Opinião
- 07 de maio de 2015
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Mãe: sociedade, espiritualidade e ternura
Mãe evoca sentimentos e imagens paradoxais e por vezes antagônicas na sociedade moderna. De um lado, a figura da mãe como representação de cuidado, afeto, sacrifício, dedicação, abnegação é muito apreciada e respeitada na sociedade. Por outro lado, numa sociedade cada vez mais individualista e que valoriza as pessoas por aquilo que realizam ou possuem, ser mãe integralmente sem ter uma carreira profissional é visto como algo do passado e que tira a liberdade e a individualidade da mulher. Além disso, essa figura pode remeter à ideia tradicional que, para alguns, não retrata a realidade de muitas famílias.
As transformações econômicas, sociais e culturais modernas impõem sobre a família, particularmente à mãe, novos desafios e circunstâncias que provocam modificação ou mesmo redefinição dos papéis e responsabilidades da mulher na família e sociedade. Desse modo, ainda que o estereótipo da mãe tradicional sempre venha à mente, a mãe contemporânea possui obrigações que vão muito além das tradicionalmente atribuídas à progenitora e cuidadora dos filhos.
Provavelmente, são as transformações culturais as mais drásticas e ameaçadoras à família, pois não representam apenas novas dinâmicas das relações familiares, mas, frequentemente, também um desprezo pela formação tradicional da família e do papel da mãe. Em 1971, David Cooper, um psicanalista existencialista britânico, publicou o livro “A morte da família”, no qual argumenta que o poder da família fornece às instituições sociais um paradigma de controle, por isso reforça o poder da classe dominante. Desse modo, a família é vista como prejudicial ao desenvolvimento do indivíduo. Para Cooper, ainda que todo indivíduo precise de cuidado materno e paterno, não significa que precise de pai e mãe. Ele usa da psicanálise para regredir o indivíduo ao estado antes da concepção e o libertá-lo de sua família. Talvez sejam raciocínios como este que estão por trás de alguns projetos de lei e políticas em nosso país que visam a redefinir o conceito de matrimônio e família. Ainda que algumas dessas políticas estejam sob a égide de defesa de direitos de indivíduos, correm o risco de se tornarem absolutas e impositivas.
Por outro lado, a igreja cristã tem historicamente defendido a santidade do matrimônio e dos papéis dos progenitores. Sem negar o desenvolvimento social e cultural, e as realidades históricas e contextuais, a igreja procura preservar os padrões bíblicos de família. Diante dos desafios contemporâneos precisamos reafirmar nossos princípios e convicções sobre o papel da mãe no plano de Deus.
Mãe de todo ser vivente
Gênesis 1.27 repete três vezes a mesma ideia sobre a criação do ser humano, enfatizando cada vez um aspecto. Primeiro, a ênfase está no fato de que Deus criou o ser humano (hebr. ‘adam); segundo, a ênfase está em que Deus o criou à imagem de Deus; terceiro, que a imagem de Deus é composta de macho e fêmea, ou homem e mulher. O fato de Deus criar o ser humano como macho e fêmea destaca a igualdade em natureza. Entretanto, Deus também atribuiu funções distintas ao homem e à mulher na criação.
Desde a criação, a mulher está associada à geração de filhos. Eva é mãe de todo ser vivente (hebr. havah – vivente; Gn 3.20). O homem (hebr. ‘adam), por outro lado, está mais diretamente ligado à terra (hebr. ‘adamá), pois do pó da terra foi tirado. O primeiro homem foi um lavrador, isto é, trabalhador/servo da terra (hebr. ‘obed ‘adamá). Por isso, também, a maldição em decorrência do pecado afeta a mulher justamente na geração de filhos. Em dores ela dará a luz. E a maldição sobre o homem atinge o seu trabalho e a terra (‘adamá) é amaldiçoada. A maldição atinge o homem e a mulher de modo diferente, porém o sofrimento é o mesmo. A mesma palavra hebraica (‘itstsvon) é usada para descrever tanto a dor do parto quanto a fadiga de obter o sustento. Por causa do pecado, a geração e a manutenção da vida na terra se tornaram penosas. Por outro lado, o mandato divino ao ser humano foi de ser fecundo e multiplicar. Esse mandato é reafirmado a Noé em Gn 9.1 e, posteriormente, nas promessas a Abraão (Gn 12.1-3; 15.4-5).
