Opinião
- 12 de janeiro de 2009
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Insuficiência da oração e ambivalência da experiência de fé (parte 2)
Anderson Clayton
Há uma variável de natureza sócio-psicológica que aumenta cada vez mais o desinteresse pela vida de oração. Trata-se da imediatidade do tempo produzido na era da globalização informacional, que opera com respostas precisas em “tempo real”. Isto acaba afetando a subjetividade dos indivíduos na “via real”. Sua psicologia passa a (re)agir com esta mesma disposição: a de querer respostas rápidas, em tempo real, aos problemas que emergem do cotidiano.
Este funcionalismo pragmático internalizado pela psicologia da vida moderna gerou uma intolerância a conceitos como “atraso”, “demora”, “retardamento”, e coisas do gênero, Dispositivos que se acionam na perspectiva desta funcionalidade pragmática fazem as coisas acontecerem com a rapidez que se deseja para obter o que se quer.
Esta cultura mental do “eu quero isso agora” tem criado uma disposição intolerante para o cultivo de uma vida de oração, e paciência para esperar a concretização das metas que nela são colocadas e que demoram a se transcorrer em nossa história de vida na fé. Igrejas evangélicas brasileiras, que promovem grandes concentrações, alvitram soluções prodigiosas para problemas aparentemente insolúveis de forma instantânea, em tempo relâmpago. As reuniões de igrejas se tornaram um dos principais agentes de produção da crença de que a oração eficiente é aquela que produz resultados desejados instantaneamente.
No entanto, há ainda outra variável psicológica que tem servido de justificação para o baixo interesse pela vida de oração. Trata-se do “medo de continuar acreditando” na eficiência política da providência enquanto se ora, e ser frustrado por ela. As necessidades não supridas, ou os desejos não realizados que se acumulam ao longo da trajetória de fé dos evangélicos em geral, está na base da história dos fracassos. Um pedido não concedido pode exaurir, da esperança da fé, a obstinada motivação que produz o encanto pela oração.
Ao orar, as pessoas procuram legitimar as razões da fé que querem confirmar na experiência mística da prece, a prova viva da existência de um Deus-Senhor que governa a história na condição de um “Pai atencioso”. As respostas obtidas pelo pedido da fé acabam ganhando um significado apologético que deseja realçar a natureza objetiva da relação viva e pessoal entre o sujeito solicitante e o Deus a ele revelado. Este fenômeno pode ser compreendido como “epifanização da bondade divina”, configurada num gesto acolhedor que demonstra encarnações históricas do generoso amor de Deus pelos membros de sua grande família.
Uma última variável que parece alimentar o desinteresse pela vida de oração nos dias de hoje é o “medo da reincidência” de uma experiência de frustração com as expectativas subjetivas que não foram materializadas no cotidiano da fé.
A angústia de uma espera que se prolonga na psicologia da súplica pode significar uma dúvida em relação à realização ou não de um desejo externado pela garganta da fé no contexto da oração. Os horizontes volitivos que se figuram entre as necessidades humanas e os desígnios de Deus nem sempre se convergem. Na dúvida, existe quase sempre um protesto da angústia que teme não estar a par da misteriosa gramática da vontade soberana de Deus. O desconhecimento dos seus desígnios acaba cimentando a incerteza aflita da oração que teme nunca ser respondida por ele. Por isso é que nela (na oração), a fé procura se alimentar da esperança de realizações que apontam para o telos da promessa, buscando, assim, romper com o horizonte da tradição de uma existência marcada pela negatividade histórica.
Estas parecem ser as principais razões que estão na base de uma realidade de vida que revela o desinteresse crescente pela prática da oração de milhares, quiçá, milhões de pessoas que desejam uma vida de fé que se ajuste ao perfil funcional-pragmático do mundo moderno. Afinal, o que a oração significa para a fé de um cristão no mundo moderno? Ela se tornou insuficiente? Estas perguntas podem apertar ainda mais o cinto da angústia trazido sempre para o contexto da oração.
Porém, a fisionomia da graça consegue fazer com que a alegria da espera se transforme em “política de persistência da fé” (Rm 8.24-25). O apóstolo Paulo chega fazer a seguinte recomendação: “sejam perseverantes na oração” (Rm 12.12). A graça de Deus se revela preciosa no corredor estreito da experiência do medo trazida para a linguagem de fé da oração. Nela, este mesmo apóstolo pede para ser eximido da experiência com a dor do sofrimento (2Co 11.7-10). Mas é também a partir dela (da experiência de oração) que ele aprende a não desistir da vida permeada por temores e contradições -- ao ouvir o doce som da voz da providência dizer: “a minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza”.
