Opinião
- 04 de junho de 2014
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O Pentecostes de órfãos e viúvas
“Esses homens, que têm causado alvoroço por todo o mundo, agora chegaram aqui, [...] todos eles estão agindo contra os decretos do imperador, dizendo que existe um outro rei,chamado Jesus”. Atos 17.6-7
É indispensável o complemento (João 14.18-19): “não vos deixo orfãos”, [“orfanus”: des-validos, des-protegidos, des-amparados]). O Reino se destina aos órfãos, acolhe os despojados, despoderados, sem-casa, sem-teto, sem-cidadania, sem-dignidade, sem-justiça, sem-tudo. Em primeiro lugar os que estão sob risco de sobrevivência. Os que padecem de fome e sede; os que estão nus, desprotegidos dos perigos da economia e política de privilégios, vulneráveis ao mal permanente; os que estão encarcerados nas prisões dos pensamentos autoritários e da opressão de consciência. O Reino se destina aos despoderados e oprimidos, também, os que veem libertação para prisioneiros do fatalismo histórico, do Mal permanente que se acredita irreversível, sempre presente na fraqueza da fé sem esperança. O Espírito é esperança de salvação.
Cada vez mais enfrentamos este ou aquele grupo que se diz “pentecostal”, ou irmãos que se declaram, agressivamente até, "carismáticos", porém, ignorando o sentido bíblico do “Pentecostes”. Perdemos o verdadeiro Espírito da Igreja quando nos entregamos ao comum carismático, ou mundo mercadológico da fé pentecostal, que parece ignorar o reino de Deus (justiça, dignidade humana), que precede a tudo. Sejam exorcismos duvidosos (prestidigitação, magia), às curas, prosperidade, “propósitos”; pentecostalismo como respostas à vida consagrada, avivada, e respostas materiais como bem-aventuranças. Assumimos o “pentecostalismo religioso” (ênfase pagã? o “deus ex machina” do pentecostalismo não-cristão antecede sua história através dos mitos da Grécia Antiga); o pentecostalismo transforma-se numa religião “possuída” por muitos símbolos materiais imediatos, pragmáticos, mercadológicos.
Atos dos Apóstolos apresenta outra visão sobre a manifestação histórica, aumentando nossa confiança: quando o nome de Jesus Cristo é invocado, ele passa a agir como força mediadora da Graça de Deus (2.1-13; 17.6-7). Ao mesmo tempo, dele emana o Espírito de Deus que se apossa dos discípulos, para que o evangelho da Graça seja pregado. É o reino de Deus que se instala; só depois vem a Igreja1. Assim é a teologia de Lucas, no evangelho e no livro de Atos.
Religiosidade, comunhão eclesiástica, ministérios ordenados, instituições doutrinais, não podem sufocar o suspiro dos oprimidos2, no Espírito: “...também nós que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, no aguardo da redenção do nosso ‘corpo’; (...) o mesmo Espírito intercede por nós em gemidos inexprimíveis” (Rm 8.2-3a; 26b), para libertar-nos. A massa de oprimidos poderia buscar uma aproximação com o Pentecostes subversivo, neotestamentário, pois a preferência ao reino de Deus está nos pobres e despoderados, órfãos deste mundo3 que experimenta o “pentecostes”.
“O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele consagrou-me para anunciar a Boa Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação dos presos aos sistemas de pensar e, aos que vivem em cegueira, a recuperação da visão clara das coisas; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano jubilar de remissão por Graça do Senhor" (Lc 4.18/ rf. Is 61.1). Assim, Jesus inicia seu ministério numa sinagoga da Galiléia. A interrupção brusca, no martírio e na morte, também testemunhados por Lucas, não impedirá a Ressurreição do Cristo de Deus, e com ela as aparições pascais. O próprio Jesus se manifesta como o Cristo vivo, ele e sua causa prosseguem na história dos homens.