Ser mãe não se limita a uma função social e familiar, mas faz parte de um plano e constituição divina, é vocação da mulher. Ainda que não seja devidamente reconhecida e valorizada na sociedade moderna, felizmente, ainda é um anseio natural de muitas mulheres e deve ser igualmente valorizada pela comunidade cristã.
Abnegação de mãe
A maternidade era um valor tão nítido e importante na sociedade do Antigo Testamento que as mulheres sem filhos se achavam diminuídas e eram, frequentemente, desprezadas. Este é o caso de Ana, mãe de Samuel. Ela suplicou a Deus por um filho. Deus respondeu sua oração. Ela gerou o filho e, depois de desmamá-lo, o dedicou ao Senhor (1Sm 1.27-28). O que levou Ana a pedir um filho a Deus e, em seguida, “devolvê-lo” ao Senhor foi muito mais do que a rivalidade com Penina (1Sm 1.7). Tinha a ver com sua dignidade e papel na família. Mas, sobretudo, a experiência de Ana serve de lição para Israel e para nós. Ao consagrar o seu filho ao Senhor, Ana declara que o traz como devolvido ou dedicado ao Senhor, porque dele o pediu (1.28). Em hebraico o verbo se pronuncia “saul” e é da raiz do verbo pedir. O seu pedido (hebr. saul), Ana dedica ao Senhor. Posteriormente, os filhos de Israel pedem um rei. Deus atende ao pedido de Israel e lhe constitui um rei, Saul, literalmente, o pedido do povo. Mas ao contrário de Ana, o pedido de Israel não é dedicado ao Senhor, pelo contrário, a sucessão de interesses pessoais dos reis leva ao fim da monarquia israelita. Israel não teve a mesma abnegação com seu rei como Ana teve com Samuel.
A nação de Israel deveria aprender com abnegação de Ana consagrando o seu rei ao Senhor. Assim também hoje, a nação precisa aprender o valor da abnegação, dedicação, sacrifício, afeto e cuidado da mãe. Como defende Paul Tournier, o “futuro está na ternura”, na “ternura como atenção à pessoa”, restabelecendo “a primazia das pessoas sobre as coisas” (2008, p. 193). Se as instituições sociais e religiosas são uma extensão da família, precisamos também construir nossas relações a partir da ternura, do cuidado, da abnegação e afeto.
A figura e papel da mãe no plano de Deus são tão significativos que Deus enviou seu Filho, nosso Salvador, ao mundo, nascido de mulher.
Em tempos que a sociedade começa não só desprezar a mãe que cuida dos filhos como também considerar a celebração do dia das mães como prejudicial, como cristãos evangélicos precisamos tanto valorizar o papel da mãe conforme nos é ensinado nas Escrituras como também desenvolver relações sociais e institucionais de abnegação, afeto e ternura.
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Provavelmente, são as transformações culturais as mais drásticas e ameaçadoras à família, pois não representam apenas novas dinâmicas das relações familiares, mas, frequentemente, também um desprezo pela formação tradicional da família e do papel da mãe. Em 1971, David Cooper, um psicanalista existencialista britânico, publicou o livro “A morte da família”, no qual argumenta que o poder da família fornece às instituições sociais um paradigma de controle, por isso reforça o poder da classe dominante. Desse modo, a família é vista como prejudicial ao desenvolvimento do indivíduo. Para Cooper, ainda que todo indivíduo precise de cuidado materno e paterno, não significa que precise de pai e mãe. Ele usa da psicanálise para regredir o indivíduo ao estado antes da concepção e o libertá-lo de sua família. Talvez sejam raciocínios como este que estão por trás de alguns projetos de lei e políticas em nosso país que visam a redefinir o conceito de matrimônio e família. Ainda que algumas dessas políticas estejam sob a égide de defesa de direitos de indivíduos, correm o risco de se tornarem absolutas e impositivas.
Por outro lado, a igreja cristã tem historicamente defendido a santidade do matrimônio e dos papéis dos progenitores. Sem negar o desenvolvimento social e cultural, e as realidades históricas e contextuais, a igreja procura preservar os padrões bíblicos de família. Diante dos desafios contemporâneos precisamos reafirmar nossos princípios e convicções sobre o papel da mãe no plano de Deus.
Mãe de todo ser vivente
Gênesis 1.27 repete três vezes a mesma ideia sobre a criação do ser humano, enfatizando cada vez um aspecto. Primeiro, a ênfase está no fato de que Deus criou o ser humano (hebr. ‘adam); segundo, a ênfase está em que Deus o criou à imagem de Deus; terceiro, que a imagem de Deus é composta de macho e fêmea, ou homem e mulher. O fato de Deus criar o ser humano como macho e fêmea destaca a igualdade em natureza. Entretanto, Deus também atribuiu funções distintas ao homem e à mulher na criação.
