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- 23 de dezembro de 2009
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O princípio da luz
No princípio, era o Verbo, que irradiava existência sobre a face do abismo. Bastava uma ordem criadora e ordenadora do Espírito de Deus, que pairava sobre as águas — Haja! —, para que o que antes fora trevas, terror e morte se recompusesse em luz, ordem e vida.
E esse Verbo que estava no princípio era Deus e era também a alegria dos homens. Sim, as almas humanas também se tornaram sem forma e vazias, e houve trevas sobre elas em algum momento. Ao ponto de se imobilizarem em dores, cólicas, luto e desorientação, e de se lamentarem: “Deste-nos a comer pão de lágrimas” (Sl 80.5).
Entretanto, também sobre essas águas profundas pairava o Espírito de Deus. E com ele, a possibilidade de uma ação restauradora.
No primeiro princípio, ele não pediu licença. Atuou sobre o caos e lhe deu ordem. E a criação retomou seu curso, até à perfeição e ao descanso do sétimo dia. Já no segundo princípio, ele veio para o que era seu, mas agora precisava ser recebido. O “haja!” de Deus esperava convite para reorganizar as vidas em trevas.
Quando mortes, prejuízos, doenças, desemprego, acidentes, incêndios, separações e outras perdas se sucedem como enxurradas de tsunamis, não nos dão tempo de recuperação. Ficamos confusos e perdidos, como se nossa organização, nossa normalidade, tivessem sido roubadas como na experiência de Maria Madalena (Jo 20.13), que chega a dizer: “Roubaram o meu Senhor e não sei onde o puseram”.
Sentimo-nos defraudados. Não sabemos como reagir aos fatos ou como ordenar nossos sentimentos. Não conseguimos “juntar os cacos” rapidamente. Não é difícil prever que Deus será incluído em nossa perplexidade e frustração com questionamentos que, em muito, extrapolarão nossa capacidade de compreender as respostas. Mesmo que Deus nos explicasse, não compreenderíamos.
Mais que a alma enlutada, ou em agonia, nossa vida sai do seu eixo. As atividades cotidianas já não são executadas com a mesma facilidade; o sol já não brilha com a mesma intensidade; as noites se tornam espessamente escuras; sentimo-nos estrangeiros em nossa própria cidade, em nosso local de trabalho. Amigos e parentes nos parecem falar por trás de uma parede de vidro. Seu abraço é tristemente mais forte. E não nos importamos. Compreendemos e retribuímos, como se também quiséssemos dizer o que não é dito. Sentimo-nos “atropelados” pela solidão; o que se passa dentro de nós é incomunicável. Nem mesmo um grito de socorro encontra palavras, pois esse clamor se expressa por silêncios. Fecha-se em copas, em resignação, como que a dizer: o que tinha de ser, já foi.
Na realidade, nossa alma não encontra palavras para dizer, apropriadamente, que “a vida se tornou sem forma e vazia; que houve trevas sobre a face do abismo”.
Em momentos assim, importa trazer à lembrança que “a luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela” (Jo 1.5). Se perda, morte e trevas bateram à nossa porta, vale lembrar que a vida ainda está no Verbo, e a vida é a luz dos homens. Das profundezas das águas Deus ainda pode ser convidado a vir e proferir o seu “haja luz!”.
Todos sabemos o resultado da primeira visitação do Verbo: “... e houve luz; e viu Deus que a luz era boa”. Depois de ter chamado a luz de “dia” e as trevas de “noite”, Deus permitiu que a natureza seguisse seu curso: anoiteceu e clareou novamente. Raiava o primeiro dia.
O resultado da segunda visitação há de ser parecido: nossas almas sendo curadas pelo “princípio da luz”, o Verbo, a Palavra de Deus; e nossas vidas se reorganizando por nossas próprias palavras, a verbalizar humilde adoração diante do menino envolto em panos, com ação de graças. Estaremos vivendo, após tenebrosa noite, o raiar de um novo dia. A alegria que vem pela manhã.
