Opinião
- 21 de março de 2016
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Milagres existem?
Milagres são fenômenos nos quais nem todos acreditam, nem mesmo cristãos, que se tornam cada vez mais céticos. Isso me fez reler o livro “Milagres”, de C. S. Lewis, que sempre me impressionou muito, agora na tradução esplêndida de Ana Schäffer. Eu gostaria de traçar algumas considerações à medida que avanço na leitura.
C.S. Lewis inicia, definindo duas posturas diante do mundo, sua origem e seu funcionamento: a naturalista e a sobrenaturalista. Uma não crê em milagres, a outra, crê.
Essa distinção se mostra atualíssima, na medida em que vemos cada vez mais pessoas que se dizem cristãs por aí, e que abraçam o paradigma naturalista, ou seja, cristãos que admitem que a natureza funciona num sistema fechado que existe e funciona por si mesmo, sem necessidade de ação externa. Ou seja, para eles, Deus até existe, criou a primeira célula e pôs o mundo para funcionar, mas não tem nada que ver com a natureza, que funciona por leis independentes.
Essas pessoas valorizam muito a ciência e as explicações científicas e confiam nelas para a solução de todos os problemas da humanidade. Os milagres, para elas, são coisa do passado, quando não havia explicação científica para os fenômenos. Eles eram muletas à fé que o homem moderno, esclarecido e mais inteligente, dispensa. Para muitos deles não existe nem sequer pós-morte ou a eternidade, coisa que a ciência não explica. Se alguém morre, vira pó e deixa de existir.
Nesse sentido, quem pensa assim pode ser flagrantemente confundido com um ateu, já que Deus se torna uma peça decorativa. Toda a filosofia mecanicista dele parece concordar com a dos ateus, para os quais o mundo veio do nada e ao nada voltará.
Já o sobrenaturalista admite que a natureza funciona, em última instância, graças à influência externa de uma Mente Criativa, que está por trás das leis da natureza, que as sustenta e que não precisa pedir licença para intervir nela quando bem entender.
De certa forma, o sobrenaturalista põe em dúvida os poderes e pretensões da ciência (não a ciência em si). Uma das coisas que ele objeta é que para que a ciência sequer exista, é preciso que haja a razão para pensá-la. Ora, tal razão não pode vir do nada, nem de um sistema fechado. A existência da razão, que significa lógica e ao mesmo tempo motivo e fundamento, é uma prova da existência da Razão Primeira, o Logos Primevo, que a tudo fundamentou e esteve na base de tudo.
Ora, todo o esforço de ateus e naturalistas está em provar que não há esse fundamento e essa motivação externa, esse sentido mais profundo da existência. Mas com isso, eles põem em dúvida a própria prova que estão construindo, serrando o galho em que estão sentados. Eles põem em dúvida o valor do próprio raciocínio e da lógica.
Em outras palavras, o que o naturalista quer provar é que não há provas, e isso é absurdo. Para que haja provas sobre a origem do mundo e a existência humana, o próprio conceito de prova precisa ser posto como pressuposto. Uma prova, para ser considerada como tal, precisa da evidência externa, como qualquer detetive ou pesquisador de laboratório poderia atestar na prática.
Um dos argumentos centrais de Lewis contra o naturalismo, então, é o seguinte:
“Se o valor de nosso raciocínio está sendo posto em dúvida, não pode estabelecê-lo por meio do raciocínio. Se, como já disse, uma prova de que não existem provas é absurda, então isso prova que existem provas. A razão é nosso ponto de partida. Não está em questão atacá-la ou defendê-la”.
(LEWIS, C.S. Milagres. São Paulo: Editora Vida, 2006, p. 39)
O sentido não pode vir da falta dele, da mesma forma que o raciocínio não pode vir da falta de razão. Então, permitam-me fazer um corretivo à frase famosa de Descartes, afirmando: “Penso, logo Deus existe”.
A razão está ligada também ao juízo, o que fica claro quando dizemos para alguém que “tenha juízo”, querendo dizer que "seja razoável" ou que use de prudência ou capacidade de se decidir bem. E o juízo é um julgamento.
Então, o argumento pela concepção de mundo sobrenatural através da razão e da prova nos leva a outro argumento, que é o do julgamento moral:
“Se é para continuar a fazer julgamentos morais (e não importa o que afirmemos, continuaremos fazendo isso), então, devemos acreditar que a consciência do homem não é produto da Natureza. Ela só tem valor se for derivada de alguma sabedoria moral absoluta, uma sabedoria moral que existe absolutamente ‘por si mesma’ e não seja produto de uma Natureza não moral e não racional”.
(LEWIS, C.S. Milagres. São Paulo: Editora Vida, 2006, p. 65)
Se invertermos esse raciocínio, a abordagem que insiste na origem natural das coisas e do mundo, perderemos todos os referenciais do bem e da virtude para o julgamento moral. Então Lewis concorda com Dostoievsky, que dizia que “Se Deus não existe, tudo é permitido”.
Essas reflexões são apenas sobre os primeiros cinco capítulos do livro. E vem mais por aí...
