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- 06 de março de 2020
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Minha Maria abençoando outras Marias
Por Silvana Bezerra Magalhães
Que difícil terminar esse quadro. Um dos mais difíceis. Não, não pela técnica ou desenho, mas pelo que ele representou e a história que eu (não) queria contar.
Comecei há meses. Primeiro, seria só em preto e branco, cores escuras, talvez. As cores falavam do luto que eu sentia ao pensar no que ele representava. Fiquei meses com a tela já desenhada: a ponte, a criança e a mulher. Um precipício no início.
O João Diniz, da Visão Mundial, contou para nós, em Pacaraima, a história que inspirou o quadro. Tinha recém voltado da Colômbia. Milhares de refugiados venezuelanos. Conversou com algumas mulheres que contaram a história de Maria. Todas caminharam muitos dias, fugindo da fome e da dor, em direção a uma vida nova na Colômbia. Maria viajou com o filhinho bebê, que durante o trajeto longo, ao relento, no frio, foi ficando doente. A cada dia pior. Quando atravessavam a ponte, já quase chegando, a mãe vê nos seus braços que o bebê não havia resistido. A dor não é possível de suportar e, num desespero de perder a esperança e o futuro que almejava para o filho, se joga junto com ele da ponte. Eu não o conseguia pintar porque a Maria falava de mim. Que mãe não foge da maior dor que não gostaria de sentir, a perda do seu mais precioso tesouro?
Maria falava de nós, do medo de perder a esperança, de não conseguir prosseguir – porque são muitos os medos e dores de sermos mulheres nesse mundo difícil. De todas as mulheres refugiadas que conheci na fronteira, das mãos calejadas, dos olhos tristes – porque deixaram filhos pequenos com os “abuelos” (avós) para tentar alguma esperança no Brasil. Ou das que vieram atrás do marido, com os filhos, atravessando a pé as “trochas” (trilhas), mas o marido já estava com outra.
Quantas Marias se jogando das pontes da vida. Quantas Marias sem alguém para dar as mãos e evitar que caíssem.
Resolvi enfrentar e terminar o quadro. Não quis mais o luto. Quis pensar e sonhar no caminho que Maria, que todas as Marias, deveriam encontrar. Caminho de flores, suaves, perfumadas, leves. Sonhei com um caminhar diferente para todas as Marias. Sonho com isso todos os dias.
Sonho para todas nós, com todas as dores e dificuldades de sermos mulheres. Imagina o que é, então, ser mulher refugiada, negra, índia, violada, mutilada, vítima da guerra, da fome, da discriminação?
Apesar de tudo, do parto e das dores de produzir esse quadro, terminei mais leve. A cada flor, uma lágrima e uma oração para as Marias do mundo.
O quadro vai se transformar em alguma ação concreta, talvez um sorteio ou reproduzido em camisas. E vai voltar para abençoar as mulheres de Pacaraima. Pensar nisso, me trouxe um pequeno alento. Minha Maria abençoando outras Marias. Antes de caírem da ponte, a tempo de caminharem rumo à esperança.
Texto e pintura de Silvana Bezerra Magalhães. Originalmente publicado no site da RENAS. Reproduzido com permissão.
• Silvana é parceria da Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS) e possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Campinas (1995), Mestrado em Educação (Filosofia da Educação) pela Universidade Estadual de Campinas (2000) e Doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (2006). Atualmente é professora DE do CEFET-Celso Suchow da Fonseca, unidade Nova Friburgo. Atua voluntariamente como orientadora pedagógica em projetos sociais voltados ao atendimento a crianças em comunidades vulneráveis de Nova Friburgo-RJ. Coordenadora voluntária do projeto de Ações Humanitárias e capacitação da parceria ONG Sud Action e Missão Peixes em Kolda – Senegal. Trabalha atualmente com projetos de extensão e pesquisa na área de sociologia da infância, abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Membro da Assembleia da Visão Mundial Brasil. Participa do grupo gestor e colaborou na fundação do Retalhos de Esperança.
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