Opinião
- 10 de agosto de 2017
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O feminismo quer redefinir o que é ser homem?
Por Isabella Passos
A reportagem com título “O medo de ter um filho” [1] deve ter passado despercebida por muitos leitores do New York Times. Hoje em dia é comum alguns casais não quererem ter filhos. Mas uma entrada no texto mostra que não se trata apenas de ter um filho, mas de ter um filho homem. Isso mesmo. Há pesquisas que mostram o aumento no desejo por filhas, mesmo com a alegação insistente de um mundo hostil a elas, e os motivos são os mais variados, mas todos tangenciando as atuais críticas feministas aos traços distintivos da masculinidade.
A desconstrução do masculino
Alguém já falou que o feminismo cravou críticas bastante objetivas conforme o desenvolvimento de sua trajetória. Essas críticas se convergiram à “desconstrução” (ethos subjacente à visão de mundo de 12 em cada 10 “engajados” de nossa época) e consequente redefinição de âmbitos reconhecidos como problemáticos à emancipação da mulher. Na década de 1960 há uma redefinição da mulher, na de 1970 a redefinição do mundo, 1980 a redefinição de Deus – especificamente na América Latina, a Teologia Feminista nasce na esteira da Teologia da Libertação – e, nas últimas décadas, a desconstrução caminha em direção ao homem. Ao masculino. Mulher, mundo, Deus e agora o homem. Se cuidem rapazes.
Esse fenômeno de “problematização” do masculino se tornou onipresente em nossos dias através de múltiplas peças culturais, algumas bem inocentes, voltadas à chamada “Nova Masculinidade”. E não se enganem. Discutir a masculinidade é agenda global e já alcançou as mais variadas instituições. No final do ano passado, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo lançou uma cartilha com as instigantes perguntas: “o que é ser homem?” [2], “o que é masculinidade?” [3], a fim de alcançar homens na prevenção de casos de violência doméstica. É o visível deslocamento da problemática objetiva do fato para a subjetividade do homem. Para a subjetividade humana. Esse terreno tão arenoso e esculhambado dos nossos dias. Entramos, assim, na era do protesto contra os “preconceitos inconscientes” dos homens. E se é inconsciente, as incertezas são terreno fértil para os oportunistas de toda sorte e matizes.
Cadê homens que falem sobre masculinidade?
Voltando um pouco no tempo, é pelo menos desde 1975, quando a ONU promoveu a I Conferência Mundial sobre a Mulher, que órgãos governamentais têm impulsionado a agenda feminista através das mais variadas ações encabeçadas pelos parceiros da ONU ao redor do mundo. Em 2010 foi criado a ONU Mulheres com um generoso fundo de desenvolvimento para investimento global em seis áreas consideradas prioritárias pelo órgão. Esse fundo está à disposição para quem quiser fazer a agenda avançar e, especialmente no Brasil, um portal voltado ao público masculino lançou um documentário chamado “Do We Need to Talk to Men? [Precisamos falar com os Homens?]” com considerável repercussão entre os conectados do país. No documentário, a resposta afirmativa é mesclada com dados sobre alegados privilégios masculinos, sobre violência entre gêneros e sobre características “não desejáveis” aos homens. Tudo regado com chamadas para tomada de consciência ao longo de quase uma hora de depoimentos, tendo representantes de ONGs e instituições feministas como marcadores das orientações e dos dados. E fica a pergunta: se algo precisa ser dito (e precisa), cadê os homens falando de si, para si, para as mulheres e para as novas gerações? Há um vácuo, pois o que existe parece estar alinhado com este modelo feminino ou feminista de ajuizar os homens. São elas que estão dizendo deles e para eles e ditando novas tensões e configurações. (ps. olha eu aqui dando o meu pitaco, rs).
Refletir e discutir a masculinidade é um papel de todos
Mas, tudo bem. Concedamos espaço às ponderações legítimas, afinal fazer emergir o problema, suscitar a fala, propor a reflexão e apoiar uma revisão sincera é mesmo urgente e necessária a todos. A todos. Há inegáveis problemas a se reformar nas relações humanas e, dentre elas, por óbvio, as relações entre homens e mulheres. Cristãos, mais do que ninguém, sabem em que trama se meteu a humanidade com a sua capacidade de macular tudo que é bom, justo e belo independente de seu sexo, idade, formação, classe social, séries preferidas e etc. E, claro, sempre com a ajuda do inimigo de suas almas. Mas essa é somente parte da história. E há algo que não é dito pelas novas abordagens dos gêneros sexuais. E talvez não seja dito por que o ponto de partida, os problemas alegados, as causas pressupostas, a antropologia defendida não seja aquela que coincida com a verdade de ser homem e ser mulher. Afinal, desconstruído aquilo que sabemos ser efeitos da queda, feita a sua descrição, o que se mostra como verdadeiro acerca de Deus, do mundo e do humano? Acerca do homem e da mulher? Ao final de toda querela, encabeçada por uma hermenêutica de desmontagem do outro, o que desponta como realidade, verdade e valor constitutivo do homem e da expressão da masculinidade?
