Opinião
- 08 de dezembro de 2014
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Meia-noite em Paris
“Meia-noite em Paris”, filme de 2011 do legendário Woody Allen, é, como todo filme de Allen, muito bom. Difícil de classificar: comédia romântica? Não, não chega a tanto, apesar de estrelado por um comediante, Owen Wilson. Fantasia? De certa forma, pois, como veremos adiante, contem generosas doses de fantasia – não confundir com ficção científica. Aliás, é o elemento da fantasia que dará sentido à narrativa. Drama? Não, apesar de apresentar elementos de conflitos na vida e lidar com os mesmos de uma maneira extremamente inteligente. Enfim, independentemente de seu gênero, é um filme leve, encantador, enredo simples, mas muitíssimo bem conduzido por Allen, fotografia exuberante, que soube explorar muito bem a beleza da “Cidade Luz”, uma trilha sonora ótima – a deliciosa “Let’s Do It” de Cole Porter é uma das músicas do filme.
Gil, personagem de Owen Wilson, é um roteirista de Hollywood que viaja a Paris na companhia da noiva Inez (Rachel McAddams) e os pais dela. Inez é chata e fútil, só pensa em compras, e não dá importância aos gostos literários do seu noivo, que sonha em ser um grande escritor, como grandes foram todos aqueles que se tornaram suas fontes de inspiração. A mãe de Inez é ainda mais fútil que a filha, e o pai é um típico capitalista da ala direitista do Partido Republicano, que não vê com bons olhos o relacionamento da filha com um moço que é culto, mas que ele considera ingênuo e sem ambição na vida e, pecado dos pecados para um republicano, “socialista e esquerdista”.
Inez e a mãe só querem fazer compras, e Gil quer andar pelas ruas onde seus mestres andaram décadas antes. A situação complica quando Inez se encontra com Paul (Michael Sheen), um antigo namorado, e a noiva dele. Paul é um professor arrogante, pedante e irritante. A bela Carla Bruni faz uma ponta no filme, como guia de turistas no Palácio de Versalhes. É aí que...
Sem explicar como, Gil, caminhando sozinho à meia-noite por uma rua da cidade, é convidado a entrar em um carro antigo, e volta no tempo, para a época que considerou o período mais glorioso da história: a Paris dos anos de 1920. Ele conhece seus grandes “ídolos”: artistas das mais variadas expressões estéticas, incluindo escritores e poetas, como o casal Scott e Zelda Fitzgerald, Ernest Hemingway, Gertrud Stein, Jean Cocteau, Archibald MacLeish, Djuna Barnes, T. S. Elliot, o fotógrafo Man Ray, o músico Cole Porter, o cineasta Luis Buñel e seu amigo, o pintor Salvador Dali, e outro pintor não menos famoso, Pablo Picasso.
É. Hemingway tinha razão: “Paris é uma festa”! A Paris dos anos de 1920 era mesmo. Fiquei pensando se isto acontecesse de fato, se os europeus de quase cem anos atrás não teriam dificuldade em entender um sotaque sulista – texano, para ser mais preciso - tão carregado como o de Gil/Owen.
Durante várias noites Gil vai e volta. Claro que ninguém acredita no que ele conta. Em uma de suas viagens no tempo conhece Adriana, modelo de Picasso, e se encanta pela moça. Só que ela não gosta da Paris dos anos 20. Ela prefere a Paris da “Belle Époque”, de algumas décadas antes. E eis que em uma noite, Gil e Adriana voltam a este tempo, e conhecem os pintores Toulouse-Latrec, Gauguin e Degas. Só que eles não gostavam do seu tempo. Preferiam ter vivido na França na época de Renaissance, século antes...
Por fim, Gil se encontrará afetiva e existencialmente não com a rica, mas insensível Inez, mas com Gabrielle, uma parisiense pobre e simples que sabe dar valor a pequeninos prazeres da vida, como caminhar pela chuva...
Em nenhum momento Allen se preocupa em explicar se as viagens no tempo aconteceram mesmo ou se tudo não passou de algum tipo de alucinação. O filme sugere que as viagens foram reais, porque o detetive contratado pelo pai de Inez para seguir Gil também volta no tempo, mas para a época da Revolução Francesa. Mas não importa. Assim como em “Incidente em Antares”, de Érico Veríssimo, em que jamais se explica porque os mortos voltam à vida e depois tornam a morrer – mas deixam sua “lição” –, o filme de Allen não precisa explicar nada. O “defeito” do filme, se posso dizer, é que muita gente poderá deixar de observar detalhes se não tiver noção de quem foram os artistas e intelectuais que se encontram com Gil quando ele volta no tempo.