Como podemos explicar este esquecimento do Espírito em nossa experiência cristã, nas igrejas históricas? Richard Shaull, precursor e introdutor da Teologia da Libertação na América Latina, despedindo-se de nós, alertando as Igrejas Históricas, escrevia:
“O testemunho de muitos (autênticos) pentecostais pobres e marginalizados tomou um novo sentido para mim, enquanto combatia o câncer que me tomara. Com frequência tenho observado – com perplexidade – como mulheres e homens enfermos, ou vivendo em extrema pobreza, têm pleiteado com Deus a restauração de sua saúde ou a garantia do bem-estar econômico e social. Porém, continuam pobres e doentes. E, mesmo nesta situação, cantam hinos alegremente, em louvor a Deus, pelo que Ele lhes tem dado. Em seu meio, no passado, também reconheci que sabiam que suas vidas haviam sido transformadas, mas não alcancei o que isso significava, naquele momento.
Agora, tenho a compreensão. Entendo porque o pobre, o marginalizado, o enfermo, o povo arruinado, pode levar-nos a um mais profundo conhecimento de Deus e à rica experiência de uma vida abundante. [...] A chave para se compreender tudo isso, que esboçamos como a luta angustiante para sustentar a fé e a confiança em Deus, em meio de tremenda violência e destruição, foi apresentada no final do livro do profeta Habacuque: ‘o justo viverá pela fé’!”.
Como “consolar” os órfãos da utopia do Cristo de Deus quando a Igreja se apresenta como quem tomou posse do Espírito, senão com a garantia da solidariedade de Deus? Como garantir um final feliz no drama da salvação, ideais transformadores, revolucionários, a justiça de Deus, a vida eterna, sem fim, a morada com Deus, a pátria celestial, cidadania dos céus, no sentido bíblico? “Pedirei ao Pai que vos envie ‘outro parakletos’, companheiro e ajudador, a fim de que esteja ‘sempre’ convosco”; “o Ajudador, o Espírito Santo, (...) esse vos ensinará todas as coisas e ‘vos fará lembrar’ de tudo que eu vos tenho dito” (cf.: Jo 14.16). No grego, o termo “parakletos” oferece extensas possibilidades: defensor, advogado, companheiro, protetor e ajudador. Jesus chama-o também de Espírito da Verdade, referindo-se à divina revelação do Espírito de Deus aos órfãos e viúvas. Estes, certamente, esperam impacientes o seu Pentecostes redentor.
Notas:
1. Goppelt
2. Rubem Alves
3. Gr. adj.: “orfanos”
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O Espírito Santo em movimento
Em Busca da Espiritualidade
Ouça o Espírito, ouça o mundo
É indispensável o complemento (João 14.18-19): “não vos deixo orfãos”, [“orfanus”: des-validos, des-protegidos, des-amparados]). O Reino se destina aos órfãos, acolhe os despojados, despoderados, sem-casa, sem-teto, sem-cidadania, sem-dignidade, sem-justiça, sem-tudo. Em primeiro lugar os que estão sob risco de sobrevivência. Os que padecem de fome e sede; os que estão nus, desprotegidos dos perigos da economia e política de privilégios, vulneráveis ao mal permanente; os que estão encarcerados nas prisões dos pensamentos autoritários e da opressão de consciência. O Reino se destina aos despoderados e oprimidos, também, os que veem libertação para prisioneiros do fatalismo histórico, do Mal permanente que se acredita irreversível, sempre presente na fraqueza da fé sem esperança. O Espírito é esperança de salvação.
Cada vez mais enfrentamos este ou aquele grupo que se diz “pentecostal”, ou irmãos que se declaram, agressivamente até, "carismáticos", porém, ignorando o sentido bíblico do “Pentecostes”. Perdemos o verdadeiro Espírito da Igreja quando nos entregamos ao comum carismático, ou mundo mercadológico da fé pentecostal, que parece ignorar o reino de Deus (justiça, dignidade humana), que precede a tudo. Sejam exorcismos duvidosos (prestidigitação, magia), às curas, prosperidade, “propósitos”; pentecostalismo como respostas à vida consagrada, avivada, e respostas materiais como bem-aventuranças. Assumimos o “pentecostalismo religioso” (ênfase pagã? o “deus ex machina” do pentecostalismo não-cristão antecede sua história através dos mitos da Grécia Antiga); o pentecostalismo transforma-se numa religião “possuída” por muitos símbolos materiais imediatos, pragmáticos, mercadológicos.
