Opinião
- 09 de outubro de 2009
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O pensar reflete no agir
Robinson Cavalcanti
Não é novidade a afirmativa que nós agimos como pensamos; que o pensar se reflete no agir. No campo religioso as ações individuais e sociais dos fiéis são, em muito, um reflexo da teologia por eles adotada, seja consciente ou não, sistematizada ou não. É a velha história que a melhor práxis é uma boa teologia.
Os pioneiros do protestantismo histórico no Brasil (a partir de 1855) possuíam uma missiologia de presença e influência, com uma ideologia de que eram portadores de uma fé superior, da democracia e do progresso. Esse pensar era vinculado a sua opção no campo da escatologia: o pós-milenismo, que tende a um otimismo histórico, e o amilenismo, que tende ao realismo.
Apenas com a chegada do pentecostalismo, da vertente “branca” do primeiro “racha” dos filhos da experiência da Rua Azuza (a partir de 1909) é que passamos a conhecer uma vertente protestante isolacionista. E aí entra a velha teoria: eles eram seguidores de uma escatologia pré-milenista e pré-tribulacionista, marcada pelo pessimismo histórico.
Mesmo com os pentecostais os ultrapassando numericamente, os históricos mantiveram a sua hegemonia no conjunto do protestantismo brasileiro até o Golpe Militar de 1964, quando além de uma compulsória “amnésia” histórica, fruto da repressão, o pré-milenismo pré-tribulacionista e o dispensacionalismo – via fundamentalismo – chegaram, também, às igrejas históricas de missão.
Sem história, sem uma teologia articulada para a ação e sem uma ética social, não adianta crescer numericamente, que não vamos ver nenhum impacto do cristianismo reformado, mas isolacionismo, dicotomia, ou o que é pior, cooptação. E o Secularismo agradece...
Tenho em minhas mãos uma das mais recentes publicações da Editora Ultimato, o livro Fé Cristã e Cultura Contemporânea – Cosmovisão Cristã, Igreja Local e Transformação Integral, organizada por Leonardo Ramos, Marcel Camargo e Rodolfo Amorim, reformacionistas, ou seja, neo-calvinistas sociais na linhagem deixada pelo pensador e político holandês Abraham Kuyper. Há uma preocupação com a cosmovisão predominante no Ocidente pós-moderno: individualismo, subjetivismo, consumismo, narcisismo, e com a necessidade de reafirmarmos a soberania de Cristo sobre toda a criação, inclusive as manifestações da cultura, tendo a Igreja e os seus membros como instrumentos históricos dessa soberania, o que passa por uma reapropriação profunda da doutrina do pecado original, bem como da encarnação e da redenção.
A obra nos chama a atenção para a íntima relação em como nós compreendemos a noção de natureza e graça, e como vemos a nossa missão e o nosso relacionamento com a ordem dita secular. Essas diferentes percepções se refletem, inclusive, no interior da corrente da missão integral da Igreja, cujo momento mais importante na história recente do Cristianismo foi o Congresso de Lausanne, de 1974.
Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, em seu capítulo A Missão Integral na Encruzilhada – Reconsiderando a Tensão no Pensamento Teológico de Lausanne – destaca as diferenças de abordagem entre três correntes de pensamento decorrentes da Reforma Protestante: a anabatista, a luterana e a calvinista.
Mesmo reconhecendo experiências como o milenarismo de Muntzer e a crítica profética de figuras recentes como Yoder, Carvalho resume o dilema anabatista (cuja visão se tornou hegemônica na América Latina na segunda metade do século 20, segundo Samuel Escobar):
“A postura anabatista vê o reino como contrário ao domínio político e procura desenvolver a vida eclesial como uma espécie de sociedade separada. Portanto, a ruptura entre natureza e graça aqui deve ser entendida do ponto de vista sociopolítico. Para alguns anabatistas, o Estado político seria uma estrutura absolutamente antinatural... Como resultado dessa ruptura, há uma dificuldade recorrente em se recomendar aos cristãos devotados que se envolvam também em atividades culturais, já que isso provocaria um conflito de lealdades. Assim, experiência cristã seria sinônimo de separação cultural. A experiência histórica do anabatismo revela um impulso praticamente irresistível para o isolamento cultural ou para uma postura contracultural ao evitar o cruzamento com a sociedade não apenas no aspecto político, mas também nas artes e nas ciências.”
A abordagem luterana, por sua vez, assim é analisada por Carvalho:
“A postura dominante no luteranismo, conhecida como doutrina dos dois reinos, apresenta uma conexão interna com a compreensão de lei e graça como duas ordens separadas. Assim, a doutrina luterana sustenta que o domínio político, embora paralelo à igreja, é separado desta. Não há ruptura, mas uma justaposição entre natureza e graça, que passam a ter uma relação apenas exterior. O cristão é descrito como um cidadão de dois reinos, com a responsabilidade de viver duas lógicas completamente diferentes, na igreja e na sociedade, procurando, sempre que possível, acomodar o princípio do amor às limitações do reino da ‘espada’ – o mundo sociopolítico. A doutrina luterana, com sua maior abertura para a natureza, proporcionou um grande enriquecimento cultural, como se pode notar pelo desenvolvimento musical nos territórios luteranos, e promoveu o desenvolvimento econômico e educacional. Porém, infelizmente, a ausência de uma conexão firme entre natureza e graça permitiu que o luteranismo fosse atingindo rapidamente pelo liberalismo teológico e pela autonomia da razão, e ao mesmo tempo forneceu base teológica ao acordo entre os cristãos alemães e o nacional-socialismo – fato que levou muitos luteranos a reconsiderarem a teoria dos dois reinos.”