Graça é o fôlego concedido por Deus àqueles que caminham cansados no itinerário da fé. É o vento do Espírito que sopra e refresca a alma atordoada que se sente asfixiada pelo mormaço quente da autodescrença. Graça é a beleza que reluz sobre a visão míope, trazendo a ela a organização que define uma maior nitidez das imagens que se entortaram na vida por conta da amargura desenvolvida no pavoroso cemitério do desencanto.
Acredite: a melodia da graça só encanta os ouvidos de quem sofre na vida. É no contexto da negatividade que o Deus-Senhor da história se torna “totalmente-próximo” (Schillebeeckx). Pois somente no pavilhão do sofrimento é que a “esperança inextinguível” (J. Moltmann) produz a coragem que o “portador da fé” precisa para continuar caminhando, sempre na dependência imparcial da misericórdia de Deus, “transformando”, pela veia política da oração, a incerteza do futuro em “convicção sobre o que ainda não foi provado” (E. Fromm).
Por que a oração se tornou insuficiente para maioria das pessoas no mundo moderno? A resposta pode ser ampla e complexa, mas também pode ser feita de maneira simples e objetiva: as facilidades do mundo moderno criaram vícios que agora operam contra a natureza da própria fé na vida de oração: desaprendemos a esperar em Deus, a acreditar que ele pode mudar tudo, inclusive nós, mesmo quando nada aparentemente acontece ao nosso redor. A mudança externa quase sempre vem precedida de uma mudança interna, que acontece no “quarto secreto”, revelando o “grande milagre” que opera na mente daqueles que aprenderam a esperar em Deus e adquiriram, com isso, a paciência, e com ela, conseguiram obter a maturidade da fé. Este é o milagre que ainda precisa acontecer na vida dos cristãos modernos.
• Anderson Clayton, casado, dois filhos, é doutor em teologia e doutorando em sociologia. É professor do Instituto Superior de Teologia Luterana e pastor colaborador na Igreja Confessional Luterana.
Há uma variável de natureza sócio-psicológica que aumenta cada vez mais o desinteresse pela vida de oração. Trata-se da imediatidade do tempo produzido na era da globalização informacional, que opera com respostas precisas em “tempo real”. Isto acaba afetando a subjetividade dos indivíduos na “via real”. Sua psicologia passa a (re)agir com esta mesma disposição: a de querer respostas rápidas, em tempo real, aos problemas que emergem do cotidiano.
Este funcionalismo pragmático internalizado pela psicologia da vida moderna gerou uma intolerância a conceitos como “atraso”, “demora”, “retardamento”, e coisas do gênero, Dispositivos que se acionam na perspectiva desta funcionalidade pragmática fazem as coisas acontecerem com a rapidez que se deseja para obter o que se quer.
Esta cultura mental do “eu quero isso agora” tem criado uma disposição intolerante para o cultivo de uma vida de oração, e paciência para esperar a concretização das metas que nela são colocadas e que demoram a se transcorrer em nossa história de vida na fé. Igrejas evangélicas brasileiras, que promovem grandes concentrações, alvitram soluções prodigiosas para problemas aparentemente insolúveis de forma instantânea, em tempo relâmpago. As reuniões de igrejas se tornaram um dos principais agentes de produção da crença de que a oração eficiente é aquela que produz resultados desejados instantaneamente.
No entanto, há ainda outra variável psicológica que tem servido de justificação para o baixo interesse pela vida de oração. Trata-se do “medo de continuar acreditando” na eficiência política da providência enquanto se ora, e ser frustrado por ela. As necessidades não supridas, ou os desejos não realizados que se acumulam ao longo da trajetória de fé dos evangélicos em geral, está na base da história dos fracassos. Um pedido não concedido pode exaurir, da esperança da fé, a obstinada motivação que produz o encanto pela oração.
