Opinião
- 02 de abril de 2018
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O diálogo de C.S. Lewis com o mundo de ontem e de hoje
Por Gabriele Greggersen
Por que Lewis fez tanta diferença na sua época, influenciando centenas de milhares de pessoas, inclusive grandes evangelistas como Billy Graham e outros servos de Cristo? Primeiro, acredito que é porque ele se contextualizava, usando uma linguagem que todos conheciam: a linguagem do homem comum e das parábolas. E tal linguagem é universal. Ele abominaria o que hoje chamamos de “evangeliquês”. E segundo, porque ele não ficava só falando em abstrações, ele vivia o que dizia.
C.S. Lewis foi uma pessoa que, sem citar a Bíblia, citava a Bíblia o tempo todo (claro que é preciso conhecer a Bíblia e saber lê-la, para que o leitor se dê conta disso). E é assim que devemos dar testemunho de nossa fé: sem impô-la a ninguém, sem fechar as portas àqueles que têm barreiras psicológicas em relação à Bíblia. Ele não adotava um proselitismo barato e ignorante, mas vivia o Evangelho no cotidiano, seja no trabalho formal, seja nas horas de lazer. As pessoas devem reconhecer a face de Cristo na nossa face, o que Paulo chama de “semelhança com Cristo”.
Mas como Lewis conseguia fazer isso? Vivendo os princípios da oração sacerdotal de Cristo e o espírito das epístolas paulinas, eu diria. Ele imitava a Cristo, que dava testemunho por suas atitudes e postura diante da vida, sem ter que dizer muito. Por que é que Jesus preferiu guardar silêncio diante de seus acusadores na fase final de sua vida, se não para nos dar o exemplo de que o silêncio muitas vezes vale mais do que mil palavras? E quando não guardava silêncio, ele abria a boca em parábolas. Claro que ele também ensinou e ministrou sermões, mas a proporção deles é pequena em relação aos atos e histórias.
E ele não assumia absolutamente uma postura separatista ou segregacional. Ele estava inserido em sua cultura e dela participava ativamente. O problema de hoje é que estamos tão acostumados a viver num mundo paralelo, o mundo dos “crentes”, que nem nos damos mais conta do quanto ele é segregado e, muitas vezes, “bizarro” para os de fora.
A oração sacerdotal de Cristo, quando diz: “Não rogo que os tires do mundo, mas que os protejas do Maligno” (leia o trecho todo em João 17.15–19) é emblemática desse desejo de que nós participemos da cultura. É claro que isso tem consequências: seremos perseguidos, ridicularizados, não reconhecidos, e às vezes até torturados e mortos.
Lembrando que ser santo é ser separado; mas não de forma separatista e segregacional. É isso que muita gente confunde, numa interpretação rasa e literal, ou até fundamentalista. Por isso é que Jesus pede para Deus nos livrar do mal. Lewis também sentiu na pele o que é ser perseguido pela ousadia de participar ativamente da cultura como cristão, eis a razão por ele nunca ter sido reconhecido em sua casa (Oxford) e só ter recebido uma cadeira em Cambridge aos 52 anos de idade.
As duas passagens das epístolas que falam sobre a relação do cristão com a cultura são de Paulo: Romanos 12.2 (Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus) e Colossenses 2.8 (Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo – grifo nosso).
Essas passagens nos remetem ao seguinte paradoxo ou mistério do cristianismo: Somos e não somos desse mundo. Parece uma contradição, não é? Mas não há contradição, apenas ponderação. Somos desse mundo no sentido de termos nascido aqui e não conseguirmos viver vidas isoladas no mundo, como querem os Quakers e outros grupos religiosos fundamentalistas separatistas, que rejeitam tudo que eles consideram do mundo e se tornam seres pouco sociáveis e eu diria até “excêntricos”. Eles não cumprem o mandato do Senhor de sermos do mundo.
