Opinião
- 27 de agosto de 2018
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Não se preocupe em tornar o Evangelho relevante
Por Isabella Passos
A resposta cristã para o mundo é, por si mesma, relevante. Não há nada que se possa fazer para aumentar ou diminuir a sua relevância. Porém, andamos a confundir relevância com compreensibilidade, fazendo parecer que, se adotarmos certos sentidos, valores, narrativas ou relações, podemos assim atribuir a relevância que nossa geração reclama ao Evangelho. Não, não podemos. Ele é relevante muito antes de nós e mesmo antes da fundação do mundo, pois é a própria realidade pela qual tudo subsiste. Ainda que alguns de nós aceite ou não.
Daqueles que buscam erroneamente empregar relevância ao Evangelho, dois caminhos são bastante comuns nos termos desta crítica: o primeiro, deixando de evidenciá-lo com todas as palavras e atos na distinção que requer um mundo em franca negação ao Cristianismo. O segundo, embalando-o em defesas culturais que acabam por esvaziar a sua distinção enquanto resposta absoluta e presente desde sempre no mundo.
Então, no primeiro grupo, há aqueles que exercitam a sua fé por meio de atos de serviços, bondade e acolhimento, mas que em última instância não comunicam nada além do esperado de uma pessoa minimamente ética. Inclusive, tais atos têm sido razoavelmente defendidos por ateus que alegam que não precisamos de Deus para sermos morais, através de um paradigma ético bastante disseminado, o altruísmo ético. Em sua forma gospel, ele é traduzido por aquele típico pensamento que considera que há pessoas boas fora da fé cristã e que essas pessoas não sofrerão qualquer juízo excludente da parte de Deus. Afinal de contas, se Deus é amor... Então está tudo resolvido.
Mas veja só. Não que a bondade não seja um valor. A questão é que se não há espaço para o reconhecimento de uma fonte distintiva, endereçada, que traduza o fundamento da bondade e de suas exigências, o que estamos fazendo é praticando a decência comum e esperando que os outros a tributem, por algum acidente, a Deus. E concordo que seja lamentável que alguns nem isso consigam fazer, mas, de novo, ser agradável, gentil, útil, respeitoso e na maioria das vezes “uma boa pessoa”, não é o mesmo que entender, viver e comunicar o Evangelho de Cristo.
Por outro lado, estamos cansados de pirotecnia, manipulação, assédio, agendas ocultas, mentiras, abusos e intolerâncias associadas aos oportunistas em nome do “Evangelho de Cristo”. Há um custo enorme às pessoas e à igreja pela (i)moralidade pública de seus membros, mas, isso não deveria nos autorizar, por exemplo, a confundir o Evangelho com agendas culturais que têm seduzido muitos de nossos amigos. Tem muita gente achando que, por missão cristã, está liberada a combater todo tipo de irracionalismo do meio cristão, quando na verdade estão apenas acriticamente sendo úteis a prerrogativas que não tem qualquer apreço ou responsabilidade para com aquilo que estão censurando. Nem tão pouco guardam qualquer preocupação com o que será feito após o aguerrido processo de desmontagem. E talvez isso explique por que muitos passam a assumir identidades que a médio ou longo prazo acabam minando sua própria experiência de fé. Afinal, como dizem por aí, se o pessoal é político, então, meu caro, não há qualquer núcleo seguro nesse embate. Nem mesmo aquele da dimensão da fé.
