Opinião
- 03 de outubro de 2018
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O que o povo quer? A eleição para presidente em 2018
Por William Lane
A desculpa era que Samuel estava velho e seus filhos não seguiam o seu caminho, por isso, a nação precisava de um substituto digno da confiança deles. Mas eles (os anciãos) almejavam mais que isso. Queriam aproveitar a oportunidade para mudar o sistema de governo. Em vez de um juiz, sacerdote e profeta, queriam um rei como as demais nações (1Sm 8.4-5). Samuel ficou abalado e zangado com a rejeição. Deus estava tranquilo! Sabia que o problema não era com Samuel, mas com ele próprio, “para que eu não reine sobre eles” (8.7, A21). Eles queriam um general que lutasse as suas batalhas (8.20), não um profeta ou sacerdote que tinha de consultar Deus antes de saírem à batalha (4.1; 7.7-9). A verdade, conforme mostra os capítulos 4 a 7, é que os israelitas tinham se cansado de tentar entender e controlar a “arca da aliança do Senhor” – isto é, de se relacionar com o próprio Deus – e estavam muito temerosos de que mais uma ameaça dos filisteus os destruiria totalmente.
O Senhor fala para Samuel atender ao pedido do povo, porém, devia adverti-los sobre os direitos do rei. Para aparelhar o seu exército, manter o seu palácio, a infraestrutura do Estado, e os seus oficiais, o rei terá direito praticamente absoluto sobre pessoas e as propriedades. Os filhos servirão o exército, trabalharão nas lavouras, fabricarão armas (1Sm 8.11-12), e as filhas serão cozinheiras, perfumistas e padeiras. As terras serão confiscadas e entregues aos oficiais do rei (8.14-15). Além disso, ele cobrará imposto de dez por cento sobre toda produção para entregar “aos seus oficiais e aos seus servos” (8.15). Mesmo assim, o povo estava decidido: “Queremos um rei sobre nós” (8.19).
Como mostra a história subsequente do povo de Deus na Bíblia, o povo realmente passou a viver para sustentar o rei, os seus oficiais e toda a máquina do Estado. Para construir o templo e o seu palácio, Salomão chegou a contratar mão de obra estrangeira e mantê-la em trabalho forçado (1Rs 9.21; 11.28). Podemos argumentar que não fosse um governo centralizado, guerreiro e bem administrado, Israel com sua estrutura tribal não teria sobrevivido diante das ameaças de outros povos. Foram justamente os governos de Davi e Salomão que permitiram a sobrevivência da nação, mesmo assim, bastou Salomão morrer para o povo se dividir, e mais alguns séculos, para Israel e Judá serem engolidos pela Assíria (722 a.C.) e Babilônia (586 a.C.).
Somos gratos por vivermos num sistema republicano, embora alguns queiram reinstituir a monarquia no Brasil. Temos a sensação de segurança diante de um sistema democrático de três poderes independentes em que o governante nunca terá poder e direito absolutos sobre os cidadãos. Contudo, depois de observar a campanha eleitoral, vejo pelo menos cinco sinais de que não importa quem vença a eleição, temos dias difíceis pela frente.
1) O discurso absolutista e totalitário dos candidatos mais preferidos nas pesquisas de opinião. O absolutismo torna o presidente o único poder legítimo da nação, e o totalitarismo advoga ao Estado o direito de gerir e regular não só a vida pública do cidadão como também a sua vida particular e pessoal. Travestido de defesa da democracia e do Estado de direito, esse discurso deseja, sobretudo, aniquilar o outro e não reconhecer que uma das marcas saudáveis da democracia é justamente a alternância de poder. Pelo contrário, deseja se perpetuar no poder e tem a forte convicção que apenas a sua visão econômica, social e política é a correta para a nação.
2) A falência econômica do Estado. Analistas têm apontado que tirando a dívida pública, o déficit do governo, os compromissos constitucionais com previdência, educação e saúde, não há muitos recursos para investimento e melhorias. No nível federal, o próximo presidente e o Congresso não terão notícias muito boas para a população. Qualquer avanço exigirá, inevitavelmente, maior taxação sobre o trabalho do cidadão e abandono de direitos. Nossas ‘vinhas’ serão tomadas para sustentar o rei e os seus oficiais.
3) A promiscuidade econômica e financeira da classe política. Os candidatos em todos os níveis (federal e estadual, legislativo e executivo) prometem emprego, saúde, segurança, educação e tantas outras melhorias. Contudo, eles mesmos são o maior ônus e empecilho para que suas próprias promessas sejam cumpridas sem comprometer a economia. Certamente, conseguirão passar emendas orçamentárias para satisfazer seu eleitorado e garantir sua reeleição, porém, o modo promíscuo e irresponsável como lidam com o dinheiro público (do cidadão) é justamente o que torna a vida de todos (exceto a dele/a) mais penosa. Além disso, depois de eleitos, estarão mais interessados em defender seus interesses pessoais e corporativos do que os da nação.
