Opinião
- 15 de abril de 2016
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O natural e o sobrenatural de um milagre
Vivemos dias no Brasil de muita polêmica sobre o impeachment da presidente Dilma. Tudo está tão atravancado, que só um milagre mesmo para mudar a situação. Então, nada como dar continuidade às nossas reflexões sobre o livro "Milagres", de C.S. Lewis. [leia aqui o primeiro artigo]
E ele é bem direto: o sobrenatural não é algo nebuloso, mas tão natural, quanto pensar (principalmente), respirar e dormir. Isso para contrariar os que se dizem naturalistas e admitem apenas fenômenos que chamam de “naturais”, mas que, na verdade, excluem o sobrenatural. Segundo Lewis, nós é que vivemos tão distraídos que já não reparamos nele. Como diz o autor com toda a singeleza: “[...] a Natureza em si mesma já é um resultado grandioso do Sobrenatural. Deus a criou e penetra onde quer que exista mente humana.” (LEWIS, 2006, p. 74)
Em outro momento, Lewis diz que o natural e o sobrenatural têm algo em comum: sua origem em Deus e aqui vem, para mim, a ideia central e mais revolucionária do livro: o milagre não é uma quebra da lei natural, sendo apenas algo extraordinário, enxertado de fora (embora também seja isso), mas é também algo que aprofunda o ordinário. Isso se dá porque podemos entender o natural de duas formas: como o que faz a natureza funcionar desde a Queda, que envolve a distorção da realidade criada e que passou a ser conhecida como “realidade”, e o que foi criado por Deus originalmente, antes da Queda, que é a verdadeira realidade.
Em outras palavras: se a vida sem o milagre é real, o que acontece com o milagre é mais realidade. Pois a origem da realidade está em Deus, que é o autor também do milagre.
Na verdade, nossa noção do sobrenatural é tão distorcida quanto a de realidade, que é uma totalidade que envolve o sobrenatural, sendo que o mesmo é mais legitimamente real do que o natural, no sentido decaído. Aliás, associamos o sobrenatural ao espiritual, o que é correto, mas que imaginamos como sendo algo abstrato, obscuro e distante (concepção essa que é tipicamente espírita) e não material e concreta e presente, como a Bíblia nos ensina que é o Espírito Santo.
É por isso, por ser mais real do que a realidade ordinária, é que o céu, que é onde os milagres são eventos comuns, não é um mero “estado da mente” (como, aliás, o inferno também não é), como as versões espiritualistas e de autoajuda da vida nos querem fazer crer. O céu é um lugar concreto e material.
Como faz sempre e é parte de seu estilo, Lewis apresenta analogias para ilustrar os seus pontos. No caso, ele compara a crença nos milagres com a crença no sol. Não podemos vê-lo diretamente, sua luz é invisível para nós, mas por meio dele, podemos ver todas as demais coisas. Aliás, a tradução dessa frase ficou incompleta na edição de 2006 da Martins Fontes, traduzido por Ana Schäffer. Faltou a parte que eu inseri entre colchetes.
“Acreditamos que o Sol esteja no céu ao meio-dia de verão não porque podemos vê-lo claramente (na verdade, não o podemos), mas porque [por meio dele] conseguimos ver todas as outras coisas”.
Essa ideia de que o milagre é mais real do que a falta dele (se bem que, num certo sentido, em última instância, do ponto de vista da providência e soberania de Deus, tudo é obra do sobrenatural), fica clara ainda nesse outro trecho:
“O Milagre como um todo, longe de negar o que já conhecemos da realidade, é a nota explicativa que lança luz a esse texto obscuro. Ou melhor, prova ser o texto principal em que a natureza não passa de simples comentário. Na ciência, tudo o que lemos eram apenas as impressões de um poema; no Cristianismo, o poema todo nos é revelado”. (LEWIS, 2006, p. 199)
Mais adiante, ele complementa:
“Cada milagre escreve para nós em letras miúdas aquilo que Deus já escreveu ou escreverá em letras quase que grandes demais para serem notadas na ampla tela da Natureza.” (LEWIS, 2006, p. 205)
É isso que torna o cristianismo tão fascinante e tão improvável que tenha sido “inventado por alguém”, porque ele vai além da explicação natural. Não existe apenas a lei física da entropia, que diz que tudo se desfaz e tende ao caos, mas existe também o princípio do avanço, que nos dá esperança. Mas esse avanço não é aleatório e baseado no acaso, como no caso da explicação evolucionista, mas é, paradoxalmente, um retorno a um estado inicial, um estado original anterior ao evento da entrada do princípio da corruptibilidade no mundo. Ou seja, quanto mais voltamos às origens, mais avançamos; e quanto mais subimos, para além da realidade, mais penetramos em suas profundezas, como Lewis afirma em um dos apêndices do livro.