E aqui vale tentar demonstrar o perigo interpretativo desse tipo de inversão, lançando mão da cena em que Cristo se direciona à mulher pega em adultério, quando diz; “nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais” (João 8:11). Apesar de preferirmos colocar o enfoque na mulher, retirando a sua agência moral, Cristo parece estar tratando com o pecado de todos os envolvidos naquela disputa. Inclusive tratando com o pecado da própria mulher. Naquilo que alcança diretamente cada um, Ele está convocando uma imediata revisão de consciência da parte de todos os envolvidos. Ao final, os acusadores seguem o seu caminho mostrando ao menos terem reconhecido alguma debilidade própria. E, sem o registro da resposta quanto ao “não peques mais”, a mulher também segue o seu caminho. O que temos aqui, então, é a exposição da parte de Cristo do pecado presente em todos os envolvidos, ao modo de como o Evangelho trata com um cenário de múltiplos pecados. E não um cálculo em vista de demonstrar a “relevância” do Evangelho ao tentar parecer que a imoralidade daquela mulher não fosse importante ao contexto daquela tratativa. Sobre a mulher, Jesus não estava ali sendo um feminista. Jesus em momento algum desconsiderou o pecado dela como se tivesse que fazer uma concessão entre os lados. Pelo contrário, em um gesto, descortinou a pecaminosidade de todos, não deixando de fechar a cena com um imperativo terminante à mulher: “não peques mais”. Cumpriu a Lei, fornecendo a compreensibilidade que não havia entre eles (Mateus 5:17).
Talvez por isso, C. S. Lewis tenha dito que, se fosse recomendar uma religião para fazer alguém se sentir feliz e realizado, não recomendaria o Cristianismo. Talvez seja porque se considerado o trato com a realidade, o Evangelho de Cristo nos exigiria uma existência permeada por um pensar e agir de outra natureza. Menos fragmentada e frágil nas razões. Traduzida por um amor verbal, demonstrativo, intencional, capaz de modelar uma ação que não se permite ser confundida com qualquer outra agenda que não seja às próprias reivindicações do Evangelho e o modo particular como ele trata com o mundo e com as pessoas. E, nesse sentido, cabe a cada geração de cristãos identificar e não permitir que a compreensibilidade – sempre necessária – seja confundida com uma aposta de relevância condicionada ao tempo. Uma compreensibilidade através da palavra e da ação. E ambas conformadas radicalmente entre si.
• Isabella Passos é formada em Filosofia pela PUC-MG. Mora em Belo Horizonte e congrega na Igreja Esperança.
Foto: Ryan McGuire. Licença por Gratisography.
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» Relevância não é uma virtude; fidelidade, sim
» Um Ano com C. S. Lewis – Leituras diárias de suas obras clássicas
A resposta cristã para o mundo é, por si mesma, relevante. Não há nada que se possa fazer para aumentar ou diminuir a sua relevância. Porém, andamos a confundir relevância com compreensibilidade, fazendo parecer que, se adotarmos certos sentidos, valores, narrativas ou relações, podemos assim atribuir a relevância que nossa geração reclama ao Evangelho. Não, não podemos. Ele é relevante muito antes de nós e mesmo antes da fundação do mundo, pois é a própria realidade pela qual tudo subsiste. Ainda que alguns de nós aceite ou não.
Daqueles que buscam erroneamente empregar relevância ao Evangelho, dois caminhos são bastante comuns nos termos desta crítica: o primeiro, deixando de evidenciá-lo com todas as palavras e atos na distinção que requer um mundo em franca negação ao Cristianismo. O segundo, embalando-o em defesas culturais que acabam por esvaziar a sua distinção enquanto resposta absoluta e presente desde sempre no mundo.
Então, no primeiro grupo, há aqueles que exercitam a sua fé por meio de atos de serviços, bondade e acolhimento, mas que em última instância não comunicam nada além do esperado de uma pessoa minimamente ética. Inclusive, tais atos têm sido razoavelmente defendidos por ateus que alegam que não precisamos de Deus para sermos morais, através de um paradigma ético bastante disseminado, o altruísmo ético. Em sua forma gospel, ele é traduzido por aquele típico pensamento que considera que há pessoas boas fora da fé cristã e que essas pessoas não sofrerão qualquer juízo excludente da parte de Deus. Afinal de contas, se Deus é amor... Então está tudo resolvido.
