Opinião
- 23 de maio de 2023
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C. S. Lewis e como lidar com a presunção, as discórdias e a língua ferina
Não nos deixe cair em tentação" muitas vezes significa, "Negue-me convites gratificantes, contatos interessantes...
Por Paulo Ribeiro
A discórdia pode, às vezes, ser expressa sem a aparência de presunção, se for feita com argumentos. O apoio geralmente virá de alguém improvável, da comunidade, até descobrirmos que aqueles que eram silenciosamente dissidentes constituíam a maioria.
O nosso desacordo em relação ao que as outras pessoas dizem, em minha opinião, pode eventualmente ser expresso sem que sejamos pedantes, se o fizermos com base em argumentos, e não de uma maneira autocrática.
Claro que o lado da verdade pode ser derrotado. Isso importa muito menos do que eu costumava pensar. A própria pessoa que discutiu com você pode reconhecer anos depois, que foi influenciada pelo que você disse.
É claro que surge um momento em que o grau de perversidade (injustiça, canalhice e inverdades) atinge um nível contra o qual um protesto terá de ser feito, mesmo com poucas chances de sucesso.
No entanto, há um tipo de mal contra o qual e preciso sempre protestar, por menor que seja a chance de sucesso. Ha acordos cordiais, feitos com cinismo ou com brutalidade, que precisam, inequivocadamente, ser estabelecidos. E se não for possível fazer isso sem parecer pedante, então devemos parecer pedantes, pois o que incomoda realmente não e parecer, mas ser pedante.
Se não gostamos suficientemente de fazer o protesto é improvável que sejamos presunçosos na realidade. Aqueles que gostam de "testificar" estão em uma posição diferente e mais perigosa. Mas há ambientes sociais tão sujos que neles é quase um sintoma alarmante se uma pessoa nunca foi chamada de tal.
Da mesma forma, embora o pedantismo seja uma loucura e o esnobismo um vício, há círculos em que apenas uma pessoa indiferente a tudo que acontece escapará de ser chamado de pedante, e outros em que as maneiras são tão grosseiras, espalhafatosas e desavergonhadas que uma pessoa (qualquer que seja sua posição social) de bom gosto natural será chamado de presunçoso.
O que torna tão difícil esse contato com pessoas perversas é que lidar de forma eficaz, não requer apenas boas intenções, mesmo com humildade e coragem; pode exigir talentos sociais e até intelectuais que Deus não nos deu. Portanto, não é hipocrisia, mas mera prudência evitá-la quando podemos.
Os salmistas não estavam errados quando descreveram o homem bom como evitando "a cadeira dos escarnecedores" e temendo associar-se com os ímpios para não "comer" (devemos dizer, rir, admirar, aprovar, justificar?) "coisas que lhes agradam".
“Não nos deixes cair em tentação” quase sempre significa, entre outras coisas: “Nega-me aqueles convites agradáveis, aqueles contatos altamente interessantes, aquela participação nos grandes movimentos de nosso tempo que, em geral e sob tal risco, eu desejo”.
Intimamente conectados com essas advertências contra o que chamo de “conivência” estão os protestos do Saltério contra outros pecados da língua. Sinto que, quando comecei a lê-los, eles me surpreenderam um pouco; eu, de certa forma, esperava que, em uma época mais simples e mais violenta, em que se usava a faca, o grande cajado e o tição para fazer o mal, as palavras não fossem tão mordazes.
No entanto, na realidade, os salmistas não mencionam nenhum outro tipo de mal mais frequentemente que este, um mal que a maioria das sociedades civilizadas compartilha. “Suas gargantas são um tumulo aberto; com suas línguas enganam sutilmente” (Sl 5.9); “Violência e maldade [ou “perjúrio”, na tradução do doutor Moffatt] estão em sua língua” (10.7); “lábios bajuladores” (12.3); “línguas acusadoras” (31.20); “palavras [...] maldosas e traiçoeiras” (36.3); o cochicho dos homens maus (41.7); mentiras cruéis que cortam “como navalha” (52.2); conversa que soam “mais suaves que o óleo, mas [...] afiadas como punhais” (55.21); zombaria impiedosa (102.8). O Saltério está repleto disso. E quase possível ouvir o sussurro, a fofoca, a mentira, a repreensão, a bajulação e a circulação de rumores incessantes.
Nenhum reajuste histórico ou cultural é necessário, mesmo 2.500 anos depois. Estamos no mundo que conhecemos e Lewis poderia estar se referindo à polarização religiosa e sociopolítica dos últimos anos no Brasil. Até mesmo detectamos naquele coro murmurante e bajulador vozes que nos são familiares. Uma delas é tão familiar que poderia ser facilmente reconhecida: minha própria voz.
“E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal, porque teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém” (Mt 6.13)
> [Recortes e adaptação de Lendo os Salmos, de C. S. Lewis (Editora Ultimato)O nosso desacordo em relação ao que as outras pessoas dizem, em minha opinião, pode eventualmente ser expresso sem que sejamos pedantes, se o fizermos com base em argumentos, e não de uma maneira autocrática.
Claro que o lado da verdade pode ser derrotado. Isso importa muito menos do que eu costumava pensar. A própria pessoa que discutiu com você pode reconhecer anos depois, que foi influenciada pelo que você disse.
