Opinião
- 31 de março de 2021
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O que uma italiana protestante, exilada na Alemanha na época da Reforma, pode nos ensinar sobre a pandemia?
Por Rute Salviano Almeida
Olympia Morata era uma menina prodígio, e foi reconhecida como a mulher mais culta da Europa ainda adolescente. À época, ela já sabia o latim e o grego e lia os clássicos sem dificuldade. O prazer dela estava em seus estudos e não se sentia atraída pelas tarefas femininas tradicionais. Ela afirmava que estava convencida de que Deus havia dado a raça humana as ciências e os estudos teológicos, que eram mais excelentes e estavam acima de quaisquer outras coisas, por isso considerava a roca e fuso (símbolos do papel feminino) como tarefas inúteis.
Porém, a menina que só gostava de ler os clássicos, a leitura do Antigo e do Novo Testamento só lhe inspiravam repugnância, e incorrera no erro de pensar que tudo acontecera por acaso, e de acreditar que não havia Deus que cuidava dos mortais, foi impactada com a mensagem viva do Evangelho e aquele Deus que considerava distante, tornou-se pessoal.
A fé concedeu à jovem erudita uma nova perspectiva de vida, novos pontos de vista sobre educação e casamento e direcionamento para lidar com sua autoimagem como mulher. Olympia descobriu que seus talentos lhe foram dados por Deus e enxergou seus estudos humanísticos como passos preliminares para as questões religiosas. Ela declarou:
“Foi grande a escuridão que envolveu o meu espírito, até que Deus a rasgou com sua graça e deixou iluminar sobre mim a luz de sua sabedoria divina. Eu pude experimentar em mim mesma como ele guia a história humana. Tu sabes o quanto eu estava abandonada e desamparada; aí ele me provou que ele é pai e senhor protetor dos órfãos. Acredite-me, nenhum amor paternal pode ser comparado à amabilidade e cuidado que Deus teve para comigo. Ah, somente então eu reconheci toda a minha tolice.”1
Ela conhecera a mensagem da Reforma, na corte de Ferrara onde vivia, através de Coelio Secundo Curioni, um reformador amigo de seu pai, fugitivo das perseguições aos protestantes, e pela influência da duquesa Renata, uma apoiadora dos reformadores.
Quando seu pai Fulvio estava moribundo, foi chamada para casa para cuidar dele e pôde constatar a beleza da fé cristã. Olympia ficou maravilhada com o seu belo testemunho cristão e sua paz na hora final, e de humanista tornou-se protestante.
Olimpia se casou com um médico alemão, Andreas Gruntler e estava feliz porque se casara com que amava, um homem comprometido com Cristo e com a reforma protestante. Contudo, o aumento da perseguição aos reformados os forçou a fugir de Ferrara.
O movimento da contrarreforma tornava-se cada vez mais forte na Itália e a Inquisição fazia pressão constante, sendo que as duas únicas opções naquele tempo eram a morte ou a fuga. O jovem casal escolheu a segunda, pois como alemão, Andreas poderia levar sua esposa de volta ao seu país.
Portanto, pouco tempo depois do casamento, eles fugiram da Inquisição Romana mudando-se para a Alemanha, para nunca mais voltar. Lá, eles moraram na cidade natal de Andreas, Schweifurt, na casa deixada como herança pelos pais dele, onde viveram em relativa paz por quatro anos, até que a cidade foi invadida.
O cerco foi longo e difícil, trazendo fome e uma pestilência violenta que, matou metade da população. O próprio Andreas ficou gravemente doente e quase não sobreviveu. Em meio a tudo isso Olympia, fugitiva, esfarrapada e enferma, desfrutava da paz do céu porque desenvolvera:
1 – Convicção de fé: Olympia sabia o que cria e em quem cria. Isso é fundamental para os dias de hoje quando, mais do que nunca, precisamos ter convicção de salvação e de vida eterna.
2 – Crença na capacitação divina e na alegria proveniente da realização de Sua vontade: Ela, uma erudita italiana impregnada de estudos clássicos, entendeu que seus talentos lhe foram dados por Deus para que cooperasse na divulgação da Reforma e no fortalecimento da fé de seus irmãos.
3 – Crença na onipotência de Deus diante do sofrimento: Ela vivenciou o conforto divino no meio do sofrimento e entendeu que Deus continua agindo nas fases difíceis, pois suas provas são acompanhadas de seu amor e misericórdia.
Não somente Olympia passou pela dura experiência da guerra, mas sofreu suas consequências físicas, infectada pela peste que atingiu as cidades devastadas. Ela se enfraquecia dia a dia e tinha febre e dores constantes. Mesmo assim, mantinha sua fé firme porque estava convicta de que Deus castiga ou trata seus filhos por amor, e o sofrimento a curto prazo seria compensado por um ganho muito maior.
Olympia faleceu aos 29 anos e sua resignação na enfermidade e proximidade da morte demonstraram a firmeza de sua convicção. Durante seus últimos meses, ela escreveu muitas cartas para seus amigos e familiares na Itália, incentivando-os a confiar na força de Deus.
Ela morreu jovem, mas completamente transformada: de uma jovem tímida, absorvida por seus estudos e desejo de agradar aos outros, a uma mulher forte no Senhor, que desenvolveu, através da rejeição, sofrimento, exílio, doença e todos os horrores da guerra, uma fé inabalável, uma profunda preocupação pelo próximo e um desejo irresistível pelo céu.
Nota
1 DALFERTH, Heloisa Gralow. Mulheres no movimento da Reforma, p. 117.
Nota
1 DALFERTH, Heloisa Gralow. Mulheres no movimento da Reforma, p. 117.
Fontes
GOOD, James I. (ed. Layse Anglada). Grandes mulheres da Reforma. Knox Publicações, 2009.
ULRICH, Claudete Beise; DALFERTH, Heloisa Gralow. Mulheres no movimento da Reforma. Editora Sinodal, 2017.
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Mestre em teologia e pós-graduada em história do cristianismo, é autora de Vozes Femininas nos Avivamentos (Ultimato), além de Vozes Femininas no Início do Cristianismo, Uma Voz Feminina Calada pela Inquisição, Uma Voz Feminina na Reforma e Vozes Femininas no Início do Protestantismo Brasileiro (Prêmio Areté 2015).
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