Opinião
- 18 de outubro de 2021
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O tesouro escondido de João Calvino
Perfis da Reforma Protestante
Por Lidice Meyer P. Ribeiro
Diz a Bíblia que quem acha uma esposa acha um tesouro (Pv 18.22), com valor acima de finas joias (Pv 31.10). Tesouros são guardados a sete chaves. A esposa de João Calvino foi tão bem guardada que muitos nem sabem de sua existência.
Calvino entrou para a história como o reformador mais taciturno, introvertido e de poucos amigos. Mas foram estes amigos que o incentivaram a se casar após os 30 anos. O estopim foi o pedido de demissão de sua governanta, cansada do mau humor de Calvino e de seu irmão Antoine. Foram muitos os encontros arranjados entre Calvino e moças de boa educação e posição social, mas este não se agradou de nenhuma.
Foi então que Martin Brucer lembrou-se de uma recém-viúva com um casal de filhos pequenos: “E a amável Idelette?” O esposo de Idelette, Jean Storder havia falecido da peste. Ambos eram anabatistas recém-convertidos ao calvinismo. Idelette se enquadrava perfeitamente no padrão estabelecido por Calvino e compartilhado a Farel: “virtuosa, obediente ao invés de arrogante, econômica, paciente e que eu possa contar que ela cuide de minha saúde”. E ainda mais, era bonita! Calvino passou a cortejá-la e dentro de um ano propôs-lhe casamento. Na cerimônia estiveram presentes diversos líderes do governo de Estocolmo, onde moraram por um ano antes de mudarem-se para Genebra. Levaram consigo Judith, filha de Idelette, e deixaram o menino sob o cuidado de parentes.
Idelette se tornou a companheira ideal para Calvino: cuidava dos afazeres domésticos possibilitando que Calvino se dedicasse aos estudos e às reuniões, encorajava-o nos momentos de tristeza e desânimo, orava junto com Calvino e o acompanhava nas caminhadas à Cologny e à Bellerive. Apesar do baixíssimo salário de Calvino (equivalente a mil reais anuais, doze medidas de milho e doze barris de vinho) Idelette nunca se negou a receber refugiados e os amigos Farel, Beza e Viret em sua casa. Quando Calvino estava doente era ela quem assumia a visitação aos enfermos orando com e por eles. Por tudo isso Calvino a chamou de “ajudante fiel em seu ministério e a melhor amiga em sua vida”. Certa vez, estando ausente de casa em um debate teológico em Regensburg afirmou: “Dia e noite a minha esposa está em meus pensamentos.” Os filhos que Idelette e Calvino tiveram não sobreviveram por muito tempo. Apesar das más línguas que atribuíam a morte das crianças à um castigo divino por terem se afastado do catolicismo, o casal se consolava dizendo que embora não tivessem filhos naturais tinham milhares de filhos espirituais.
Após nove anos de um casamento de muita cumplicidade Idelette adoeceu gravemente. Sua preocupação maior eram os filhos os quais confiou a Calvino: “Eu já os entreguei nas mãos do Senhor, mas eu bem sei que você não abandonará aqueles a quem eu tenho confiado ao Senhor”. Seu último pedido foi que Calvino orasse com ela, após o que descansou em 5 de abril de 1549. Calvino sofreu imensamente com sua perda e confidenciou aos amigos Farel e a Viret: “Eu perdi aquela que nunca me teria abandonado, fosse em exílio ou na miséria, ou na morte. Ela foi uma preciosa ajuda para mim. A melhor das companheiras foi tirada de mim.”
Anos após a morte de Idelette Calvino ainda sentia sua falta: “Eu sei por experiência própria, quão dolorosas e devastadoras são as feridas causadas pela morte de uma excelente esposa. Quão difícil tem sido para mim governar os meus sofrimentos” (carta a Valenville). Calvino cumpriu sua última promessa a Idelette e cuidou de Judith até seu casamento, esteve ao seu lado durante seu processo de divórcio e apoiou seu segundo matrimônio. Idelette de Boer e João Calvino: uma relação de amor e cumplicidade guardada dos olhares do mundo e revelada apenas aos amigos mais chegados.