É claro que surge um momento em que o grau de perversidade (injustiça, canalhice e inverdades) atinge um nível contra o qual um protesto terá de ser feito, mesmo com poucas chances de sucesso.
No entanto, há um tipo de mal contra o qual e preciso sempre protestar, por menor que seja a chance de sucesso. Ha acordos cordiais, feitos com cinismo ou com brutalidade, que precisam, inequivocadamente, ser estabelecidos. E se não for possível fazer isso sem parecer pedante, então devemos parecer pedantes, pois o que incomoda realmente não e parecer, mas ser pedante.
Se não gostamos suficientemente de fazer o protesto é improvável que sejamos presunçosos na realidade. Aqueles que gostam de "testificar" estão em uma posição diferente e mais perigosa. Mas há ambientes sociais tão sujos que neles é quase um sintoma alarmante se uma pessoa nunca foi chamada de tal.
Da mesma forma, embora o pedantismo seja uma loucura e o esnobismo um vício, há círculos em que apenas uma pessoa indiferente a tudo que acontece escapará de ser chamado de pedante, e outros em que as maneiras são tão grosseiras, espalhafatosas e desavergonhadas que uma pessoa (qualquer que seja sua posição social) de bom gosto natural será chamado de presunçoso.
O que torna tão difícil esse contato com pessoas perversas é que lidar de forma eficaz, não requer apenas boas intenções, mesmo com humildade e coragem; pode exigir talentos sociais e até intelectuais que Deus não nos deu. Portanto, não é hipocrisia, mas mera prudência evitá-la quando podemos.
Os salmistas não estavam errados quando descreveram o homem bom como evitando "a cadeira dos escarnecedores" e temendo associar-se com os ímpios para não "comer" (devemos dizer, rir, admirar, aprovar, justificar?) "coisas que lhes agradam".
“Não nos deixes cair em tentação” quase sempre significa, entre outras coisas: “Nega-me aqueles convites agradáveis, aqueles contatos altamente interessantes, aquela participação nos grandes movimentos de nosso tempo que, em geral e sob tal risco, eu desejo”.
Intimamente conectados com essas advertências contra o que chamo de “conivência” estão os protestos do Saltério contra outros pecados da língua. Sinto que, quando comecei a lê-los, eles me surpreenderam um pouco; eu, de certa forma, esperava que, em uma época mais simples e mais violenta, em que se usava a faca, o grande cajado e o tição para fazer o mal, as palavras não fossem tão mordazes.
No entanto, na realidade, os salmistas não mencionam nenhum outro tipo de mal mais frequentemente que este, um mal que a maioria das sociedades civilizadas compartilha. “Suas gargantas são um tumulo aberto; com suas línguas enganam sutilmente” (Sl 5.9); “Violência e maldade [ou “perjúrio”, na tradução do doutor Moffatt] estão em sua língua” (10.7); “lábios bajuladores” (12.3); “línguas acusadoras” (31.20); “palavras [...] maldosas e traiçoeiras” (36.3); o cochicho dos homens maus (41.7); mentiras cruéis que cortam “como navalha” (52.2); conversa que soam “mais suaves que o óleo, mas [...] afiadas como punhais” (55.21); zombaria impiedosa (102.8). O Saltério está repleto disso. E quase possível ouvir o sussurro, a fofoca, a mentira, a repreensão, a bajulação e a circulação de rumores incessantes.
Nenhum reajuste histórico ou cultural é necessário, mesmo 2.500 anos depois. Estamos no mundo que conhecemos e Lewis poderia estar se referindo à polarização religiosa e sociopolítica dos últimos anos no Brasil. Até mesmo detectamos naquele coro murmurante e bajulador vozes que nos são familiares. Uma delas é tão familiar que poderia ser facilmente reconhecida: minha própria voz.
“E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal, porque teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém” (Mt 6.13)
Saiba mais:
» Até Que Tenhamos Rostos - A releitura de um mito, C.S. Lewis
» Surpreendido Pela Alegria, C. S. Lewis
Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade de Manchester, na Inglaterra, foi Professor em Universidades nos Estados Unidos, Nova Zelândia e Holanda, e Pesquisador em Centros de Pesquisa (EPRI, NASA). Atualmente é Professor Titular Livre na Universidade Federal de Itajubá, MG. É originário do Vale do Pajeú e torcedor do Santa Cruz.
>> http://lattes.cnpq.br/2049448948386214
>> https://scholar.google.com/citations?user=38c88BoAAAAJ&hl=en&oi=ao
Pesquisa publicada recentemente aponta os cientistas destacados entre o “top” 2% dos pesquisadores de maior influência no mundo, nas diversas áreas do conhecimento. Destes, 600 cientistas são de Instituições Brasileiras. O Professor Paulo F. Ribeiro foi incluído nesta lista relacionado a área de Engenharia Elétrica.
>> http://lattes.cnpq.br/2049448948386214
>> https://scholar.google.com/citations?user=38c88BoAAAAJ&hl=en&oi=ao
Pesquisa publicada recentemente aponta os cientistas destacados entre o “top” 2% dos pesquisadores de maior influência no mundo, nas diversas áreas do conhecimento. Destes, 600 cientistas são de Instituições Brasileiras. O Professor Paulo F. Ribeiro foi incluído nesta lista relacionado a área de Engenharia Elétrica.
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