Mas não somos deste mundo, no mesmo sentido da diferença que há entre ser e estar, tão característica da nossa língua portuguesa e por isso mesmo, tão genial. Como cristãos, nós estamos no mundo, sem sermos do mundo. Isso não significa negar o mundo, mas as tradições e os rudimentos desse mundo. Assim, Paulo prova que era contra o tradicionalismo e a favor da liberdade (“Tudo é permitido”, mas nem tudo convém. “Tudo é permitido”, mas nem tudo edifica - 1Co 10.23)
No mundo de Nárnia, há seres que são daquele mundo e seres provenientes de outros mundos. E Nárnia tem todos os problemas da época de Lewis: a frieza que domina a maior parte das relações e dos corações, o consumismo e materialismo, o amor pelo poder e pelo dinheiro, que congelam e tornam as pessoas desumanas e cruéis, como a Feiticeira Branca.
Em Nárnia é sempre inverno e nunca é Natal, assim como no sociedade pós Segunda Guerra Mundial. Mas as crianças, que vieram de outro mundo para aquele, não se deixam influenciar por esses ares gelados. Eles se vestem de casacos. São convidadas por Aslam a participarem ativamente, junto com os animais falantes e outros seres, da obra de redenção de Nárnia.
E o mundo da sua época não era muito diferente do nosso, mesmo sem guerra mundial (ainda). Por isso é que a mensagem de Lewis não apenas é contextualizada no seu tempo, mas também continua a dizer muito para o nosso, como nesse dito, que é um dos mais memoráveis de Lewis: “Ao descobrir em mim um desejo que nenhuma experiência desse mundo poderia satisfazer, a explicação mais provável é que eu tenha sido feito para outro mundo” (Cristianismo Puro e Simples. Trad. Gabriele Greggersen. São Paulo: Thomas Nelson, 2017, 183).
Veja, há uma clara contradição entre nós e o mundo. Acontece que não somos nós que devemos expulsar o mundo do nosso meio por ele ser estranho a nós. Nós é que somos estrangeiros e por isso, quando vivemos o evangelho puro e simples, somos expulsos do mundo.
Leia mais:
C.S. Lewis, para todos os homens e todas as épocas
O valor dos clássicos segundo C.S. Lewis
Até que Tenhamos Rostos - C.S. Lewis
Por que Lewis fez tanta diferença na sua época, influenciando centenas de milhares de pessoas, inclusive grandes evangelistas como Billy Graham e outros servos de Cristo? Primeiro, acredito que é porque ele se contextualizava, usando uma linguagem que todos conheciam: a linguagem do homem comum e das parábolas. E tal linguagem é universal. Ele abominaria o que hoje chamamos de “evangeliquês”. E segundo, porque ele não ficava só falando em abstrações, ele vivia o que dizia.
C.S. Lewis foi uma pessoa que, sem citar a Bíblia, citava a Bíblia o tempo todo (claro que é preciso conhecer a Bíblia e saber lê-la, para que o leitor se dê conta disso). E é assim que devemos dar testemunho de nossa fé: sem impô-la a ninguém, sem fechar as portas àqueles que têm barreiras psicológicas em relação à Bíblia. Ele não adotava um proselitismo barato e ignorante, mas vivia o Evangelho no cotidiano, seja no trabalho formal, seja nas horas de lazer. As pessoas devem reconhecer a face de Cristo na nossa face, o que Paulo chama de “semelhança com Cristo”.
Mas como Lewis conseguia fazer isso? Vivendo os princípios da oração sacerdotal de Cristo e o espírito das epístolas paulinas, eu diria. Ele imitava a Cristo, que dava testemunho por suas atitudes e postura diante da vida, sem ter que dizer muito. Por que é que Jesus preferiu guardar silêncio diante de seus acusadores na fase final de sua vida, se não para nos dar o exemplo de que o silêncio muitas vezes vale mais do que mil palavras? E quando não guardava silêncio, ele abria a boca em parábolas. Claro que ele também ensinou e ministrou sermões, mas a proporção deles é pequena em relação aos atos e histórias.
