Opinião
- 06 de maio de 2019
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Liderança feminina na igreja
Por Nancy Gonçalves Dusilek
Nas igrejas evangélicas, de modo geral, os cargos de liderança são ocupados por homens e mulheres. No entanto, essa não é uma verdade absoluta. Em alguns grupos a mulher não tem voz nem vez. Em outros há uma tolerância por parte de alguns ao constatarem mulheres no topo da liderança. Mas há outros grupos em que o espaço dado às mulheres é conservado, mas com uma certa distância, como a dizer: “nós deixamos vocês liderarem e trabalharem, mas fiquem aí nas organizações femininas. Esse é o lugar de vocês”. Não é uma mensagem aberta e declarada, mas velada.
Há por detrás desses comportamentos uma série de preconceitos que, no final, acabam prejudicando todo o corpo de Cristo – a igreja. Atrás de qualquer preconceito há sempre uma carga emocional e cultural arraigada na estrutura da sociedade que não é tão simples quanto parece.
Muito desse comportamento está aliado ao fato do movimento feminista secular. As pessoas não conseguem desvincular o direito de liderança feminina na igreja, como participante do corpo de Cristo, do movimento social liderado por mulheres no mundo secular. Um fato nada tem a ver como o outro. Não estamos advogando causas femininas dentro da igreja de Cristo. Não sou feminista, sou feminina e com direitos. É necessário todo um trabalho de conscientização, de desejo, de busca pela verdade. Quando fechamos para a reflexão nada temos a fazer senão acomodação que leva ao legalismo que representa um aborto à fé cristã. Quando abrimos ao contato com outras idéias e posições, gera em nós um embrião de esperança e crescimento. É no contato com os opostos que crescemos. Muitos não querem esse contato e por isso não crescem.
Esse preconceito é tão desastroso que pode nos levar a uma leitura distorcida da Palavra de Deus. Alguns interpretam o texto bíblico não permitindo à mulher qualquer participação na liderança na igreja, porque ...”as mulheres estejam caladas na igreja...” (I Cor 14.34). Esquecem que o mesmo autor de Coríntios é de Romanos, Filipenses, Efésios, etc. O apóstolo Paulo ao escrever suas cartas, considerava o contexto social. Havia uma heresia corrente entre as mulheres de que elas eram desobrigadas da criação dos filhos, cuidar do lar, manter relações intimas com marido, etc. Esses comentários eram passados entre o grupo feminino tumultuando a vida da igreja. Daí a palavra de Paulo naquele contexto sobre o “estar calada na igreja”. Mas com que carinho, o apóstolo fala de Priscila (Rom.6.3), Trifena e Trifosa (Rom.6.12), Evódia e Sintique (Filp. 4.2). Febe (Rom. 16.1) e outras. Se fosse preconceito contra mulheres, Paulo em todas as suas cartas citaria as mesmas instruções como faz com o caráter cristão, coerência entre a fé em Cristo e a prática de vida.
Outro preconceito pode não ser da simples leitura, mas da tradução do texto quando em Romanos 16.1,2, entendemos que é uma carta de recomendação. Por que, o apóstolo Paulo faria isso se Febe era uma mulher ativa, como ele mesmo ressalta no verso 2? Não seria uma certa dificuldade da própria igreja em receber uma liderança feminina? O texto é traduzido como “serva da igreja”, mas a palavra original no grego é diakonos, a mesma para traduzir “ministro” quando se refere a nomes masculinos como Paulo (Ef. 3.7; Col 1.23); Tíquico (Ef. 6.21; Col. 4.7); Epafras (Col 1.7); Timóteo (ITm 4.6). Quando chega em Febe (uma mulher), o termo é o mesmo, mas a tradução escorrega em séculos de tradição e preconceitos, feita que foi na Idade Média, onde as mulheres não tinham qualquer acesso à leitura do texto original.
