Opinião
- 06 de abril de 2015
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O dia em que Pilatos entrou no Credo
Não há qualquer dúvida: Pilatos entrou no Credo Apostólico porque representava o tipo de justiçamento, o massacre de um inocente, que pedia a multidão concentrada num ponto estratégico da cidade. Jesus não foi linchado, porque só um julgamento exemplar satisfaria as autoridades governamentais. Mas a centralidade do texto é a ressurreição do Senhor (João 20.1-18), apesar da fúria da multidão. O modo e o momento não são importantes, talvez. A não ser que recorramos aos antecedentes da semana: outra multidão, a de Ramos, aclamaria a esperança de profundas transformações na sociedade, negando apoio ao jogo político dos tiranos.
Estavam envolvidas, as duas multidões, na luta dos trabalhadores, artesãos, pastores, diaristas, comerciantes, assalariados, ceifadores, safristas: “Eis que o salário que sonegastes dos trabalhadores que ceifaram vossos campos alcançam os ouvidos do Senhor” (Tiago 5,4). Sem terras, trabalhadores, gemem, enquanto sujeitos aos senhores da economia agrícola e pecuária desse tempo. O mendigo come com os cães, disputando um lugar próximo da mesa do rico (Lucas 16,16 ss); chicaneiros, cobradores comissionados (sistema bancário), extorquem a população constantemente sujeita a empréstimos, impostos, juros, injustificáveis (Lucas 19.8; 3.14); juízes mandam confiscar bens de famílias emprobrecidas que não podem pagar o que o Estado cobra (Hebreus 10.34).
A população pobre sofre boicote econômico, obrigada a racionamentos de produtos essenciais, quando a autoridade imperial manda impedir que pais de família “não comprem e não vendam”, a não ser o que o Estado permite (Apocalipse 13.17). Enquanto isso, a atividade religiosa, sob abusos apoiados em regulamentos religiosos, escorcha os fiéis, obrigando-os ao dízimo compulsório, pela ameaça de exclusão e anatemização. Intérpretes da Bíblia do momento, escribas, são acusados de “devorar os lares das viúvas e fazer longas orações consagratórias das ofertas compulsórias” (Marcos 12.40).
É preciso citar nomes, personagens da elite abastada, se eles são tão conhecidos quanto o são personagens do Congresso, nos dias de hoje, envolvidos com a opressão de trabalhadores e do próprio povo? Em poucas palavras não se pode contar uma história, como as relatadas pelos profetas bíblicos ao longo de 1.000 anos de monarquias corruptas em Israel e de dominações imperialistas que chegam à Judéia dos herodianos no tempo de Jesus e dos apóstolos do Novo Testamento. A tragédia do povo bíblico não se conta em dois parágrafos.
Uma condenação política à morte difere muito da morte biológica das criaturas da natureza. Ou seja, a morte compõe o lugar do mistério que se quer desvendar, mas não se consegue. É uma espécie de buraco negro no espaço da existência humana, lugar onde a angústia de ser humano e finito é apaziguada de uma vez por todas. A angústia – quando se pergunta: “morrer por quê”? –, conforme Heidegger, é, dentre todos os sentimentos e modos da existência humana, aquilo que pode reconduzir alguém ao encontro de sua totalidade, sua plenitude. Através da morte em favor de outros; morte por uma causa de alto valor humanitário. Quando oculta-se a necessidade de renovação, como sociedade, enquanto esse alguém ressuscitaria solidária e incessantemente a vida digna, a liberdade, juntamente com o coletivo a seu redor.
O texto bíblico escapa à descrição, e vai além. Por quê? Certamente porque a Ressurreição é um ato de fé, como a esperança que transcende à compreensão humana. Há pessoas portadoras de mensagens, enquanto a descrição da cena vai crescendo, impactando; enquanto se chama mais atenção para o acontecimento extraordinário da Ressurreição do Senhor. Cristo come com os discípulos, e com eles bebe o vinho da comunhão (“eucharistia”).
Falando da ressurreição do Senhor, falaremos também da intervenção de Deus na história dos sofredores – que estiveram ausentes nas manifestações ruidosas e espetaculares, recentes, nas grandes cidades brasileiras –, vítimas dos pecados das estruturas de poder; vítimas dos próprios pecados, conivência e omissão. Pecados da sociedade opressora que se sustenta na injustiça e na desigualdade, e quer vê-las prevalecer.