Atos dos Apóstolos apresenta outra visão sobre a manifestação histórica, aumentando nossa confiança: quando o nome de Jesus Cristo é invocado, ele passa a agir como força mediadora da Graça de Deus (2.1-13; 17.6-7). Ao mesmo tempo, dele emana o Espírito de Deus que se apossa dos discípulos, para que o evangelho da Graça seja pregado. É o reino de Deus que se instala; só depois vem a Igreja1. Assim é a teologia de Lucas, no evangelho e no livro de Atos.
Religiosidade, comunhão eclesiástica, ministérios ordenados, instituições doutrinais, não podem sufocar o suspiro dos oprimidos2, no Espírito: “...também nós que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, no aguardo da redenção do nosso ‘corpo’; (...) o mesmo Espírito intercede por nós em gemidos inexprimíveis” (Rm 8.2-3a; 26b), para libertar-nos. A massa de oprimidos poderia buscar uma aproximação com o Pentecostes subversivo, neotestamentário, pois a preferência ao reino de Deus está nos pobres e despoderados, órfãos deste mundo3 que experimenta o “pentecostes”.
“O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele consagrou-me para anunciar a Boa Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação dos presos aos sistemas de pensar e, aos que vivem em cegueira, a recuperação da visão clara das coisas; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano jubilar de remissão por Graça do Senhor" (Lc 4.18/ rf. Is 61.1). Assim, Jesus inicia seu ministério numa sinagoga da Galiléia. A interrupção brusca, no martírio e na morte, também testemunhados por Lucas, não impedirá a Ressurreição do Cristo de Deus, e com ela as aparições pascais. O próprio Jesus se manifesta como o Cristo vivo, ele e sua causa prosseguem na história dos homens.
Como podemos explicar este esquecimento do Espírito em nossa experiência cristã, nas igrejas históricas? Richard Shaull, precursor e introdutor da Teologia da Libertação na América Latina, despedindo-se de nós, alertando as Igrejas Históricas, escrevia:
“O testemunho de muitos (autênticos) pentecostais pobres e marginalizados tomou um novo sentido para mim, enquanto combatia o câncer que me tomara. Com frequência tenho observado – com perplexidade – como mulheres e homens enfermos, ou vivendo em extrema pobreza, têm pleiteado com Deus a restauração de sua saúde ou a garantia do bem-estar econômico e social. Porém, continuam pobres e doentes. E, mesmo nesta situação, cantam hinos alegremente, em louvor a Deus, pelo que Ele lhes tem dado. Em seu meio, no passado, também reconheci que sabiam que suas vidas haviam sido transformadas, mas não alcancei o que isso significava, naquele momento.
Agora, tenho a compreensão. Entendo porque o pobre, o marginalizado, o enfermo, o povo arruinado, pode levar-nos a um mais profundo conhecimento de Deus e à rica experiência de uma vida abundante. [...] A chave para se compreender tudo isso, que esboçamos como a luta angustiante para sustentar a fé e a confiança em Deus, em meio de tremenda violência e destruição, foi apresentada no final do livro do profeta Habacuque: ‘o justo viverá pela fé’!”.
Como “consolar” os órfãos da utopia do Cristo de Deus quando a Igreja se apresenta como quem tomou posse do Espírito, senão com a garantia da solidariedade de Deus? Como garantir um final feliz no drama da salvação, ideais transformadores, revolucionários, a justiça de Deus, a vida eterna, sem fim, a morada com Deus, a pátria celestial, cidadania dos céus, no sentido bíblico? “Pedirei ao Pai que vos envie ‘outro parakletos’, companheiro e ajudador, a fim de que esteja ‘sempre’ convosco”; “o Ajudador, o Espírito Santo, (...) esse vos ensinará todas as coisas e ‘vos fará lembrar’ de tudo que eu vos tenho dito” (cf.: Jo 14.16). No grego, o termo “parakletos” oferece extensas possibilidades: defensor, advogado, companheiro, protetor e ajudador. Jesus chama-o também de Espírito da Verdade, referindo-se à divina revelação do Espírito de Deus aos órfãos e viúvas. Estes, certamente, esperam impacientes o seu Pentecostes redentor.
Notas:
1. Goppelt
2. Rubem Alves
3. Gr. adj.: “orfanos”
Leia também
O Espírito Santo em movimento
Em Busca da Espiritualidade
Ouça o Espírito, ouça o mundo
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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