eram cerca de 300 –, este trabalho vai demorar semanas ou até meses para ser concluído. Mesmo assim, o pouco que os voluntários conseguem fazer já surpreende os moradores. A missionária Camila Carmo, que está em Barra Longa desde o dia 11, conta que um senhor chorou ao ver os voluntários chegarem para ajudar a retirar a lama de sua casa. “Quem são vocês? Por que estão vindo me ajudar se vocês nem me conhecem?”, questionava o morador, em lágrimas.
>> assista ao vídeo sobre o trabalho dos voluntários <<
É impossível ficar indiferente a essa tragédia socioambiental quando se tem noção do impacto causado pelos sessenta bilhões de litros de rejeitos de mineração de ferro – o equivalente a 24 mil piscinas olímpicas – que jorraram das barragens. Apesar do tsunami de lama que matou o Rio Doce e cimentou suas margens, destruiu o distrito de Bento Rodrigues, onde vivia cerca de 620 pessoas, deixando 11 mortos e 15 desaparecidos, veio uma “onda” de solidariedade de várias partes de Brasil. Felizmente, a igreja envolveu-se nesta onda de compaixão, demonstrando o evangelho de forma prática, através do serviço, e dizendo à população que é possível ter esperança em meio ao caos.
A igreja ali presente está aprendendo a estender a mão e a chorar com os que choram. E não poderia ser diferente, dada a gravidade do que aconteceu em Mariana e nas cidades atingidas pela lama da Samarco. A despeito do descrédito que muitos têm nutrido contra os evangélicos por causa do mau testemunho de alguns líderes religiosos midiáticos ou de posições incoerentes da bancada evangélica na Câmara, que envergonham o evangelho, a verdadeira face da igreja de Cristo emerge, no meio da lama.
No que diz respeito à demonstração de misericórdia, a igreja tem respondido de forma coerente com sua vocação. Contudo, há outros aspectos que permeiam a questão da tragédia em Mariana, para os quais a igreja precisa atentar, pois a missão da igreja inclui o cuidado da Terra.
Vinoth Ramachandra, Secretário para Diálogo e Engajamento Social da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE) para o Sul da Ásia, diz que temos um mandato de Deus para estudar e enriquecer a vida no planeta. “A criação existe não para servir a interesses humanos, mas para refletir a glória de Deus”, afirma Vinoth1. Portanto, os cristãos precisam se preocupar com a maneira que as empresas estão explorando os recursos naturais e quais os impactos para a própria criação e para a vida da geração atual e futura.
O Ministério Público abriu inquérito para apurar o que ocasionou o rompimento das barragens, mas as causas ainda não foram esclarecidas. Entre as hipóteses levantadas, a mais concreta delas é o descumprimento das condicionantes do licenciamento. A mineradora Samarco, responsável pelas barragens, firmou acordo com o Ministério Público Federal de R$ 1 billhão para reparar danos causados ao meio ambiente. A empresa também foi multada pelo IBAMA no valor de R$ 250 milhões e teve R$ 300 milhões bloqueados pela Justiça. A Samarco pode ter a licença de operação revogada.
A partir de agora, cabe à sociedade, incluindo a igreja, pressionar o Governo para que fiscalize e cobre das empresas do setor da mineração uma atuação responsável e sustentável na exploração dos recursos naturais. A Igreja precisa continuar se empenhando tanto em demonstrar o evangelho de forma prática, por meio do serviço, como para promover iniciativas que prezem pelo desenvolvimento da Terra, buscando conservar sua fertilidade. Nas palavras de Ramachandra: “criar riquezas de maneira que deixemos às futuras gerações um planeta que não tenha sido roubado de sua capacidade de geração e sustentação da vida”.
• Phelipe Marques Reis é jornalista e aluno do Centro Evangélico de Missões (CEM). Trabalha no Núcleo Web do Portal Ultimato. Junto com outros alunos do CEM, ele esteve em Barra Longa (MG) no último sábado (14) para auxiliar no trabalho voluntário de limpeza das casas.
Nota:
1. PESKETT, Howard; RAMACHANDRA, Vinoth. A Mensagem da Missão – A glória de Cristo em todo o tempo e espaço. São Paulo: ABU Editora, 2005.
Fotos: Dan Bianchin
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O dia 5 novembro entra para a história como o dia em que ação irresponsável do homem sobre a criação matou a quinta maior bacia hidrográfica do Brasil e varreu do mapa o distrito de Bento Rodrigues. No total, 185 famílias perderam as casas ou tiveram o imóvel afetado pelo rompimento das barragens. As famílias foram levadas para hotéis e pousadas da região. Após o atendimento emergencial à população da região de Mariana, os esforços se voltaram para outros municípios que não foram poupados pela lama de rejeitos minerais.
A parte mais baixa do município de Barra Longa (localizado a 60 quilômetros de Mariana), por exemplo, parece ter sido atingida por um “tsunami”. Na verdade foi, mas não por um tsunami natural, causado por um terremoto. O que fez o Rio Carmo, que corta a cidade, subir cerca de cinco metros, destruir duas comunidades rurais e invadir a praça da cidade e quarenta casas foi a lama de minério de ferro das barragens, que chegou com bastante força e surpreendeu os moradores por voltas de 1 hora da madrugada do dia 6, nove horas após o rompimento da primeira barragem. Os moradores dizem não terem sido avisados.