4) A codependência do Estado e do cidadão. O cidadão precisa do Estado para lhe garantir educação, saúde, segurança e infraestrutura básica, além de demais direitos. O Estado precisa do dinheiro do trabalhador para prover tudo isso. Ainda que esta seja a natureza de um Estado moderno, essa codependência torna os concorrentes a cargos públicos uma espécie de despachantes dos direitos do cidadão. Por outro lado, o cidadão acredita que sem esses atravessadores dos seus direitos, a sua vida será uma miséria. No nível municipal, um vereador que não ajuda as pessoas com cesta básica, consultas médicas, material de construção, terreno e etc é visto pela população como político inútil. O político, por outro lado, não deseja, de fato, solucionar os problemas sociais e econômicos, de modo a tornar as pessoas independentes e autônomas, pois isso implica em perder o seu eleitorado. É a dependência das classes inferiores que potencializa a perpetuação do político no poder.
5) A polarização do povo. O modo como a sociedade está tão polarizada e dividida mostra que não estamos votando em quem desejamos, mas contra o outro candidato. É natural em qualquer processo democrático que pessoas defendam apaixonadamente suas ideias e convicções, porém, achar que uma sociedade se constrói sem o ‘outro’ e desejar o aniquilamento da voz contraditória é sinal de imaturidade. Meu desejo que esse momento político da nação seja a fase adolescente da nossa democracia e que possamos prosseguir para a maturidade cidadã.
Alguns pensam que diante disso a solução é mudar o sistema. Mas isso é uma ingenuidade. Os melhores sistemas nas mãos de pessoas que os desrespeitam e buscam os seus interesses pessoais estão fadados à inutilidade.
Os livros de Samuel e Reis têm uma boa notícia e uma má notícia. A má notícia é que o reinado foi, de fato, um desastre para a nação. A boa notícia é que Deus não abdicou do trono para o novo rei. Na perspectiva de Deus, ainda que o povo aclamasse um rei (1Sm 10.19, 24; 11.15; 12.1-2, 13), Deus ungia um príncipe (1Sm 9.16; 10.1; 13.14; 2Sm 7.8; 1Rs 1.35).
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Leia mais
» Como construir um país mais justo
A desculpa era que Samuel estava velho e seus filhos não seguiam o seu caminho, por isso, a nação precisava de um substituto digno da confiança deles. Mas eles (os anciãos) almejavam mais que isso. Queriam aproveitar a oportunidade para mudar o sistema de governo. Em vez de um juiz, sacerdote e profeta, queriam um rei como as demais nações (1Sm 8.4-5). Samuel ficou abalado e zangado com a rejeição. Deus estava tranquilo! Sabia que o problema não era com Samuel, mas com ele próprio, “para que eu não reine sobre eles” (8.7, A21). Eles queriam um general que lutasse as suas batalhas (8.20), não um profeta ou sacerdote que tinha de consultar Deus antes de saírem à batalha (4.1; 7.7-9). A verdade, conforme mostra os capítulos 4 a 7, é que os israelitas tinham se cansado de tentar entender e controlar a “arca da aliança do Senhor” – isto é, de se relacionar com o próprio Deus – e estavam muito temerosos de que mais uma ameaça dos filisteus os destruiria totalmente.
O Senhor fala para Samuel atender ao pedido do povo, porém, devia adverti-los sobre os direitos do rei. Para aparelhar o seu exército, manter o seu palácio, a infraestrutura do Estado, e os seus oficiais, o rei terá direito praticamente absoluto sobre pessoas e as propriedades. Os filhos servirão o exército, trabalharão nas lavouras, fabricarão armas (1Sm 8.11-12), e as filhas serão cozinheiras, perfumistas e padeiras. As terras serão confiscadas e entregues aos oficiais do rei (8.14-15). Além disso, ele cobrará imposto de dez por cento sobre toda produção para entregar “aos seus oficiais e aos seus servos” (8.15). Mesmo assim, o povo estava decidido: “Queremos um rei sobre nós” (8.19).
Como mostra a história subsequente do povo de Deus na Bíblia, o povo realmente passou a viver para sustentar o rei, os seus oficiais e toda a máquina do Estado. Para construir o templo e o seu palácio, Salomão chegou a contratar mão de obra estrangeira e mantê-la em trabalho forçado (1Rs 9.21; 11.28). Podemos argumentar que não fosse um governo centralizado, guerreiro e bem administrado, Israel com sua estrutura tribal não teria sobrevivido diante das ameaças de outros povos. Foram justamente os governos de Davi e Salomão que permitiram a sobrevivência da nação, mesmo assim, bastou Salomão morrer para o povo se dividir, e mais alguns séculos, para Israel e Judá serem engolidos pela Assíria (722 a.C.) e Babilônia (586 a.C.).