Por outro lado, não há qualquer comissionamento de mulher missionária nos textos paulinos. Como então, temos nós hoje essa função em nossas igrejas? De repente não estamos seguindo as conveniências e usando os textos para cobertura de posições já assumidas?
R. Banks, citado por Mary Evans no livro Mulheres da Bíblia (ABU) comenta que a liderança feminina foi mais exercida na igreja da Macedônia e de Roma do que em Jerusalém e nas regiões mais orientais dizendo: “Sem dúvida reflete a maior liberdade desfrutada pelas mulheres naquelas regiões, mas também é um testemunho de maior liberdade que Paulo deu às mulheres, onde isso podia acontecer sem causar escândalo”.
No caso de Jesus ele quebrou inúmeros preconceitos judaicos ao se relacionar com mulheres através de profundas conversas teológicas, como foi o caso da samaritana, Marta e Maria, a mulher cananeia, a mulher do fluxo de sangue e outras mais. Alguém indaga: “Por que Ele não colocou mulheres no grupo dos doze apóstolos”? Para a missão que tinha e no contexto social onde se encontrava não seria um perigo a figura feminina num grupo só de homens? Eles percorriam cidades e aldeias em viagens constantes. O que diria o povo vendo uma ou duas mulheres junto ao grupo de homens, retirando-se para um lugar de descanso ou de oração? Isso é uma questão de prudência. Jesus pensou na preservação moral da mulher ao não incluir num grupo viajante.
Lembremos da juíza Débora que exercia liderança política, militar, civil e religiosa. (Juízes 4) Ou Hulda, a profetiza (2 Reis 22.14) que agiu ao mesmo tempo de Jeremias e Sofonias? Não era o caso de não haver homens para a função, mas é forte indicação de que nesse período da história de Israel era difícil o preconceito contra a mulher profetisa. E, Ester, a rainha que salvou seu povo? É claro que não são muitas as mulheres na Bíblia que exerceram cargos-chave de liderança. Mas temos exemplos suficientes para entender que Deus usa as pessoas de acordo com a disponibilidade de cada uma.
O texto de 1 Coríntios 12.1-11 sobre os dons espirituais não faz classificação como dons para homens e dons para mulheres. O coração do texto é que o responsável pela distribuição é o Espírito Santo e tudo é feito para o bem comum (v.7). Além disso, o Espirito tem liberdade de distribuir dons a quem quer que seja (v.11). Não estamos nós impedindo a ação do Espírito apoiados numa mesa sem pernas chamada preconceito ou machismo? Quando Paulo escreve aos gálatas fala “Não há judeu nem grego; não há judeu nem grego; não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. (Gal.3.28) Paulo derruba as três maiores barreiras da sociedade humana: racial, social e sexual.
Ouvindo várias mulheres sobre o assunto descobrimos que poucas delas entendem que há trabalhos específicos para homem e mulher. A maioria, no entanto, concorda que Deus usa as pessoas segundo a disponibilidade de cada uma. Deus precisa de pessoas prontas para o trabalho. Ele depende de nossa disposição. Isso não implica em ser homem ou mulher, nacional ou estrangeiro, branco, negro ou asiático. O importante é ter consciência de que o servir a Deus não é uma disputa de competência masculina ou feminina, nem luta pelo poder para saber quem manda e quem obedece, nem mesmo o levantar de uma bandeira feminista a favor da mulher e seu espaço. Não é essa a nossa proposta, pois servir a Deus está além dessas manifestações humanas e mesquinhas. Servir a Deus é torná-lo acessível ao outro. É sermos canais da sua Graça, para abençoar o próximo. Portanto, em matéria de liderança na igreja, o mais importante não deve ser a que sexo pertence o líder, mas como o nome de Deus está sendo glorificado através de sua liderança.
• Nancy Gonçalves Dusilek é membro da Academia Evangélica de Letras do Brasil, autora de Mulher sem nome, O grito das incluídas e Descobrindo e capacitando líderes, entre outros.
Nota: Artigo publicado originalmente na MCHoje em 1990.
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