Desde a criação, a mulher está associada à geração de filhos. Eva é mãe de todo ser vivente (hebr. havah – vivente; Gn 3.20). O homem (hebr. ‘adam), por outro lado, está mais diretamente ligado à terra (hebr. ‘adamá), pois do pó da terra foi tirado. O primeiro homem foi um lavrador, isto é, trabalhador/servo da terra (hebr. ‘obed ‘adamá). Por isso, também, a maldição em decorrência do pecado afeta a mulher justamente na geração de filhos. Em dores ela dará a luz. E a maldição sobre o homem atinge o seu trabalho e a terra (‘adamá) é amaldiçoada. A maldição atinge o homem e a mulher de modo diferente, porém o sofrimento é o mesmo. A mesma palavra hebraica (‘itstsvon) é usada para descrever tanto a dor do parto quanto a fadiga de obter o sustento. Por causa do pecado, a geração e a manutenção da vida na terra se tornaram penosas. Por outro lado, o mandato divino ao ser humano foi de ser fecundo e multiplicar. Esse mandato é reafirmado a Noé em Gn 9.1 e, posteriormente, nas promessas a Abraão (Gn 12.1-3; 15.4-5).
Ser mãe não se limita a uma função social e familiar, mas faz parte de um plano e constituição divina, é vocação da mulher. Ainda que não seja devidamente reconhecida e valorizada na sociedade moderna, felizmente, ainda é um anseio natural de muitas mulheres e deve ser igualmente valorizada pela comunidade cristã.
Abnegação de mãe
A maternidade era um valor tão nítido e importante na sociedade do Antigo Testamento que as mulheres sem filhos se achavam diminuídas e eram, frequentemente, desprezadas. Este é o caso de Ana, mãe de Samuel. Ela suplicou a Deus por um filho. Deus respondeu sua oração. Ela gerou o filho e, depois de desmamá-lo, o dedicou ao Senhor (1Sm 1.27-28). O que levou Ana a pedir um filho a Deus e, em seguida, “devolvê-lo” ao Senhor foi muito mais do que a rivalidade com Penina (1Sm 1.7). Tinha a ver com sua dignidade e papel na família. Mas, sobretudo, a experiência de Ana serve de lição para Israel e para nós. Ao consagrar o seu filho ao Senhor, Ana declara que o traz como devolvido ou dedicado ao Senhor, porque dele o pediu (1.28). Em hebraico o verbo se pronuncia “saul” e é da raiz do verbo pedir. O seu pedido (hebr. saul), Ana dedica ao Senhor. Posteriormente, os filhos de Israel pedem um rei. Deus atende ao pedido de Israel e lhe constitui um rei, Saul, literalmente, o pedido do povo. Mas ao contrário de Ana, o pedido de Israel não é dedicado ao Senhor, pelo contrário, a sucessão de interesses pessoais dos reis leva ao fim da monarquia israelita. Israel não teve a mesma abnegação com seu rei como Ana teve com Samuel.
A nação de Israel deveria aprender com abnegação de Ana consagrando o seu rei ao Senhor. Assim também hoje, a nação precisa aprender o valor da abnegação, dedicação, sacrifício, afeto e cuidado da mãe. Como defende Paul Tournier, o “futuro está na ternura”, na “ternura como atenção à pessoa”, restabelecendo “a primazia das pessoas sobre as coisas” (2008, p. 193). Se as instituições sociais e religiosas são uma extensão da família, precisamos também construir nossas relações a partir da ternura, do cuidado, da abnegação e afeto.
A figura e papel da mãe no plano de Deus são tão significativos que Deus enviou seu Filho, nosso Salvador, ao mundo, nascido de mulher.
Em tempos que a sociedade começa não só desprezar a mãe que cuida dos filhos como também considerar a celebração do dia das mães como prejudicial, como cristãos evangélicos precisamos tanto valorizar o papel da mãe conforme nos é ensinado nas Escrituras como também desenvolver relações sociais e institucionais de abnegação, afeto e ternura.
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Pastor presbiteriano e doutor em Antigo Testamento, é professor e capelão no Seminário Presbiteriano do Sul, e tradutor de obras teológicas. É autor do livro O propósito bíblico da missão.
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