E ele não assumia absolutamente uma postura separatista ou segregacional. Ele estava inserido em sua cultura e dela participava ativamente. O problema de hoje é que estamos tão acostumados a viver num mundo paralelo, o mundo dos “crentes”, que nem nos damos mais conta do quanto ele é segregado e, muitas vezes, “bizarro” para os de fora.
A oração sacerdotal de Cristo, quando diz: “Não rogo que os tires do mundo, mas que os protejas do Maligno” (leia o trecho todo em João 17.15–19) é emblemática desse desejo de que nós participemos da cultura. É claro que isso tem consequências: seremos perseguidos, ridicularizados, não reconhecidos, e às vezes até torturados e mortos.
Lembrando que ser santo é ser separado; mas não de forma separatista e segregacional. É isso que muita gente confunde, numa interpretação rasa e literal, ou até fundamentalista. Por isso é que Jesus pede para Deus nos livrar do mal. Lewis também sentiu na pele o que é ser perseguido pela ousadia de participar ativamente da cultura como cristão, eis a razão por ele nunca ter sido reconhecido em sua casa (Oxford) e só ter recebido uma cadeira em Cambridge aos 52 anos de idade.
As duas passagens das epístolas que falam sobre a relação do cristão com a cultura são de Paulo: Romanos 12.2 (Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus) e Colossenses 2.8 (Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo – grifo nosso).
Essas passagens nos remetem ao seguinte paradoxo ou mistério do cristianismo: Somos e não somos desse mundo. Parece uma contradição, não é? Mas não há contradição, apenas ponderação. Somos desse mundo no sentido de termos nascido aqui e não conseguirmos viver vidas isoladas no mundo, como querem os Quakers e outros grupos religiosos fundamentalistas separatistas, que rejeitam tudo que eles consideram do mundo e se tornam seres pouco sociáveis e eu diria até “excêntricos”. Eles não cumprem o mandato do Senhor de sermos do mundo.
Mas não somos deste mundo, no mesmo sentido da diferença que há entre ser e estar, tão característica da nossa língua portuguesa e por isso mesmo, tão genial. Como cristãos, nós estamos no mundo, sem sermos do mundo. Isso não significa negar o mundo, mas as tradições e os rudimentos desse mundo. Assim, Paulo prova que era contra o tradicionalismo e a favor da liberdade (“Tudo é permitido”, mas nem tudo convém. “Tudo é permitido”, mas nem tudo edifica - 1Co 10.23)
No mundo de Nárnia, há seres que são daquele mundo e seres provenientes de outros mundos. E Nárnia tem todos os problemas da época de Lewis: a frieza que domina a maior parte das relações e dos corações, o consumismo e materialismo, o amor pelo poder e pelo dinheiro, que congelam e tornam as pessoas desumanas e cruéis, como a Feiticeira Branca.
Em Nárnia é sempre inverno e nunca é Natal, assim como no sociedade pós Segunda Guerra Mundial. Mas as crianças, que vieram de outro mundo para aquele, não se deixam influenciar por esses ares gelados. Eles se vestem de casacos. São convidadas por Aslam a participarem ativamente, junto com os animais falantes e outros seres, da obra de redenção de Nárnia.
E o mundo da sua época não era muito diferente do nosso, mesmo sem guerra mundial (ainda). Por isso é que a mensagem de Lewis não apenas é contextualizada no seu tempo, mas também continua a dizer muito para o nosso, como nesse dito, que é um dos mais memoráveis de Lewis: “Ao descobrir em mim um desejo que nenhuma experiência desse mundo poderia satisfazer, a explicação mais provável é que eu tenha sido feito para outro mundo” (Cristianismo Puro e Simples. Trad. Gabriele Greggersen. São Paulo: Thomas Nelson, 2017, 183).
Veja, há uma clara contradição entre nós e o mundo. Acontece que não somos nós que devemos expulsar o mundo do nosso meio por ele ser estranho a nós. Nós é que somos estrangeiros e por isso, quando vivemos o evangelho puro e simples, somos expulsos do mundo.
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C.S. Lewis, para todos os homens e todas as épocas
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Até que Tenhamos Rostos - C.S. Lewis
É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
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