Por fim, Carvalho contrasta ao anabatismo e ao luteranismo, a perspectiva calvinista:
“A tradição calvinista acredita que há apenas um reino. Lei e graça se interpenetram, enquanto que o reino de Cristo se estende extra-ecclesiam. O domínio político deve ser redimido e submetido ao governo divino por meio da ação histórica da igreja. A vida social, em sua totalidade, é vista como divinamente ordenada, constituindo o próprio lugar para se viver uma vida cristã. Não há, portanto, nem ruptura, nem justaposição, mas penetração e transformação da natureza pela graça. Assim, o calvinismo demonstra um radical impulso intramundano, que reúne dialeticamente a rejeição crítica do mundo (devido a sua pecaminosidade) e a invasão redentiva do mundo (único lugar em que a graça ganha efetividade).”
O autor aponta para o desdobramento concreto da abordagem calvinista, particularmente, no século 20, do neocalvinismo social holandês.
Estamos convencidos de que tanto o conhecimento da história geral e nacional da Igreja (e do protestantismo em particular), notadamente do seu pensamento social, notadamente ético, é urgente para a recuperação de uma cidadania responsável por parte de milhões de homens e mulheres que encontraram a vida, garantiram a vida eterna, esperam a glória após a morte, mas que são carentes de projetos existenciais consequentes e relevantes.
Para os cidadãos protestantes brasileiros, em especial para os evangélicos que se candidatam a cargos eletivos – pressionados por um secularismo travestido de laicismo, desconfortável com o retorno do Sagrado – optar e aprofundar uma teologia de missão é preliminar para romper as camisas de força que nos querem vestir os isolacionistas dentro da Igreja e os isoladores dentro do mundo. Isso já demonstrou ser historicamente possível, e a única forma de sermos obedientes ao mandato cultural e à vocação recebida do nosso Senhor, e Senhor da história das nações.
Não é novidade a afirmativa que nós agimos como pensamos; que o pensar se reflete no agir. No campo religioso as ações individuais e sociais dos fiéis são, em muito, um reflexo da teologia por eles adotada, seja consciente ou não, sistematizada ou não. É a velha história que a melhor práxis é uma boa teologia.
Os pioneiros do protestantismo histórico no Brasil (a partir de 1855) possuíam uma missiologia de presença e influência, com uma ideologia de que eram portadores de uma fé superior, da democracia e do progresso. Esse pensar era vinculado a sua opção no campo da escatologia: o pós-milenismo, que tende a um otimismo histórico, e o amilenismo, que tende ao realismo.
Apenas com a chegada do pentecostalismo, da vertente “branca” do primeiro “racha” dos filhos da experiência da Rua Azuza (a partir de 1909) é que passamos a conhecer uma vertente protestante isolacionista. E aí entra a velha teoria: eles eram seguidores de uma escatologia pré-milenista e pré-tribulacionista, marcada pelo pessimismo histórico.
Mesmo com os pentecostais os ultrapassando numericamente, os históricos mantiveram a sua hegemonia no conjunto do protestantismo brasileiro até o Golpe Militar de 1964, quando além de uma compulsória “amnésia” histórica, fruto da repressão, o pré-milenismo pré-tribulacionista e o dispensacionalismo – via fundamentalismo – chegaram, também, às igrejas históricas de missão.
Sem história, sem uma teologia articulada para a ação e sem uma ética social, não adianta crescer numericamente, que não vamos ver nenhum impacto do cristianismo reformado, mas isolacionismo, dicotomia, ou o que é pior, cooptação. E o Secularismo agradece...
Tenho em minhas mãos uma das mais recentes publicações da Editora Ultimato, o livro Fé Cristã e Cultura Contemporânea – Cosmovisão Cristã, Igreja Local e Transformação Integral, organizada por Leonardo Ramos, Marcel Camargo e Rodolfo Amorim, reformacionistas, ou seja, neo-calvinistas sociais na linhagem deixada pelo pensador e político holandês Abraham Kuyper. Há uma preocupação com a cosmovisão predominante no Ocidente pós-moderno: individualismo, subjetivismo, consumismo, narcisismo, e com a necessidade de reafirmarmos a soberania de Cristo sobre toda a criação, inclusive as manifestações da cultura, tendo a Igreja e os seus membros como instrumentos históricos dessa soberania, o que passa por uma reapropriação profunda da doutrina do pecado original, bem como da encarnação e da redenção.