• Rubem Amorese é consultor legislativo no Senado Federal e presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. É autor de, entre outros, Louvor, Adoração e Liturgia e Fábrica de Missionários -- nem leigos, nem santos.
ruben@amorese.com.br
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E esse Verbo que estava no princípio era Deus e era também a alegria dos homens. Sim, as almas humanas também se tornaram sem forma e vazias, e houve trevas sobre elas em algum momento. Ao ponto de se imobilizarem em dores, cólicas, luto e desorientação, e de se lamentarem: “Deste-nos a comer pão de lágrimas” (Sl 80.5).
Entretanto, também sobre essas águas profundas pairava o Espírito de Deus. E com ele, a possibilidade de uma ação restauradora.
No primeiro princípio, ele não pediu licença. Atuou sobre o caos e lhe deu ordem. E a criação retomou seu curso, até à perfeição e ao descanso do sétimo dia. Já no segundo princípio, ele veio para o que era seu, mas agora precisava ser recebido. O “haja!” de Deus esperava convite para reorganizar as vidas em trevas.
Quando mortes, prejuízos, doenças, desemprego, acidentes, incêndios, separações e outras perdas se sucedem como enxurradas de tsunamis, não nos dão tempo de recuperação. Ficamos confusos e perdidos, como se nossa organização, nossa normalidade, tivessem sido roubadas como na experiência de Maria Madalena (Jo 20.13), que chega a dizer: “Roubaram o meu Senhor e não sei onde o puseram”.
Sentimo-nos defraudados. Não sabemos como reagir aos fatos ou como ordenar nossos sentimentos. Não conseguimos “juntar os cacos” rapidamente. Não é difícil prever que Deus será incluído em nossa perplexidade e frustração com questionamentos que, em muito, extrapolarão nossa capacidade de compreender as respostas. Mesmo que Deus nos explicasse, não compreenderíamos.
Mais que a alma enlutada, ou em agonia, nossa vida sai do seu eixo. As atividades cotidianas já não são executadas com a mesma facilidade; o sol já não brilha com a mesma intensidade; as noites se tornam espessamente escuras; sentimo-nos estrangeiros em nossa própria cidade, em nosso local de trabalho. Amigos e parentes nos parecem falar por trás de uma parede de vidro. Seu abraço é tristemente mais forte. E não nos importamos. Compreendemos e retribuímos, como se também quiséssemos dizer o que não é dito. Sentimo-nos “atropelados” pela solidão; o que se passa dentro de nós é incomunicável. Nem mesmo um grito de socorro encontra palavras, pois esse clamor se expressa por silêncios. Fecha-se em copas, em resignação, como que a dizer: o que tinha de ser, já foi.
Na realidade, nossa alma não encontra palavras para dizer, apropriadamente, que “a vida se tornou sem forma e vazia; que houve trevas sobre a face do abismo”.
Em momentos assim, importa trazer à lembrança que “a luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela” (Jo 1.5). Se perda, morte e trevas bateram à nossa porta, vale lembrar que a vida ainda está no Verbo, e a vida é a luz dos homens. Das profundezas das águas Deus ainda pode ser convidado a vir e proferir o seu “haja luz!”.
Todos sabemos o resultado da primeira visitação do Verbo: “... e houve luz; e viu Deus que a luz era boa”. Depois de ter chamado a luz de “dia” e as trevas de “noite”, Deus permitiu que a natureza seguisse seu curso: anoiteceu e clareou novamente. Raiava o primeiro dia.
O resultado da segunda visitação há de ser parecido: nossas almas sendo curadas pelo “princípio da luz”, o Verbo, a Palavra de Deus; e nossas vidas se reorganizando por nossas próprias palavras, a verbalizar humilde adoração diante do menino envolto em panos, com ação de graças. Estaremos vivendo, após tenebrosa noite, o raiar de um novo dia. A alegria que vem pela manhã.
• Rubem Amorese é consultor legislativo no Senado Federal e presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. É autor de, entre outros, Louvor, Adoração e Liturgia e Fábrica de Missionários -- nem leigos, nem santos.
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