Opinião
- 17 de janeiro de 2011
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Não à naturalização do descaso
O governo federal divulgou nos últimos dias os dados sobre os impactos provocados pelas chuvas em 2010. Foram atingidas 7,8 milhões de pessoas em 1.211 municípios. Registraram-se 473 mortes e mais de 100 mil desabrigados. Esses números, infelizmente, mantêm a curva ascendente que se verifica ano após ano.
De 2007 a 2009, a população afetada dobrou, de 2,5 milhões para 5,5 milhões. A primeira semana de 2011 ainda não havia terminado e já tomávamos conhecimento pela imprensa das primeiras vítimas das chuvas no ano, como Deise e seu filho Tauã em Mauá (SP), um homem de 38 anos em Santa Rita do Sapucaí (MG) e três crianças na região de Petrópolis (RJ).
Tenho dito que os eventos são naturais, mas a exposição de pessoas, principalmente a população mais pobre, a esses eventos é fruto da omissão do Estado brasileiro. Sabemos que o aquecimento do clima provoca eventos extremos com mais intensidade e mais freqüência.
Avançamos no conhecimento e na capacidade de previsão dos ciclos climáticos. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) anunciou no final do ano passado o início dos testes com o supercomputador Tupã, um dos mais potentes no mundo. Ele se soma a uma equipe de técnicos e cientistas qualificados, entre eles o próprio diretor-geral do Inpe, Gilberto Câmara, e um dos maiores especialistas em Mudanças Climáticas, Carlos Nobre, recem empossado como Secretário Nacional de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministro de Ciência e Tecnologia.
A intenção do ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, é criar um centro de prevenção de catástrofes. Nada mais oportuno, posto ser fundamental transformar as informações já disponíveis (e são muitas) em ações efetivas, em capacidade de organização para evitar que eventos naturais se transformem em tragédias para a vida de milhões de famílias a cada final e início de ano.
O Plano Nacional sobre Mudança do Clima dedica poucas linhas para uma questão central em qualquer política de prevenção – o Mapa de Vulnerabilidades. Os avanços obtidos desde a publicação do Plano, em dezembro de 2008, ainda são tímidos nessa área.
A estruturação de um Sistema Nacional de Defesa Civil também é incipiente, sem uma carreira definida para seus agentes e com previsão da reativação do Fundo Nacional ainda pouco clara. Ainda estamos na situação de direcionar muito mais recursos para a recuperação de danos do que a prevenção. No ano passado, foram R$ 1,84 bilhões destinados após a ocorrência de desastres ambientais e R$ 128 milhões para evitar que eles acontecessem.
O Mapa de Vulnerabilidades é apenas a base para o desenvolvimento de um Sistema de Alerta a eventos críticos, que precisa contemplar a construção de obras preventivas, como “piscinões” e proteção de encostas, e a remoção das casas em áreas de risco, nos casos em que as obras não são capazes de eliminar o risco. Mas essas ações específicas só funcionarão se as questões mais estruturantes forem adequadamente tratadas, como saneamento básico, recolhimento e correta destinação do lixo, respeito à legislação ambiental (principalmente em relação às Áreas de Proteção Permanente) e um forte investimento em planejamento urbano, com a implementação efetiva dos Planos Diretores e o respeito aos Códigos de Postura municipais.
Como vemos, a natureza das ações é ampla e envolve vários ministérios e governos estaduais e municipais. Por isso propus aos dois candidatos, no início do segundo turno da campanha eleitoral, a criação de uma Agência reguladora para a Política Nacional de Mudanças Climáticas.
A então candidata Dilma mostrou concordância com a criação de uma instância para “coordenar, implementar e monitorar” iniciativas nesse setor. Na fase de transição de governo, foi comentada pela imprensa a possibilidade de criação de uma Secretaria Especial vinculada à Presidência da República, o que acabou não se efetivando.
Frente aos primeiros sinais de agravamento da situação que pode afetar milhões de famílias, a presidente Dilma deveria convocar, por meio da Casa Civil, os ministros mais diretamente relacionados à prevenção e resposta aos desastres ambientais para articular as ações que possam evitar, ou pelo menos minimizar, novas tragédias. O Conselho Nacional de Defesa Civil também deveria ser reunido o mais rapidamente possível para acelerar os processos de estruturação do Sistema Nacional.
Em suma, não podemos esperar as próximas manchetes na imprensa para tomar providências.