A obra nos chama a atenção para a íntima relação em como nós compreendemos a noção de natureza e graça, e como vemos a nossa missão e o nosso relacionamento com a ordem dita secular. Essas diferentes percepções se refletem, inclusive, no interior da corrente da missão integral da Igreja, cujo momento mais importante na história recente do Cristianismo foi o Congresso de Lausanne, de 1974.
Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, em seu capítulo A Missão Integral na Encruzilhada – Reconsiderando a Tensão no Pensamento Teológico de Lausanne – destaca as diferenças de abordagem entre três correntes de pensamento decorrentes da Reforma Protestante: a anabatista, a luterana e a calvinista.
Mesmo reconhecendo experiências como o milenarismo de Muntzer e a crítica profética de figuras recentes como Yoder, Carvalho resume o dilema anabatista (cuja visão se tornou hegemônica na América Latina na segunda metade do século 20, segundo Samuel Escobar):
“A postura anabatista vê o reino como contrário ao domínio político e procura desenvolver a vida eclesial como uma espécie de sociedade separada. Portanto, a ruptura entre natureza e graça aqui deve ser entendida do ponto de vista sociopolítico. Para alguns anabatistas, o Estado político seria uma estrutura absolutamente antinatural... Como resultado dessa ruptura, há uma dificuldade recorrente em se recomendar aos cristãos devotados que se envolvam também em atividades culturais, já que isso provocaria um conflito de lealdades. Assim, experiência cristã seria sinônimo de separação cultural. A experiência histórica do anabatismo revela um impulso praticamente irresistível para o isolamento cultural ou para uma postura contracultural ao evitar o cruzamento com a sociedade não apenas no aspecto político, mas também nas artes e nas ciências.”
A abordagem luterana, por sua vez, assim é analisada por Carvalho:
“A postura dominante no luteranismo, conhecida como doutrina dos dois reinos, apresenta uma conexão interna com a compreensão de lei e graça como duas ordens separadas. Assim, a doutrina luterana sustenta que o domínio político, embora paralelo à igreja, é separado desta. Não há ruptura, mas uma justaposição entre natureza e graça, que passam a ter uma relação apenas exterior. O cristão é descrito como um cidadão de dois reinos, com a responsabilidade de viver duas lógicas completamente diferentes, na igreja e na sociedade, procurando, sempre que possível, acomodar o princípio do amor às limitações do reino da ‘espada’ – o mundo sociopolítico. A doutrina luterana, com sua maior abertura para a natureza, proporcionou um grande enriquecimento cultural, como se pode notar pelo desenvolvimento musical nos territórios luteranos, e promoveu o desenvolvimento econômico e educacional. Porém, infelizmente, a ausência de uma conexão firme entre natureza e graça permitiu que o luteranismo fosse atingindo rapidamente pelo liberalismo teológico e pela autonomia da razão, e ao mesmo tempo forneceu base teológica ao acordo entre os cristãos alemães e o nacional-socialismo – fato que levou muitos luteranos a reconsiderarem a teoria dos dois reinos.”
Por fim, Carvalho contrasta ao anabatismo e ao luteranismo, a perspectiva calvinista:
“A tradição calvinista acredita que há apenas um reino. Lei e graça se interpenetram, enquanto que o reino de Cristo se estende extra-ecclesiam. O domínio político deve ser redimido e submetido ao governo divino por meio da ação histórica da igreja. A vida social, em sua totalidade, é vista como divinamente ordenada, constituindo o próprio lugar para se viver uma vida cristã. Não há, portanto, nem ruptura, nem justaposição, mas penetração e transformação da natureza pela graça. Assim, o calvinismo demonstra um radical impulso intramundano, que reúne dialeticamente a rejeição crítica do mundo (devido a sua pecaminosidade) e a invasão redentiva do mundo (único lugar em que a graça ganha efetividade).”
O autor aponta para o desdobramento concreto da abordagem calvinista, particularmente, no século 20, do neocalvinismo social holandês.
Estamos convencidos de que tanto o conhecimento da história geral e nacional da Igreja (e do protestantismo em particular), notadamente do seu pensamento social, notadamente ético, é urgente para a recuperação de uma cidadania responsável por parte de milhões de homens e mulheres que encontraram a vida, garantiram a vida eterna, esperam a glória após a morte, mas que são carentes de projetos existenciais consequentes e relevantes.
Para os cidadãos protestantes brasileiros, em especial para os evangélicos que se candidatam a cargos eletivos – pressionados por um secularismo travestido de laicismo, desconfortável com o retorno do Sagrado – optar e aprofundar uma teologia de missão é preliminar para romper as camisas de força que nos querem vestir os isolacionistas dentro da Igreja e os isoladores dentro do mundo. Isso já demonstrou ser historicamente possível, e a única forma de sermos obedientes ao mandato cultural e à vocação recebida do nosso Senhor, e Senhor da história das nações.
Foi bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política — teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo — desafios a uma fé engajada. Faleceu no dia 26 de fevereiro de 2012 em Olinda (PE).
- Textos publicados: 29 [ver]
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