Esta é a grande lição do belo “Meia-noite em Paris”: não adianta buscar uma “Era Áurea”, um passado idealizado, talvez mítico, onde tudo era melhor que hoje. O filme de Allen nos faz lembrar do óbvio que com impressionante frequência nos esquecemos: a vida é incompleta e insatisfatória. Muitos vivem assim, ou na lembrança deste passado, não raro idealizado, ou na espera de um futuro em que tudo vai ser melhor. E se esquecem do hoje. Interessante como no terceiro evangelho, “hoje” é um termo técnico para a salvação trazida por Jesus Cristo – em Lucas, a salvação é para “hoje” (cf. 2.11; 4.21; 19.9; 23.43). Esta ideia encontrará eco em textos posteriores do Novo Testamento (cf. Hb 3.15; 4.7).
Na vida, nada é perfeito. Não existe tempo perfeito, par perfeito, emprego perfeito, nada disso. Mas é possível ser feliz “no tempo que se chama hoje”. Woody Allen em “Meia-noite em Paris” nos faz lembrar disto de maneira deliciosamente agradável, leve, e ao mesmo tempo, profunda e tocante.
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Inez e a mãe só querem fazer compras, e Gil quer andar pelas ruas onde seus mestres andaram décadas antes. A situação complica quando Inez se encontra com Paul (Michael Sheen), um antigo namorado, e a noiva dele. Paul é um professor arrogante, pedante e irritante. A bela Carla Bruni faz uma ponta no filme, como guia de turistas no Palácio de Versalhes. É aí que...
Sem explicar como, Gil, caminhando sozinho à meia-noite por uma rua da cidade, é convidado a entrar em um carro antigo, e volta no tempo, para a época que considerou o período mais glorioso da história: a Paris dos anos de 1920. Ele conhece seus grandes “ídolos”: artistas das mais variadas expressões estéticas, incluindo escritores e poetas, como o casal Scott e Zelda Fitzgerald, Ernest Hemingway, Gertrud Stein, Jean Cocteau, Archibald MacLeish, Djuna Barnes, T. S. Elliot, o fotógrafo Man Ray, o músico Cole Porter, o cineasta Luis Buñel e seu amigo, o pintor Salvador Dali, e outro pintor não menos famoso, Pablo Picasso.
É. Hemingway tinha razão: “Paris é uma festa”! A Paris dos anos de 1920 era mesmo. Fiquei pensando se isto acontecesse de fato, se os europeus de quase cem anos atrás não teriam dificuldade em entender um sotaque sulista – texano, para ser mais preciso - tão carregado como o de Gil/Owen.
Durante várias noites Gil vai e volta. Claro que ninguém acredita no que ele conta. Em uma de suas viagens no tempo conhece Adriana, modelo de Picasso, e se encanta pela moça. Só que ela não gosta da Paris dos anos 20. Ela prefere a Paris da “Belle Époque”, de algumas décadas antes. E eis que em uma noite, Gil e Adriana voltam a este tempo, e conhecem os pintores Toulouse-Latrec, Gauguin e Degas. Só que eles não gostavam do seu tempo. Preferiam ter vivido na França na época de Renaissance, século antes...
Por fim, Gil se encontrará afetiva e existencialmente não com a rica, mas insensível Inez, mas com Gabrielle, uma parisiense pobre e simples que sabe dar valor a pequeninos prazeres da vida, como caminhar pela chuva...
Em nenhum momento Allen se preocupa em explicar se as viagens no tempo aconteceram mesmo ou se tudo não passou de algum tipo de alucinação. O filme sugere que as viagens foram reais, porque o detetive contratado pelo pai de Inez para seguir Gil também volta no tempo, mas para a época da Revolução Francesa. Mas não importa. Assim como em “Incidente em Antares”, de Érico Veríssimo, em que jamais se explica porque os mortos voltam à vida e depois tornam a morrer – mas deixam sua “lição” –, o filme de Allen não precisa explicar nada. O “defeito” do filme, se posso dizer, é que muita gente poderá deixar de observar detalhes se não tiver noção de quem foram os artistas e intelectuais que se encontram com Gil quando ele volta no tempo.
Esta é a grande lição do belo “Meia-noite em Paris”: não adianta buscar uma “Era Áurea”, um passado idealizado, talvez mítico, onde tudo era melhor que hoje. O filme de Allen nos faz lembrar do óbvio que com impressionante frequência nos esquecemos: a vida é incompleta e insatisfatória. Muitos vivem assim, ou na lembrança deste passado, não raro idealizado, ou na espera de um futuro em que tudo vai ser melhor. E se esquecem do hoje. Interessante como no terceiro evangelho, “hoje” é um termo técnico para a salvação trazida por Jesus Cristo – em Lucas, a salvação é para “hoje” (cf. 2.11; 4.21; 19.9; 23.43). Esta ideia encontrará eco em textos posteriores do Novo Testamento (cf. Hb 3.15; 4.7).
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É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
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