Marina Silva, 52, é senadora do Acre pelo PV, foi candidata do partido à Presidência da República nestas eleições e ministra do Meio Ambiente do governo Lula (2003-2008). Em 2011, é a responsável pela seção “Meio Ambiente e Fé Cristã”, da revista Ultimato. Artigo publicado no blog da autora: www.minhamarina.org.br
Imagem: Valter Campanato/ABr
De 2007 a 2009, a população afetada dobrou, de 2,5 milhões para 5,5 milhões. A primeira semana de 2011 ainda não havia terminado e já tomávamos conhecimento pela imprensa das primeiras vítimas das chuvas no ano, como Deise e seu filho Tauã em Mauá (SP), um homem de 38 anos em Santa Rita do Sapucaí (MG) e três crianças na região de Petrópolis (RJ).
Tenho dito que os eventos são naturais, mas a exposição de pessoas, principalmente a população mais pobre, a esses eventos é fruto da omissão do Estado brasileiro. Sabemos que o aquecimento do clima provoca eventos extremos com mais intensidade e mais freqüência.
Avançamos no conhecimento e na capacidade de previsão dos ciclos climáticos. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) anunciou no final do ano passado o início dos testes com o supercomputador Tupã, um dos mais potentes no mundo. Ele se soma a uma equipe de técnicos e cientistas qualificados, entre eles o próprio diretor-geral do Inpe, Gilberto Câmara, e um dos maiores especialistas em Mudanças Climáticas, Carlos Nobre, recem empossado como Secretário Nacional de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministro de Ciência e Tecnologia.
A intenção do ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, é criar um centro de prevenção de catástrofes. Nada mais oportuno, posto ser fundamental transformar as informações já disponíveis (e são muitas) em ações efetivas, em capacidade de organização para evitar que eventos naturais se transformem em tragédias para a vida de milhões de famílias a cada final e início de ano.
O Plano Nacional sobre Mudança do Clima dedica poucas linhas para uma questão central em qualquer política de prevenção – o Mapa de Vulnerabilidades. Os avanços obtidos desde a publicação do Plano, em dezembro de 2008, ainda são tímidos nessa área.
A estruturação de um Sistema Nacional de Defesa Civil também é incipiente, sem uma carreira definida para seus agentes e com previsão da reativação do Fundo Nacional ainda pouco clara. Ainda estamos na situação de direcionar muito mais recursos para a recuperação de danos do que a prevenção. No ano passado, foram R$ 1,84 bilhões destinados após a ocorrência de desastres ambientais e R$ 128 milhões para evitar que eles acontecessem.
O Mapa de Vulnerabilidades é apenas a base para o desenvolvimento de um Sistema de Alerta a eventos críticos, que precisa contemplar a construção de obras preventivas, como “piscinões” e proteção de encostas, e a remoção das casas em áreas de risco, nos casos em que as obras não são capazes de eliminar o risco. Mas essas ações específicas só funcionarão se as questões mais estruturantes forem adequadamente tratadas, como saneamento básico, recolhimento e correta destinação do lixo, respeito à legislação ambiental (principalmente em relação às Áreas de Proteção Permanente) e um forte investimento em planejamento urbano, com a implementação efetiva dos Planos Diretores e o respeito aos Códigos de Postura municipais.
Como vemos, a natureza das ações é ampla e envolve vários ministérios e governos estaduais e municipais. Por isso propus aos dois candidatos, no início do segundo turno da campanha eleitoral, a criação de uma Agência reguladora para a Política Nacional de Mudanças Climáticas.
A então candidata Dilma mostrou concordância com a criação de uma instância para “coordenar, implementar e monitorar” iniciativas nesse setor. Na fase de transição de governo, foi comentada pela imprensa a possibilidade de criação de uma Secretaria Especial vinculada à Presidência da República, o que acabou não se efetivando.
Frente aos primeiros sinais de agravamento da situação que pode afetar milhões de famílias, a presidente Dilma deveria convocar, por meio da Casa Civil, os ministros mais diretamente relacionados à prevenção e resposta aos desastres ambientais para articular as ações que possam evitar, ou pelo menos minimizar, novas tragédias. O Conselho Nacional de Defesa Civil também deveria ser reunido o mais rapidamente possível para acelerar os processos de estruturação do Sistema Nacional.
Em suma, não podemos esperar as próximas manchetes na imprensa para tomar providências.
Marina Silva, 52, é senadora do Acre pelo PV, foi candidata do partido à Presidência da República nestas eleições e ministra do Meio Ambiente do governo Lula (2003-2008). Em 2011, é a responsável pela seção “Meio Ambiente e Fé Cristã”, da revista Ultimato. Artigo publicado no blog da autora: www.minhamarina.org.br
Imagem: Valter Campanato/ABr
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