Somos gratos por vivermos num sistema republicano, embora alguns queiram reinstituir a monarquia no Brasil. Temos a sensação de segurança diante de um sistema democrático de três poderes independentes em que o governante nunca terá poder e direito absolutos sobre os cidadãos. Contudo, depois de observar a campanha eleitoral, vejo pelo menos cinco sinais de que não importa quem vença a eleição, temos dias difíceis pela frente.
1) O discurso absolutista e totalitário dos candidatos mais preferidos nas pesquisas de opinião. O absolutismo torna o presidente o único poder legítimo da nação, e o totalitarismo advoga ao Estado o direito de gerir e regular não só a vida pública do cidadão como também a sua vida particular e pessoal. Travestido de defesa da democracia e do Estado de direito, esse discurso deseja, sobretudo, aniquilar o outro e não reconhecer que uma das marcas saudáveis da democracia é justamente a alternância de poder. Pelo contrário, deseja se perpetuar no poder e tem a forte convicção que apenas a sua visão econômica, social e política é a correta para a nação.
2) A falência econômica do Estado. Analistas têm apontado que tirando a dívida pública, o déficit do governo, os compromissos constitucionais com previdência, educação e saúde, não há muitos recursos para investimento e melhorias. No nível federal, o próximo presidente e o Congresso não terão notícias muito boas para a população. Qualquer avanço exigirá, inevitavelmente, maior taxação sobre o trabalho do cidadão e abandono de direitos. Nossas ‘vinhas’ serão tomadas para sustentar o rei e os seus oficiais.
3) A promiscuidade econômica e financeira da classe política. Os candidatos em todos os níveis (federal e estadual, legislativo e executivo) prometem emprego, saúde, segurança, educação e tantas outras melhorias. Contudo, eles mesmos são o maior ônus e empecilho para que suas próprias promessas sejam cumpridas sem comprometer a economia. Certamente, conseguirão passar emendas orçamentárias para satisfazer seu eleitorado e garantir sua reeleição, porém, o modo promíscuo e irresponsável como lidam com o dinheiro público (do cidadão) é justamente o que torna a vida de todos (exceto a dele/a) mais penosa. Além disso, depois de eleitos, estarão mais interessados em defender seus interesses pessoais e corporativos do que os da nação.
4) A codependência do Estado e do cidadão. O cidadão precisa do Estado para lhe garantir educação, saúde, segurança e infraestrutura básica, além de demais direitos. O Estado precisa do dinheiro do trabalhador para prover tudo isso. Ainda que esta seja a natureza de um Estado moderno, essa codependência torna os concorrentes a cargos públicos uma espécie de despachantes dos direitos do cidadão. Por outro lado, o cidadão acredita que sem esses atravessadores dos seus direitos, a sua vida será uma miséria. No nível municipal, um vereador que não ajuda as pessoas com cesta básica, consultas médicas, material de construção, terreno e etc é visto pela população como político inútil. O político, por outro lado, não deseja, de fato, solucionar os problemas sociais e econômicos, de modo a tornar as pessoas independentes e autônomas, pois isso implica em perder o seu eleitorado. É a dependência das classes inferiores que potencializa a perpetuação do político no poder.
5) A polarização do povo. O modo como a sociedade está tão polarizada e dividida mostra que não estamos votando em quem desejamos, mas contra o outro candidato. É natural em qualquer processo democrático que pessoas defendam apaixonadamente suas ideias e convicções, porém, achar que uma sociedade se constrói sem o ‘outro’ e desejar o aniquilamento da voz contraditória é sinal de imaturidade. Meu desejo que esse momento político da nação seja a fase adolescente da nossa democracia e que possamos prosseguir para a maturidade cidadã.
Alguns pensam que diante disso a solução é mudar o sistema. Mas isso é uma ingenuidade. Os melhores sistemas nas mãos de pessoas que os desrespeitam e buscam os seus interesses pessoais estão fadados à inutilidade.
Os livros de Samuel e Reis têm uma boa notícia e uma má notícia. A má notícia é que o reinado foi, de fato, um desastre para a nação. A boa notícia é que Deus não abdicou do trono para o novo rei. Na perspectiva de Deus, ainda que o povo aclamasse um rei (1Sm 10.19, 24; 11.15; 12.1-2, 13), Deus ungia um príncipe (1Sm 9.16; 10.1; 13.14; 2Sm 7.8; 1Rs 1.35).
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Pastor presbiteriano e doutor em Antigo Testamento, é professor e capelão no Seminário Presbiteriano do Sul, e tradutor de obras teológicas. É autor do livro O propósito bíblico da missão.
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Ricardo Barbosa