Os sacrificados na sociedade excludente, aquela em manifestações insistentes em busca de cidadania seletiva, privilegiada, diferenciada, nostálgica quanto às desigualdades admitidas em regimes autoritários, colocam-se diante da história recente da nação. Todas as ressurreições do corpo, econômicas, políticas, sociais, além da ressurreição do próprio ser, passam a ser possíveis, sob o prisma da Ressurreição do Senhor.
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Estavam envolvidas, as duas multidões, na luta dos trabalhadores, artesãos, pastores, diaristas, comerciantes, assalariados, ceifadores, safristas: “Eis que o salário que sonegastes dos trabalhadores que ceifaram vossos campos alcançam os ouvidos do Senhor” (Tiago 5,4). Sem terras, trabalhadores, gemem, enquanto sujeitos aos senhores da economia agrícola e pecuária desse tempo. O mendigo come com os cães, disputando um lugar próximo da mesa do rico (Lucas 16,16 ss); chicaneiros, cobradores comissionados (sistema bancário), extorquem a população constantemente sujeita a empréstimos, impostos, juros, injustificáveis (Lucas 19.8; 3.14); juízes mandam confiscar bens de famílias emprobrecidas que não podem pagar o que o Estado cobra (Hebreus 10.34).
A população pobre sofre boicote econômico, obrigada a racionamentos de produtos essenciais, quando a autoridade imperial manda impedir que pais de família “não comprem e não vendam”, a não ser o que o Estado permite (Apocalipse 13.17). Enquanto isso, a atividade religiosa, sob abusos apoiados em regulamentos religiosos, escorcha os fiéis, obrigando-os ao dízimo compulsório, pela ameaça de exclusão e anatemização. Intérpretes da Bíblia do momento, escribas, são acusados de “devorar os lares das viúvas e fazer longas orações consagratórias das ofertas compulsórias” (Marcos 12.40).
É preciso citar nomes, personagens da elite abastada, se eles são tão conhecidos quanto o são personagens do Congresso, nos dias de hoje, envolvidos com a opressão de trabalhadores e do próprio povo? Em poucas palavras não se pode contar uma história, como as relatadas pelos profetas bíblicos ao longo de 1.000 anos de monarquias corruptas em Israel e de dominações imperialistas que chegam à Judéia dos herodianos no tempo de Jesus e dos apóstolos do Novo Testamento. A tragédia do povo bíblico não se conta em dois parágrafos.
Uma condenação política à morte difere muito da morte biológica das criaturas da natureza. Ou seja, a morte compõe o lugar do mistério que se quer desvendar, mas não se consegue. É uma espécie de buraco negro no espaço da existência humana, lugar onde a angústia de ser humano e finito é apaziguada de uma vez por todas. A angústia – quando se pergunta: “morrer por quê”? –, conforme Heidegger, é, dentre todos os sentimentos e modos da existência humana, aquilo que pode reconduzir alguém ao encontro de sua totalidade, sua plenitude. Através da morte em favor de outros; morte por uma causa de alto valor humanitário. Quando oculta-se a necessidade de renovação, como sociedade, enquanto esse alguém ressuscitaria solidária e incessantemente a vida digna, a liberdade, juntamente com o coletivo a seu redor.
O texto bíblico escapa à descrição, e vai além. Por quê? Certamente porque a Ressurreição é um ato de fé, como a esperança que transcende à compreensão humana. Há pessoas portadoras de mensagens, enquanto a descrição da cena vai crescendo, impactando; enquanto se chama mais atenção para o acontecimento extraordinário da Ressurreição do Senhor. Cristo come com os discípulos, e com eles bebe o vinho da comunhão (“eucharistia”).
Falando da ressurreição do Senhor, falaremos também da intervenção de Deus na história dos sofredores – que estiveram ausentes nas manifestações ruidosas e espetaculares, recentes, nas grandes cidades brasileiras –, vítimas dos pecados das estruturas de poder; vítimas dos próprios pecados, conivência e omissão. Pecados da sociedade opressora que se sustenta na injustiça e na desigualdade, e quer vê-las prevalecer.
Os sacrificados na sociedade excludente, aquela em manifestações insistentes em busca de cidadania seletiva, privilegiada, diferenciada, nostálgica quanto às desigualdades admitidas em regimes autoritários, colocam-se diante da história recente da nação. Todas as ressurreições do corpo, econômicas, políticas, sociais, além da ressurreição do próprio ser, passam a ser possíveis, sob o prisma da Ressurreição do Senhor.
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É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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