Neste ponto, os homens, especificamente, precisam com urgência encontrar uma maneira de resolver a confusão que a masculinidade se tornou pela boca do outro (e da outra). E o primeiro passo, além da revisão sábia do seu próprio fazer no mundo, é dar um fim à noção histriônica de que a resposta para os “direitos das mulheres” e a “humanização dos homens” passa pela adoção apaixonada de pressupostos feministas como alguns estão reproduzindo de forma tão engajada, também dentro da igreja. O feminismo é no máximo sintoma, pessoal. E sintoma de questões muito mais profundas do que supõem nossas limitadas ciências humanas.
Qual o referencial de masculinidade e feminilidade?
Antes, o sentido, o diagnóstico, a terapêutica para o re-conhecimento do humano, de sua identidade e dignidade foram depositados na emergência da criação. Contados por inúmeros significados, atos, exortações e remissões compartilhados por um livro muito caro à humanidade. Se mostraram ainda na forma de carne há pelo menos 2 mil anos. Graciosamente, Deus se fez Homem e homem. Igualmente direção para homens e mulheres. E é conhecendo este Deus que homens e mulheres verão a si mesmos, entenderão suas náuseas e cultivarão o jardim deliberando justiça nas relações entre si. Sustentados pela zelosa pedagogia do Espírito Santo (2 Co. 3:18) em meio a fé e obras como resposta natural (e inigualável) da manifestação confiável do ser homem e do ser mulher. É preciso referenciar-se por Deus para saber e viver a masculinidade e a feminilidade. É dele essas intencionalidades.
E a igreja tem papel fundamental nesse processo na medida em que reconhece a vontade, a ação e a glória soberana de Cristo (Rm. 11:36) no mundo através do chamado para cultivar um espírito de fortaleza, de amor e de sabedoria (2 Tm. 1:7) entre seus membros. No hoje. Nesta geração. Sobre esses conflitos. Na educação de seus homens sem as armadilhas da adesão apressada a velhos estereótipos ou a modismos de nossa época como novas representações de velhas inverdades. Assim também como deve acontecer às suas mulheres e crianças.
Notas:
[1] The Fear of Having a Son
[2] Vamos falar sobre Masculinidade?
[3] O Ministério Público de São Paulo também tem promovido cursos com participação obrigatória para homens processados pela Lei Maria da Penha. Não somente as pautas, mas também o Feminismo é tema abordado pelo curso.
• Isabella Passos é formada em Filosofia pela PUC-MG. Mora em Belo Horizonte e congrega na Igreja Esperança.
Leia mais
É possível ser feminista cristã?
Sobre a (in)submissão do masculino
Photo by GoaShape on Unsplash.
A reportagem com título “O medo de ter um filho” [1] deve ter passado despercebida por muitos leitores do New York Times. Hoje em dia é comum alguns casais não quererem ter filhos. Mas uma entrada no texto mostra que não se trata apenas de ter um filho, mas de ter um filho homem. Isso mesmo. Há pesquisas que mostram o aumento no desejo por filhas, mesmo com a alegação insistente de um mundo hostil a elas, e os motivos são os mais variados, mas todos tangenciando as atuais críticas feministas aos traços distintivos da masculinidade.
A desconstrução do masculino
Alguém já falou que o feminismo cravou críticas bastante objetivas conforme o desenvolvimento de sua trajetória. Essas críticas se convergiram à “desconstrução” (ethos subjacente à visão de mundo de 12 em cada 10 “engajados” de nossa época) e consequente redefinição de âmbitos reconhecidos como problemáticos à emancipação da mulher. Na década de 1960 há uma redefinição da mulher, na de 1970 a redefinição do mundo, 1980 a redefinição de Deus – especificamente na América Latina, a Teologia Feminista nasce na esteira da Teologia da Libertação – e, nas últimas décadas, a desconstrução caminha em direção ao homem. Ao masculino. Mulher, mundo, Deus e agora o homem. Se cuidem rapazes.
Esse fenômeno de “problematização” do masculino se tornou onipresente em nossos dias através de múltiplas peças culturais, algumas bem inocentes, voltadas à chamada “Nova Masculinidade”. E não se enganem. Discutir a masculinidade é agenda global e já alcançou as mais variadas instituições. No final do ano passado, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo lançou uma cartilha com as instigantes perguntas: “o que é ser homem?” [2], “o que é masculinidade?” [3], a fim de alcançar homens na prevenção de casos de violência doméstica. É o visível deslocamento da problemática objetiva do fato para a subjetividade do homem. Para a subjetividade humana. Esse terreno tão arenoso e esculhambado dos nossos dias. Entramos, assim, na era do protesto contra os “preconceitos inconscientes” dos homens. E se é inconsciente, as incertezas são terreno fértil para os oportunistas de toda sorte e matizes.
Cadê homens que falem sobre masculinidade?
