Opinião
- 28 de outubro de 2020
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O legado desconhecido das Reformadoras do século XVI
Por Lidice Meyer P. Ribeiro
Já se passaram 503 anos do dia histórico em que o monge Martinho Lutero, inconformado com tantos desmandos na Igreja Cristã tornou público seu descontentamento afixando-o na porta da Igreja de Wittenberg, sistematizado em 95 teses. Este dia mudou drasticamente a história do cristianismo sendo o marco inicial do grande cisma que dividiria a Igreja em dois segmentos: católicos e protestantes.
O descontentamento de Lutero encontrou eco em humanistas, religiosos e governantes de seu tempo. Ficaram registrados na história da Reforma nomes como de Lutero, Calvino, Melanchton e Jonh Huss enquanto que Katharina von Bora, Caritas Pirckheimer, Argula Stauff von Grumbach, Elisabeth von Calenberg e Elisabeth Schütz Zell dentre outras foram praticamente esquecidas. Apesar disto podemos afirmar que a Reforma não teria sido possível sem a atuação das mulheres.
O livro de Lutero “Da Liberdade Cristã” trouxe a base necessária para que homens e mulheres exercessem o sacerdócio geral dos crentes. Mulheres religiosas e leigas passaram a se envolver diretamente com as questões políticas e teológicas de seu tempo. Elisabeth von Calenberg-Göttingen, duquesa de Braunschweig-Lüneburg introduziu o protestantismo na Baixa Saxônia, além de ter escrito livros de teologia e composto hinos. Amiga pessoal de Lutero, que lhe presenteou com uma Bíblia com dedicatória pessoal, e de Melanchton, que escreveu: “Elisabeth governou esta igreja com um coração materno, suave e doce, alimentada e nutrida pelo evangelho.”
A imprensa recém inventada permitiu a divulgação das ideias reformadas através dos livros e cartas panfletárias que eram lidas nos mercados e púlpitos das igrejas. Quando em 1522 foi proibida a divulgação de qualquer texto de Lutero em toda a Baviera, Argula Stauff von Grumbach não se deixou intimidar e publicou sua primeira carta panfletária. O texto foi rapidamente reproduzido em muitas outras cidades e reinos. Argula publicou mais oito cartas, correspondeu-se com Melanchton e com Lutero que a chamou de “um instrumento especial de Cristo”.
Katharina Schütz Zell era casada com um pastor, ex-padre. Seu marido a tratava como pastora assistente e por várias vezes pregou em público. Considerada mãe da igreja, hospedou frequentemente os reformadores, deu aconselhamento pastoral às esposas dos reformadores, escreveu textos teológicos e hinos, e lutou por uma relação de igualdade entre homens e mulheres.
Apesar de muitas mulheres terem atuado na composição musical, Elisabeth von Meseriz Cruciger é considerada a primeira compositora do protestantismo, tendo um de seus hinos sido incluído por Lutero no hinário protestante em Wittenberg.
Dois casos de ex-freiras convertidas mostram a liberdade alcançada pelas mulheres após a Reforma. Embora Lutero se opusesse a continuidade dos mosteiros e conventos, Caritas Pirckheimer o convenceu de que algumas freiras não almejavam o casamento e sentiam-se bem na vida monástica. Assim, instituiu-se a primeiro convento protestante sob a liderança da abadessa Caritas. Por outro lado, outras ex-freiras optaram por casar-se e constituir família. Entre elas estava Katharina von Bora que audaciosamente propôs casar-se com Lutero, tornando-se sua parceira e companheira nas discussões teológicas com estudantes e reformadores, e a quem se referia como: doutora, pregadora de Wittenberg, a luterana, entre muitos outros termos carinhosos.
Estas mulheres são apenas uma tênue imagem da atuação e importância das mulheres no movimento da Reforma. Uma história que nos dias de hoje se reveste de mais relevância dado os debates atuais e acalorados sobre o papel da mulher na igreja protestante. Talvez ainda tenhamos muito que aprender sobre nossa própria história.
• Lidice Meyer P. Ribeiro é doutora em Antropologia e professora convidada na Universidade Lusófona, Portugal.
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Lidice Meyer P. Ribeiro é doutora em Antropologia e professora na Universidade Lusófona, Portugal.
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