Ao orar, as pessoas procuram legitimar as razões da fé que querem confirmar na experiência mística da prece, a prova viva da existência de um Deus-Senhor que governa a história na condição de um “Pai atencioso”. As respostas obtidas pelo pedido da fé acabam ganhando um significado apologético que deseja realçar a natureza objetiva da relação viva e pessoal entre o sujeito solicitante e o Deus a ele revelado. Este fenômeno pode ser compreendido como “epifanização da bondade divina”, configurada num gesto acolhedor que demonstra encarnações históricas do generoso amor de Deus pelos membros de sua grande família.
Uma última variável que parece alimentar o desinteresse pela vida de oração nos dias de hoje é o “medo da reincidência” de uma experiência de frustração com as expectativas subjetivas que não foram materializadas no cotidiano da fé.
A angústia de uma espera que se prolonga na psicologia da súplica pode significar uma dúvida em relação à realização ou não de um desejo externado pela garganta da fé no contexto da oração. Os horizontes volitivos que se figuram entre as necessidades humanas e os desígnios de Deus nem sempre se convergem. Na dúvida, existe quase sempre um protesto da angústia que teme não estar a par da misteriosa gramática da vontade soberana de Deus. O desconhecimento dos seus desígnios acaba cimentando a incerteza aflita da oração que teme nunca ser respondida por ele. Por isso é que nela (na oração), a fé procura se alimentar da esperança de realizações que apontam para o telos da promessa, buscando, assim, romper com o horizonte da tradição de uma existência marcada pela negatividade histórica.
Estas parecem ser as principais razões que estão na base de uma realidade de vida que revela o desinteresse crescente pela prática da oração de milhares, quiçá, milhões de pessoas que desejam uma vida de fé que se ajuste ao perfil funcional-pragmático do mundo moderno. Afinal, o que a oração significa para a fé de um cristão no mundo moderno? Ela se tornou insuficiente? Estas perguntas podem apertar ainda mais o cinto da angústia trazido sempre para o contexto da oração.
Porém, a fisionomia da graça consegue fazer com que a alegria da espera se transforme em “política de persistência da fé” (Rm 8.24-25). O apóstolo Paulo chega fazer a seguinte recomendação: “sejam perseverantes na oração” (Rm 12.12). A graça de Deus se revela preciosa no corredor estreito da experiência do medo trazida para a linguagem de fé da oração. Nela, este mesmo apóstolo pede para ser eximido da experiência com a dor do sofrimento (2Co 11.7-10). Mas é também a partir dela (da experiência de oração) que ele aprende a não desistir da vida permeada por temores e contradições -- ao ouvir o doce som da voz da providência dizer: “a minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza”.
Graça é o fôlego concedido por Deus àqueles que caminham cansados no itinerário da fé. É o vento do Espírito que sopra e refresca a alma atordoada que se sente asfixiada pelo mormaço quente da autodescrença. Graça é a beleza que reluz sobre a visão míope, trazendo a ela a organização que define uma maior nitidez das imagens que se entortaram na vida por conta da amargura desenvolvida no pavoroso cemitério do desencanto.
Acredite: a melodia da graça só encanta os ouvidos de quem sofre na vida. É no contexto da negatividade que o Deus-Senhor da história se torna “totalmente-próximo” (Schillebeeckx). Pois somente no pavilhão do sofrimento é que a “esperança inextinguível” (J. Moltmann) produz a coragem que o “portador da fé” precisa para continuar caminhando, sempre na dependência imparcial da misericórdia de Deus, “transformando”, pela veia política da oração, a incerteza do futuro em “convicção sobre o que ainda não foi provado” (E. Fromm).
Por que a oração se tornou insuficiente para maioria das pessoas no mundo moderno? A resposta pode ser ampla e complexa, mas também pode ser feita de maneira simples e objetiva: as facilidades do mundo moderno criaram vícios que agora operam contra a natureza da própria fé na vida de oração: desaprendemos a esperar em Deus, a acreditar que ele pode mudar tudo, inclusive nós, mesmo quando nada aparentemente acontece ao nosso redor. A mudança externa quase sempre vem precedida de uma mudança interna, que acontece no “quarto secreto”, revelando o “grande milagre” que opera na mente daqueles que aprenderam a esperar em Deus e adquiriram, com isso, a paciência, e com ela, conseguiram obter a maturidade da fé. Este é o milagre que ainda precisa acontecer na vida dos cristãos modernos.
• Anderson Clayton, casado, dois filhos, é doutor em teologia e doutorando em sociologia. É professor do Instituto Superior de Teologia Luterana e pastor colaborador na Igreja Confessional Luterana.
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