Quer mensagem mais apropriada do que essa para a situação atual de predomínio da corrupção nesse país?
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Foto: Júlía Tan/Freeimages.com
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Em outro momento, Lewis diz que o natural e o sobrenatural têm algo em comum: sua origem em Deus e aqui vem, para mim, a ideia central e mais revolucionária do livro: o milagre não é uma quebra da lei natural, sendo apenas algo extraordinário, enxertado de fora (embora também seja isso), mas é também algo que aprofunda o ordinário. Isso se dá porque podemos entender o natural de duas formas: como o que faz a natureza funcionar desde a Queda, que envolve a distorção da realidade criada e que passou a ser conhecida como “realidade”, e o que foi criado por Deus originalmente, antes da Queda, que é a verdadeira realidade.
Em outras palavras: se a vida sem o milagre é real, o que acontece com o milagre é mais realidade. Pois a origem da realidade está em Deus, que é o autor também do milagre.
Na verdade, nossa noção do sobrenatural é tão distorcida quanto a de realidade, que é uma totalidade que envolve o sobrenatural, sendo que o mesmo é mais legitimamente real do que o natural, no sentido decaído. Aliás, associamos o sobrenatural ao espiritual, o que é correto, mas que imaginamos como sendo algo abstrato, obscuro e distante (concepção essa que é tipicamente espírita) e não material e concreta e presente, como a Bíblia nos ensina que é o Espírito Santo.
É por isso, por ser mais real do que a realidade ordinária, é que o céu, que é onde os milagres são eventos comuns, não é um mero “estado da mente” (como, aliás, o inferno também não é), como as versões espiritualistas e de autoajuda da vida nos querem fazer crer. O céu é um lugar concreto e material.
Como faz sempre e é parte de seu estilo, Lewis apresenta analogias para ilustrar os seus pontos. No caso, ele compara a crença nos milagres com a crença no sol. Não podemos vê-lo diretamente, sua luz é invisível para nós, mas por meio dele, podemos ver todas as demais coisas. Aliás, a tradução dessa frase ficou incompleta na edição de 2006 da Martins Fontes, traduzido por Ana Schäffer. Faltou a parte que eu inseri entre colchetes.
“Acreditamos que o Sol esteja no céu ao meio-dia de verão não porque podemos vê-lo claramente (na verdade, não o podemos), mas porque [por meio dele] conseguimos ver todas as outras coisas”.
Essa ideia de que o milagre é mais real do que a falta dele (se bem que, num certo sentido, em última instância, do ponto de vista da providência e soberania de Deus, tudo é obra do sobrenatural), fica clara ainda nesse outro trecho:
“O Milagre como um todo, longe de negar o que já conhecemos da realidade, é a nota explicativa que lança luz a esse texto obscuro. Ou melhor, prova ser o texto principal em que a natureza não passa de simples comentário. Na ciência, tudo o que lemos eram apenas as impressões de um poema; no Cristianismo, o poema todo nos é revelado”. (LEWIS, 2006, p. 199)
Mais adiante, ele complementa:
“Cada milagre escreve para nós em letras miúdas aquilo que Deus já escreveu ou escreverá em letras quase que grandes demais para serem notadas na ampla tela da Natureza.” (LEWIS, 2006, p. 205)
É isso que torna o cristianismo tão fascinante e tão improvável que tenha sido “inventado por alguém”, porque ele vai além da explicação natural. Não existe apenas a lei física da entropia, que diz que tudo se desfaz e tende ao caos, mas existe também o princípio do avanço, que nos dá esperança. Mas esse avanço não é aleatório e baseado no acaso, como no caso da explicação evolucionista, mas é, paradoxalmente, um retorno a um estado inicial, um estado original anterior ao evento da entrada do princípio da corruptibilidade no mundo. Ou seja, quanto mais voltamos às origens, mais avançamos; e quanto mais subimos, para além da realidade, mais penetramos em suas profundezas, como Lewis afirma em um dos apêndices do livro.
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Foto: Júlía Tan/Freeimages.com
É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
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