Opinião
- 06 de dezembro de 2017
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Lutero, um invejoso
Por Nelson Hein
Na primeira vez em Roma, minha ida ao Vaticano parecia um passeio blasé. Ao me aproximar da Basílica de São Pedro, fui tomado por algo contagiante, que me fazia vibrar. Claro que tentei esconder; afinal sou luterano. Ao adentrar a Basílica, fiquei surpreso e sem saber exatamente o que fazer. Em silêncio, orei o Pai Nosso. Naquele momento surpreendente, descobri o que Lutero tinha contra a construção: inveja.
Inveja é um sentimento humano natural; mas, que é diabólico, é. Fato é que ele deve ser controlado. Eu, por exemplo, sou um invejoso profissional. Explico. Vejo algo que alguém fez e de que gosto, imediatamente me sinto inferiorizado por não ter sido eu a ter a ideia. Afinal, eu mereço.
A inveja faz mal? Sim, se você não souber controlar sua obsessão. Caim não soube, e deu no que deu. Lutero mesmo afirmou “as rendas de todo o reino cristão estão sendo sugadas por esta insaciável basílica”. Acho que Lutero, tal como faço quando vejo uma boa ideia, tomou-a para si. Eu olho, adapto, melhoro, enfim: reformo.
Toda vez que reformo algo – construção, móvel ou qualquer objeto –, verifico cores, padrões, adaptações que obviamente procuro estabelecer já trazendo um modelo em mente, montado e construído daquilo que vi, observei e provei. Lutero não foi o único em seu tempo a ver que a igreja precisava de uma reforminha e fez uso de suas preferências e princípios.
A Reforma iniciada por Lutero obviamente causou inveja a outros. Principalmente a seus compatriotas que, por estarem agora na basílica sem paredes de Lutero, viram-se livres para atacar, saquear e matar. Os camponeses tinham agora uma inspiração máxima de que “o justo viverá pela fé”. Simples assim.
Passados 500 anos, outras denominações religiosas, em muito inspiradas nos princípios luteranos, copiaram, adaptaram e melhoraram aquilo que se iniciou em 1517. Problema é que eles, em boa medida, já nos ultrapassaram. A declaração conjunta de 1999 é um exemplo. Nós demos um passo atrás. Nada contra. Porém, desde lá continuamos a achar que foi a melhor coisa que aconteceu desde Lutero.
Lutero, o Doctor Hyperbolicus como era conhecido, muito provavelmente teria aceitado, mas com um montão de ideias novas e não se deixaria convencer de ideias e ideais ultrapassados, liturgias assumidamente retrógradas vistas como vintage, albas que fazem nossos pastores parecerem ‘parteiras de campanha’, etc.
Reformar custa, pois o passado sempre nos espreita, exigindo fidelidade. Acomodar-se é mais fácil que criar ou reformar. O demônio sobre o qual tanto Lutero escreveu quer isto, impondo regras e mais regras que nos infantilizam. Nos falta algo para seguir a Reforma de Lutero. Talvez as palavras do poeta Heirinch Heine sobre Lutero ajudem a entender: “Ele tinha algo original, incompreensível, miraculoso, tal como encontramos em todos os homens providenciais, algo aterradoramente ingênuo, simploriamente astuto, sublimemente limitado, indomitamente diabólico”.
Nota: Artigo publicado originalmente no jornal O Caminho, número 11, nov. 2017. Reproduzido com permissão.
• Nelson Hein, professor e bolsista do departamento de Matemática da FURB, em Blumenau.
Na primeira vez em Roma, minha ida ao Vaticano parecia um passeio blasé. Ao me aproximar da Basílica de São Pedro, fui tomado por algo contagiante, que me fazia vibrar. Claro que tentei esconder; afinal sou luterano. Ao adentrar a Basílica, fiquei surpreso e sem saber exatamente o que fazer. Em silêncio, orei o Pai Nosso. Naquele momento surpreendente, descobri o que Lutero tinha contra a construção: inveja.
Inveja é um sentimento humano natural; mas, que é diabólico, é. Fato é que ele deve ser controlado. Eu, por exemplo, sou um invejoso profissional. Explico. Vejo algo que alguém fez e de que gosto, imediatamente me sinto inferiorizado por não ter sido eu a ter a ideia. Afinal, eu mereço.
A inveja faz mal? Sim, se você não souber controlar sua obsessão. Caim não soube, e deu no que deu. Lutero mesmo afirmou “as rendas de todo o reino cristão estão sendo sugadas por esta insaciável basílica”. Acho que Lutero, tal como faço quando vejo uma boa ideia, tomou-a para si. Eu olho, adapto, melhoro, enfim: reformo.
Toda vez que reformo algo – construção, móvel ou qualquer objeto –, verifico cores, padrões, adaptações que obviamente procuro estabelecer já trazendo um modelo em mente, montado e construído daquilo que vi, observei e provei. Lutero não foi o único em seu tempo a ver que a igreja precisava de uma reforminha e fez uso de suas preferências e princípios.
A Reforma iniciada por Lutero obviamente causou inveja a outros. Principalmente a seus compatriotas que, por estarem agora na basílica sem paredes de Lutero, viram-se livres para atacar, saquear e matar. Os camponeses tinham agora uma inspiração máxima de que “o justo viverá pela fé”. Simples assim.
Passados 500 anos, outras denominações religiosas, em muito inspiradas nos princípios luteranos, copiaram, adaptaram e melhoraram aquilo que se iniciou em 1517. Problema é que eles, em boa medida, já nos ultrapassaram. A declaração conjunta de 1999 é um exemplo. Nós demos um passo atrás. Nada contra. Porém, desde lá continuamos a achar que foi a melhor coisa que aconteceu desde Lutero.
Lutero, o Doctor Hyperbolicus como era conhecido, muito provavelmente teria aceitado, mas com um montão de ideias novas e não se deixaria convencer de ideias e ideais ultrapassados, liturgias assumidamente retrógradas vistas como vintage, albas que fazem nossos pastores parecerem ‘parteiras de campanha’, etc.
Reformar custa, pois o passado sempre nos espreita, exigindo fidelidade. Acomodar-se é mais fácil que criar ou reformar. O demônio sobre o qual tanto Lutero escreveu quer isto, impondo regras e mais regras que nos infantilizam. Nos falta algo para seguir a Reforma de Lutero. Talvez as palavras do poeta Heirinch Heine sobre Lutero ajudem a entender: “Ele tinha algo original, incompreensível, miraculoso, tal como encontramos em todos os homens providenciais, algo aterradoramente ingênuo, simploriamente astuto, sublimemente limitado, indomitamente diabólico”.
Nota: Artigo publicado originalmente no jornal O Caminho, número 11, nov. 2017. Reproduzido com permissão.
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