É em Barra Longa que encontramos dezenas de jovens voluntários de vários estados, de igrejas e organizações cristãs diferentes, ajudando a população. Os primeiros voluntários a chegar a Barra Longa foram da Convenção Batista Mineira. Depois chegaram pessoas de diversas denominações e organizações como Jovens com uma Missão (Jocum) e Rede SOS Global. Em parceria com Secretaria de Assistência Social do Município e com a Igreja Católica, foi montada uma base no prédio paroquial, onde estão recebendo as doações e os demais voluntários que chegam todos os dias para ajudar.
Com botas, luvas e máscaras, para evitar muito contato com os dejetos, os voluntários ajudam a retirar a lama que invadiu as casas. A lama, na verdade, é um material denso e pesado, muito difícil de ser retirado apenas com enxadas e pás. Onde as máquinas e tratores não podem entrar, o trabalho braçal dos voluntários é única solução.
Embora muitos voluntários continuem ajudando a limpar as casas – só no último sábado (14) eram cerca de 300 –, este trabalho vai demorar semanas ou até meses para ser concluído. Mesmo assim, o pouco que os voluntários conseguem fazer já surpreende os moradores. A missionária Camila Carmo, que está em Barra Longa desde o dia 11, conta que um senhor chorou ao ver os voluntários chegarem para ajudar a retirar a lama de sua casa. “Quem são vocês? Por que estão vindo me ajudar se vocês nem me conhecem?”, questionava o morador, em lágrimas.
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É impossível ficar indiferente a essa tragédia socioambiental quando se tem noção do impacto causado pelos sessenta bilhões de litros de rejeitos de mineração de ferro – o equivalente a 24 mil piscinas olímpicas – que jorraram das barragens. Apesar do tsunami de lama que matou o Rio Doce e cimentou suas margens, destruiu o distrito de Bento Rodrigues, onde vivia cerca de 620 pessoas, deixando 11 mortos e 15 desaparecidos, veio uma “onda” de solidariedade de várias partes de Brasil. Felizmente, a igreja envolveu-se nesta onda de compaixão, demonstrando o evangelho de forma prática, através do serviço, e dizendo à população que é possível ter esperança em meio ao caos.
A igreja ali presente está aprendendo a estender a mão e a chorar com os que choram. E não poderia ser diferente, dada a gravidade do que aconteceu em Mariana e nas cidades atingidas pela lama da Samarco. A despeito do descrédito que muitos têm nutrido contra os evangélicos por causa do mau testemunho de alguns líderes religiosos midiáticos ou de posições incoerentes da bancada evangélica na Câmara, que envergonham o evangelho, a verdadeira face da igreja de Cristo emerge, no meio da lama.
No que diz respeito à demonstração de misericórdia, a igreja tem respondido de forma coerente com sua vocação. Contudo, há outros aspectos que permeiam a questão da tragédia em Mariana, para os quais a igreja precisa atentar, pois a missão da igreja inclui o cuidado da Terra.
Vinoth Ramachandra, Secretário para Diálogo e Engajamento Social da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE) para o Sul da Ásia, diz que temos um mandato de Deus para estudar e enriquecer a vida no planeta. “A criação existe não para servir a interesses humanos, mas para refletir a glória de Deus”, afirma Vinoth1. Portanto, os cristãos precisam se preocupar com a maneira que as empresas estão explorando os recursos naturais e quais os impactos para a própria criação e para a vida da geração atual e futura.
O Ministério Público abriu inquérito para apurar o que ocasionou o rompimento das barragens, mas as causas ainda não foram esclarecidas. Entre as hipóteses levantadas, a mais concreta delas é o descumprimento das condicionantes do licenciamento. A mineradora Samarco, responsável pelas barragens, firmou acordo com o Ministério Público Federal de R$ 1 billhão para reparar danos causados ao meio ambiente. A empresa também foi multada pelo IBAMA no valor de R$ 250 milhões e teve R$ 300 milhões bloqueados pela Justiça. A Samarco pode ter a licença de operação revogada.
A partir de agora, cabe à sociedade, incluindo a igreja, pressionar o Governo para que fiscalize e cobre das empresas do setor da mineração uma atuação responsável e sustentável na exploração dos recursos naturais. A Igreja precisa continuar se empenhando tanto em demonstrar o evangelho de forma prática, por meio do serviço, como para promover iniciativas que prezem pelo desenvolvimento da Terra, buscando conservar sua fertilidade. Nas palavras de Ramachandra: “criar riquezas de maneira que deixemos às futuras gerações um planeta que não tenha sido roubado de sua capacidade de geração e sustentação da vida”.
• Phelipe Marques Reis é jornalista e aluno do Centro Evangélico de Missões (CEM). Trabalha no Núcleo Web do Portal Ultimato. Junto com outros alunos do CEM, ele esteve em Barra Longa (MG) no último sábado (14) para auxiliar no trabalho voluntário de limpeza das casas.
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1. PESKETT, Howard; RAMACHANDRA, Vinoth. A Mensagem da Missão – A glória de Cristo em todo o tempo e espaço. São Paulo: ABU Editora, 2005.
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