Voltando um pouco no tempo, é pelo menos desde 1975, quando a ONU promoveu a I Conferência Mundial sobre a Mulher, que órgãos governamentais têm impulsionado a agenda feminista através das mais variadas ações encabeçadas pelos parceiros da ONU ao redor do mundo. Em 2010 foi criado a ONU Mulheres com um generoso fundo de desenvolvimento para investimento global em seis áreas consideradas prioritárias pelo órgão. Esse fundo está à disposição para quem quiser fazer a agenda avançar e, especialmente no Brasil, um portal voltado ao público masculino lançou um documentário chamado “Do We Need to Talk to Men? [Precisamos falar com os Homens?]” com considerável repercussão entre os conectados do país. No documentário, a resposta afirmativa é mesclada com dados sobre alegados privilégios masculinos, sobre violência entre gêneros e sobre características “não desejáveis” aos homens. Tudo regado com chamadas para tomada de consciência ao longo de quase uma hora de depoimentos, tendo representantes de ONGs e instituições feministas como marcadores das orientações e dos dados. E fica a pergunta: se algo precisa ser dito (e precisa), cadê os homens falando de si, para si, para as mulheres e para as novas gerações? Há um vácuo, pois o que existe parece estar alinhado com este modelo feminino ou feminista de ajuizar os homens. São elas que estão dizendo deles e para eles e ditando novas tensões e configurações. (ps. olha eu aqui dando o meu pitaco, rs).
Refletir e discutir a masculinidade é um papel de todos
Mas, tudo bem. Concedamos espaço às ponderações legítimas, afinal fazer emergir o problema, suscitar a fala, propor a reflexão e apoiar uma revisão sincera é mesmo urgente e necessária a todos. A todos. Há inegáveis problemas a se reformar nas relações humanas e, dentre elas, por óbvio, as relações entre homens e mulheres. Cristãos, mais do que ninguém, sabem em que trama se meteu a humanidade com a sua capacidade de macular tudo que é bom, justo e belo independente de seu sexo, idade, formação, classe social, séries preferidas e etc. E, claro, sempre com a ajuda do inimigo de suas almas. Mas essa é somente parte da história. E há algo que não é dito pelas novas abordagens dos gêneros sexuais. E talvez não seja dito por que o ponto de partida, os problemas alegados, as causas pressupostas, a antropologia defendida não seja aquela que coincida com a verdade de ser homem e ser mulher. Afinal, desconstruído aquilo que sabemos ser efeitos da queda, feita a sua descrição, o que se mostra como verdadeiro acerca de Deus, do mundo e do humano? Acerca do homem e da mulher? Ao final de toda querela, encabeçada por uma hermenêutica de desmontagem do outro, o que desponta como realidade, verdade e valor constitutivo do homem e da expressão da masculinidade?
Neste ponto, os homens, especificamente, precisam com urgência encontrar uma maneira de resolver a confusão que a masculinidade se tornou pela boca do outro (e da outra). E o primeiro passo, além da revisão sábia do seu próprio fazer no mundo, é dar um fim à noção histriônica de que a resposta para os “direitos das mulheres” e a “humanização dos homens” passa pela adoção apaixonada de pressupostos feministas como alguns estão reproduzindo de forma tão engajada, também dentro da igreja. O feminismo é no máximo sintoma, pessoal. E sintoma de questões muito mais profundas do que supõem nossas limitadas ciências humanas.
Qual o referencial de masculinidade e feminilidade?
Antes, o sentido, o diagnóstico, a terapêutica para o re-conhecimento do humano, de sua identidade e dignidade foram depositados na emergência da criação. Contados por inúmeros significados, atos, exortações e remissões compartilhados por um livro muito caro à humanidade. Se mostraram ainda na forma de carne há pelo menos 2 mil anos. Graciosamente, Deus se fez Homem e homem. Igualmente direção para homens e mulheres. E é conhecendo este Deus que homens e mulheres verão a si mesmos, entenderão suas náuseas e cultivarão o jardim deliberando justiça nas relações entre si. Sustentados pela zelosa pedagogia do Espírito Santo (2 Co. 3:18) em meio a fé e obras como resposta natural (e inigualável) da manifestação confiável do ser homem e do ser mulher. É preciso referenciar-se por Deus para saber e viver a masculinidade e a feminilidade. É dele essas intencionalidades.
E a igreja tem papel fundamental nesse processo na medida em que reconhece a vontade, a ação e a glória soberana de Cristo (Rm. 11:36) no mundo através do chamado para cultivar um espírito de fortaleza, de amor e de sabedoria (2 Tm. 1:7) entre seus membros. No hoje. Nesta geração. Sobre esses conflitos. Na educação de seus homens sem as armadilhas da adesão apressada a velhos estereótipos ou a modismos de nossa época como novas representações de velhas inverdades. Assim também como deve acontecer às suas mulheres e crianças.
Notas:
[1] The Fear of Having a Son
[2] Vamos falar sobre Masculinidade?
[3] O Ministério Público de São Paulo também tem promovido cursos com participação obrigatória para homens processados pela Lei Maria da Penha. Não somente as pautas, mas também o Feminismo é tema abordado pelo curso.
• Isabella Passos é formada em Filosofia pela PUC-MG. Mora em Belo Horizonte e congrega na Igreja Esperança.
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É possível ser feminista cristã?
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