Nota do editor: a Editora Ultimato acaba de lançar a série Ciência e Fé Cristã. Conheça os três primeiros títulos.
Leia também
O processo do milagre
A ciência de Deus (lançamento)
Verdadeiros cientistas, verdadeira fé (lançamento)
Foto: Rose Ann / Freeimages.com
C.S. Lewis inicia, definindo duas posturas diante do mundo, sua origem e seu funcionamento: a naturalista e a sobrenaturalista. Uma não crê em milagres, a outra, crê.
Essa distinção se mostra atualíssima, na medida em que vemos cada vez mais pessoas que se dizem cristãs por aí, e que abraçam o paradigma naturalista, ou seja, cristãos que admitem que a natureza funciona num sistema fechado que existe e funciona por si mesmo, sem necessidade de ação externa. Ou seja, para eles, Deus até existe, criou a primeira célula e pôs o mundo para funcionar, mas não tem nada que ver com a natureza, que funciona por leis independentes.
Essas pessoas valorizam muito a ciência e as explicações científicas e confiam nelas para a solução de todos os problemas da humanidade. Os milagres, para elas, são coisa do passado, quando não havia explicação científica para os fenômenos. Eles eram muletas à fé que o homem moderno, esclarecido e mais inteligente, dispensa. Para muitos deles não existe nem sequer pós-morte ou a eternidade, coisa que a ciência não explica. Se alguém morre, vira pó e deixa de existir.
Nesse sentido, quem pensa assim pode ser flagrantemente confundido com um ateu, já que Deus se torna uma peça decorativa. Toda a filosofia mecanicista dele parece concordar com a dos ateus, para os quais o mundo veio do nada e ao nada voltará.
Já o sobrenaturalista admite que a natureza funciona, em última instância, graças à influência externa de uma Mente Criativa, que está por trás das leis da natureza, que as sustenta e que não precisa pedir licença para intervir nela quando bem entender.
De certa forma, o sobrenaturalista põe em dúvida os poderes e pretensões da ciência (não a ciência em si). Uma das coisas que ele objeta é que para que a ciência sequer exista, é preciso que haja a razão para pensá-la. Ora, tal razão não pode vir do nada, nem de um sistema fechado. A existência da razão, que significa lógica e ao mesmo tempo motivo e fundamento, é uma prova da existência da Razão Primeira, o Logos Primevo, que a tudo fundamentou e esteve na base de tudo.
Ora, todo o esforço de ateus e naturalistas está em provar que não há esse fundamento e essa motivação externa, esse sentido mais profundo da existência. Mas com isso, eles põem em dúvida a própria prova que estão construindo, serrando o galho em que estão sentados. Eles põem em dúvida o valor do próprio raciocínio e da lógica.
Em outras palavras, o que o naturalista quer provar é que não há provas, e isso é absurdo. Para que haja provas sobre a origem do mundo e a existência humana, o próprio conceito de prova precisa ser posto como pressuposto. Uma prova, para ser considerada como tal, precisa da evidência externa, como qualquer detetive ou pesquisador de laboratório poderia atestar na prática.
Um dos argumentos centrais de Lewis contra o naturalismo, então, é o seguinte:
“Se o valor de nosso raciocínio está sendo posto em dúvida, não pode estabelecê-lo por meio do raciocínio. Se, como já disse, uma prova de que não existem provas é absurda, então isso prova que existem provas. A razão é nosso ponto de partida. Não está em questão atacá-la ou defendê-la”.
(LEWIS, C.S. Milagres. São Paulo: Editora Vida, 2006, p. 39)
O sentido não pode vir da falta dele, da mesma forma que o raciocínio não pode vir da falta de razão. Então, permitam-me fazer um corretivo à frase famosa de Descartes, afirmando: “Penso, logo Deus existe”.
A razão está ligada também ao juízo, o que fica claro quando dizemos para alguém que “tenha juízo”, querendo dizer que "seja razoável" ou que use de prudência ou capacidade de se decidir bem. E o juízo é um julgamento.
Então, o argumento pela concepção de mundo sobrenatural através da razão e da prova nos leva a outro argumento, que é o do julgamento moral:
“Se é para continuar a fazer julgamentos morais (e não importa o que afirmemos, continuaremos fazendo isso), então, devemos acreditar que a consciência do homem não é produto da Natureza. Ela só tem valor se for derivada de alguma sabedoria moral absoluta, uma sabedoria moral que existe absolutamente ‘por si mesma’ e não seja produto de uma Natureza não moral e não racional”.
(LEWIS, C.S. Milagres. São Paulo: Editora Vida, 2006, p. 65)
Se invertermos esse raciocínio, a abordagem que insiste na origem natural das coisas e do mundo, perderemos todos os referenciais do bem e da virtude para o julgamento moral. Então Lewis concorda com Dostoievsky, que dizia que “Se Deus não existe, tudo é permitido”.
Essas reflexões são apenas sobre os primeiros cinco capítulos do livro. E vem mais por aí...
Nota do editor: a Editora Ultimato acaba de lançar a série Ciência e Fé Cristã. Conheça os três primeiros títulos.
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Foto: Rose Ann / Freeimages.com
É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
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