Opinião
- 12 de junho de 2019
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Meus heróis são de carne e osso... e eu também!
Por Tábata Mori
Para os fãs da Marvel que estavam ansiosos por ver o deus do trovão gato, sarado e com aquele olhar 44... Atenção para o spoiler: acharam um depressivo afogado em cerveja. A minha versão mais light achou decepcionante, a minha versão mais crítica, patético. A minha versão mais humilde foi obrigada a me ver e lembrar que já passei por isso.
Preciso ressaltar que falo do Thor de carne e osso, e não o deus do trovão, pois no que se refere à sua divindade, sou da turma do Capitão América: “Só existe um Deus, e ele não se veste assim”.
Família e bons amigos são essenciais em tempos de crise. Talvez você não tenha uma Valquíria, o Hulk ou o Homem de Ferro, mas com certeza você tem um superamigo!
Receber muito: Enquanto o rei Thor comia, bebia e ganhava alguns quilinhos, Brunnhilde, a guerreira Valquíria, governava Nova Asgard. Não para tomar o lugar dele, mas para lhe dar suporte ou quem sabe devolver o apoio que recebeu em “Thor: Ragnarok”. Na depressão, às vezes, não conseguimos dar contar das nossas tarefas mais básicas como cozinhar, tomar banho ou sair de casa. No entanto, amigos e familiares nos cercam com seu cuidado, que precisamos receber graciosamente.
Criticar-se menos: Thor tem a oportunidade de viajar ao passado e reencontrar sua mãe, Frigga, também amiga e conselheira. Ao vê-la, Thor não sente alegria, mas pesar por tê-la perdido. Para sua sorte, ela o encontra e reconhece que ele vem do futuro. Sabiamente ela diz que não está decepcionada, porque entende que ele é humano e isso é normal, mas o encoraja dizendo que ele precisa ser o homem para o qual nasceu para ser. Algumas pessoas olham para nós, como eu olhei para o Thor, e nos acham patéticos, mas essas pessoas não importam. As pessoas que realmente importam não estão decepcionadas conosco, mas entendem nossa humanidade.
Um tapa na cara: às vezes é tudo que precisamos! Fugir é o que queremos. Eu me lembro de ficar desesperada porque tinha que pregar no dia seguinte. Eu era o Thor naquela hora em que o Rocket dá um tapa na cara dele. Talvez não precise ser um tapa de verdade, mas “uma real”: “Escuta, é isso que precisa ser feito, você vai se acalmar e fazer porque é necessário e você consegue”. Nem sempre isso é uma coisa boa na depressão, mas tem coisas que são o mínimo a ser feito e é bom quando alguém está por perto para nos mostrar o que é.
Lembrar seu valor: o clímax maravilhoso, o turning point do nosso herói, é quando ele estende o braço para o Mjölnir e ele vem em sua direção junto com a exclamação: “Eu ainda sou digno!”. E essa dignidade era a despeito da sua mudança. Uma das coisas que me davam paz nos dias de depressão era saber que eu sou o que Deus fez de mim: filha amada, para o louvor da sua glória, que eu lhe dou prazer... mesmo sem conseguir sair da cama, orar, trabalhar ou falar de seu amor para alguém.
Recordar os acertos: temos que combinar, em “Thor: Ragnarok”, Thor salvou muita gente. O Hulk é uma delas e nesse filme ele fala claramente: “Um dia eu precisei de ajuda e tive um amigo... você era esse amigo”. Nosso passado pode ser marcado por erros e dores, lutos e lutas que perdemos, mas também é marcado pela graça e pela bondade. É necessário buscar na nossa história os nossos acertos e celebrá-los.
Esperar a hora certa: ah! o Homem de Ferro (R.I.P.). Ele falou a coisa certa: “Não é sobre ser capaz, mas você não tem condições de fazer isso”. Alguém tinha que estalar os dedos com a Manopla do Infinito. Eu acredito que Thor na sua melhor forma pudesse fazer isso, mas não naquela hora. Ele sentia culpa e buscava por redenção, mas ele não estava em condições de fazer aquilo. Assim, também nós não podemos deixar que o anseio por redimir nossos atos nos coloque em situações ainda piores. Se houver algo a se fazer, pode ser que eu não esteja em condições de fazer, mas pela graça eu permito que outro faça. Contudo, pode ser que a redenção nunca venha, nunca seja possível reverter o que passou e eu tenha que passar pela depressão e sair dela sabendo disso. A sensação de estar em dívida nos adoece ainda mais; precisamos da graça, precisamos saber que toda nossa dívida foi paga e sair da depressão sem pular essa etapa.
Abandonar e seguir em frente: Em todos os filmes do Thor vemos seu dilema de ser um guerreiro, um rei ou outra coisa. Até ele rever Frigga, ele achava que sabia o que seus pais queriam dele, e não queria decepcioná-los. Então ele entende que não nasceu para ser rei e talvez seja isso, talvez – e reforço o talvez - a recuperação exija de nós abandonar alguns fardos que a gente achou que tinha que carregar ou espaços que a gente sempre acreditou que deveria ocupar. E, de brinde, podemos descobrir que não somos insubstituíveis: ninguém vai morrer, a igreja não vai fechar, o projeto não vai acabar e a empresa não vai falir se a gente sair. Apenas seremos substituídos e estaremos livres para ser quem cremos que somos.
No mais, Vingadores traz um ultimato: “Não se trata do que perdemos, mas do que ainda temos”. Curiosamente, minha leitura de hoje dizia: “alegrem-se na esperança” (Romanos 12.12). Temos que parar de olhar para o que perdemos, para o que passou, para quem não faz mais parte da nossa vida. Olhe para o presente, para o que você ainda tem. E olhe para o futuro, tudo que ainda pode ser.
Não será nada milagroso. Eu confesso que eu pensei que quando Thor segurasse o martelo, o trovão soasse, o rock começasse, ele ia aparecer de barba feita e saradão, mas Thor nos ensina isso: a superação é um processo. A queda foi um processo, o levantar-se também será. Não num estalar de dedos da Manopla do Infinito, mas no dia-a-dia de um reencontro com amigos, família e consigo mesmo. Sem pressa, apenas olhando para frente.
• Tábata Mori é jornalista e missionária da Igreja Presbiteriana do Brasil a caminho do Timor-Leste.
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