Mas veja só. Não que a bondade não seja um valor. A questão é que se não há espaço para o reconhecimento de uma fonte distintiva, endereçada, que traduza o fundamento da bondade e de suas exigências, o que estamos fazendo é praticando a decência comum e esperando que os outros a tributem, por algum acidente, a Deus. E concordo que seja lamentável que alguns nem isso consigam fazer, mas, de novo, ser agradável, gentil, útil, respeitoso e na maioria das vezes “uma boa pessoa”, não é o mesmo que entender, viver e comunicar o Evangelho de Cristo.
Por outro lado, estamos cansados de pirotecnia, manipulação, assédio, agendas ocultas, mentiras, abusos e intolerâncias associadas aos oportunistas em nome do “Evangelho de Cristo”. Há um custo enorme às pessoas e à igreja pela (i)moralidade pública de seus membros, mas, isso não deveria nos autorizar, por exemplo, a confundir o Evangelho com agendas culturais que têm seduzido muitos de nossos amigos. Tem muita gente achando que, por missão cristã, está liberada a combater todo tipo de irracionalismo do meio cristão, quando na verdade estão apenas acriticamente sendo úteis a prerrogativas que não tem qualquer apreço ou responsabilidade para com aquilo que estão censurando. Nem tão pouco guardam qualquer preocupação com o que será feito após o aguerrido processo de desmontagem. E talvez isso explique por que muitos passam a assumir identidades que a médio ou longo prazo acabam minando sua própria experiência de fé. Afinal, como dizem por aí, se o pessoal é político, então, meu caro, não há qualquer núcleo seguro nesse embate. Nem mesmo aquele da dimensão da fé.
E aqui vale tentar demonstrar o perigo interpretativo desse tipo de inversão, lançando mão da cena em que Cristo se direciona à mulher pega em adultério, quando diz; “nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais” (João 8:11). Apesar de preferirmos colocar o enfoque na mulher, retirando a sua agência moral, Cristo parece estar tratando com o pecado de todos os envolvidos naquela disputa. Inclusive tratando com o pecado da própria mulher. Naquilo que alcança diretamente cada um, Ele está convocando uma imediata revisão de consciência da parte de todos os envolvidos. Ao final, os acusadores seguem o seu caminho mostrando ao menos terem reconhecido alguma debilidade própria. E, sem o registro da resposta quanto ao “não peques mais”, a mulher também segue o seu caminho. O que temos aqui, então, é a exposição da parte de Cristo do pecado presente em todos os envolvidos, ao modo de como o Evangelho trata com um cenário de múltiplos pecados. E não um cálculo em vista de demonstrar a “relevância” do Evangelho ao tentar parecer que a imoralidade daquela mulher não fosse importante ao contexto daquela tratativa. Sobre a mulher, Jesus não estava ali sendo um feminista. Jesus em momento algum desconsiderou o pecado dela como se tivesse que fazer uma concessão entre os lados. Pelo contrário, em um gesto, descortinou a pecaminosidade de todos, não deixando de fechar a cena com um imperativo terminante à mulher: “não peques mais”. Cumpriu a Lei, fornecendo a compreensibilidade que não havia entre eles (Mateus 5:17).
Talvez por isso, C. S. Lewis tenha dito que, se fosse recomendar uma religião para fazer alguém se sentir feliz e realizado, não recomendaria o Cristianismo. Talvez seja porque se considerado o trato com a realidade, o Evangelho de Cristo nos exigiria uma existência permeada por um pensar e agir de outra natureza. Menos fragmentada e frágil nas razões. Traduzida por um amor verbal, demonstrativo, intencional, capaz de modelar uma ação que não se permite ser confundida com qualquer outra agenda que não seja às próprias reivindicações do Evangelho e o modo particular como ele trata com o mundo e com as pessoas. E, nesse sentido, cabe a cada geração de cristãos identificar e não permitir que a compreensibilidade – sempre necessária – seja confundida com uma aposta de relevância condicionada ao tempo. Uma compreensibilidade através da palavra e da ação. E ambas conformadas radicalmente entre si.
• Isabella Passos é formada em Filosofia pela PUC-MG. Mora em Belo Horizonte e congrega na Igreja Esperança.
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