>> Conheça o livro Sou Eu, Calvino, de Elben César
Leia mais:
» Para que não sejam esquecidas
» O legado desconhecido das reformadoras do século 16
Por Lidice Meyer P. Ribeiro
Diz a Bíblia que quem acha uma esposa acha um tesouro (Pv 18.22), com valor acima de finas joias (Pv 31.10). Tesouros são guardados a sete chaves. A esposa de João Calvino foi tão bem guardada que muitos nem sabem de sua existência.
Calvino entrou para a história como o reformador mais taciturno, introvertido e de poucos amigos. Mas foram estes amigos que o incentivaram a se casar após os 30 anos. O estopim foi o pedido de demissão de sua governanta, cansada do mau humor de Calvino e de seu irmão Antoine. Foram muitos os encontros arranjados entre Calvino e moças de boa educação e posição social, mas este não se agradou de nenhuma.
Foi então que Martin Brucer lembrou-se de uma recém-viúva com um casal de filhos pequenos: “E a amável Idelette?” O esposo de Idelette, Jean Storder havia falecido da peste. Ambos eram anabatistas recém-convertidos ao calvinismo. Idelette se enquadrava perfeitamente no padrão estabelecido por Calvino e compartilhado a Farel: “virtuosa, obediente ao invés de arrogante, econômica, paciente e que eu possa contar que ela cuide de minha saúde”. E ainda mais, era bonita! Calvino passou a cortejá-la e dentro de um ano propôs-lhe casamento. Na cerimônia estiveram presentes diversos líderes do governo de Estocolmo, onde moraram por um ano antes de mudarem-se para Genebra. Levaram consigo Judith, filha de Idelette, e deixaram o menino sob o cuidado de parentes.
Idelette se tornou a companheira ideal para Calvino: cuidava dos afazeres domésticos possibilitando que Calvino se dedicasse aos estudos e às reuniões, encorajava-o nos momentos de tristeza e desânimo, orava junto com Calvino e o acompanhava nas caminhadas à Cologny e à Bellerive. Apesar do baixíssimo salário de Calvino (equivalente a mil reais anuais, doze medidas de milho e doze barris de vinho) Idelette nunca se negou a receber refugiados e os amigos Farel, Beza e Viret em sua casa. Quando Calvino estava doente era ela quem assumia a visitação aos enfermos orando com e por eles. Por tudo isso Calvino a chamou de “ajudante fiel em seu ministério e a melhor amiga em sua vida”. Certa vez, estando ausente de casa em um debate teológico em Regensburg afirmou: “Dia e noite a minha esposa está em meus pensamentos.” Os filhos que Idelette e Calvino tiveram não sobreviveram por muito tempo. Apesar das más línguas que atribuíam a morte das crianças à um castigo divino por terem se afastado do catolicismo, o casal se consolava dizendo que embora não tivessem filhos naturais tinham milhares de filhos espirituais.
Após nove anos de um casamento de muita cumplicidade Idelette adoeceu gravemente. Sua preocupação maior eram os filhos os quais confiou a Calvino: “Eu já os entreguei nas mãos do Senhor, mas eu bem sei que você não abandonará aqueles a quem eu tenho confiado ao Senhor”. Seu último pedido foi que Calvino orasse com ela, após o que descansou em 5 de abril de 1549. Calvino sofreu imensamente com sua perda e confidenciou aos amigos Farel e a Viret: “Eu perdi aquela que nunca me teria abandonado, fosse em exílio ou na miséria, ou na morte. Ela foi uma preciosa ajuda para mim. A melhor das companheiras foi tirada de mim.”
Anos após a morte de Idelette Calvino ainda sentia sua falta: “Eu sei por experiência própria, quão dolorosas e devastadoras são as feridas causadas pela morte de uma excelente esposa. Quão difícil tem sido para mim governar os meus sofrimentos” (carta a Valenville). Calvino cumpriu sua última promessa a Idelette e cuidou de Judith até seu casamento, esteve ao seu lado durante seu processo de divórcio e apoiou seu segundo matrimônio. Idelette de Boer e João Calvino: uma relação de amor e cumplicidade guardada dos olhares do mundo e revelada apenas aos amigos mais chegados.
>> Conheça o livro Sou Eu, Calvino, de Elben César
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» Para que não sejam esquecidas
» O legado desconhecido das reformadoras do século 16
Lidice Meyer P. Ribeiro é doutora em Antropologia e professora na Universidade Lusófona, Portugal.
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