Opinião
- 20 de outubro de 2011
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Igreja – lar, escola, hospital e coração
Depois da infância, começa-se a descoberta das instituições e das hierarquias, do mundo secular e do religioso, das históricas explorações em nome da religião e até da dominação de um homem pelo outro por meio da fé. Chegam as filosofias, conhece-se a ciência, as explicações variadas das crenças, costumes e culturas. Sacudidela nos pensamentos. Vêm as amizades, o leque das tribos, as opiniões, opções, odores, sabores, amores. Sacudidela nos sentimentos. O espaço sagrado do Deus relacional povoa-se e há lugar para toda relação, exceto para o próprio Deus. Sacudidela no santuário.
É quando se esquece as certezas, é quando se acha ridículo as antigas emoções, é quando a experiência transcendente parece nunca ter acontecido. Porém, aconteceu.
É domingo. A sinfonia dos pássaros prepara-se para acordar mais uma manhã. As flores sorriem nos gramados e as árvores já começam a dançar. Algumas pétalas deitam-se ao chão e formam um tapete para o vento passar. O sol do novo dia alfineta as casas com os seus raios e um deles já entra pela minha janela. Ao sair sinto-o na pele e contemplo a sua luz.
Fazemos um curto trajeto. Na subida da rua, algumas famílias se encontram e adentram os portões de ferro juntamente conosco. Ouvem-se vozes até a chegada da porta. Do lado de dentro, um reverente silêncio. Os cânticos de contrição alternam-se aos de comunhão. Gosto dos momentos de música e também de apertar a mão dos que estão ao meu lado e me desejam a paz; mas aprecio igualmente o momento em que nos colocamos de joelho e um pequenino sino faz-nos baixar as cabeças. Há a fila dos que comungam, a benção final que insisto em imitar, as pessoas que vão à frente fazer a leitura e as palavras que pouco entendo no decorrer da explicação, pois o celebrante guarda um forte sotaque holandês em sua fala. Aquele franzino senhor me ensinaria, entretanto, um pouco sobre humilhação. Em dias de Semana Santa, deitado, testa ao chão, estirava-se no meio da igreja, como se diante do bom e terrível Deus estivesse.
Ainda domingo de manhã. A campainha toca e corro com a minha Bíblia, caderno e lápis dentro de uma bolsinha a tiracolo. As amigas, quase da mesma idade, chamam-me para mais uma escola bíblica dominical. Ao chegarmos, vemos o regente que entoa um cântico do hinário na frente da igreja. Dividimos as classes em seguida e, na reunião infantil, mais música, palmas, gestos e sorrisos. Na sala, a professora explica cuidadosamente a lição que por alguns domingos estudaremos. Lemos alto um versículo bíblico que repetiremos ao longo da semana, oramos por um alvo em comum e nos dirigimos ao templo. Há dias em que damos as mãos para uma oração comunitária, há aqueles em que depois da ceia comemos o que sobrou da mesa. Brincamos no pátio e em seguida voltamos para a casa. Senão, vamos almoçar na casa de amigo, irmão, parente que gentilmente nos convida.
Um domingo de manhã. Vamos juntas, depois de anos, a uma igreja perto de nossa casa. Nas outras vezes vou só. Não há mais uma mão a me conduzir ou um grupo de amigas a me chamar, preciso trilhar meus caminhos sozinha, inclusive esse. Machuquei-me, desiludi-me, perdi o gosto, a fé, a força e demorei para reconhecer isso; mas os sinais continuam ali. Abraçam-me na entrada, ouço o cântico de início, escuto a mensagem, entendo o conteúdo e pouco a pouco caem meus cacos. Faz-me de novo. Lava-me a mente, limpa-me a alma. Novamente me ensina o que é entoar uma canção congregacional. Por um milagre posso senti-lo outra vez. Lembra-me da comunhão, dos elementos da celebração, dos versos memorizados, dos joelhos dobrados, das mãos dadas. Emociono-me.
De repente ergue-se o santuário e, dentro dele, pensamentos e sentimentos, mãos dadas brincam de rodopiar ao som da cantiga de roda que ele canta para eles. E porque de mãos dadas, e porque embalados por envolvente som, podem por vezes sentir as sacudidelas e, em outras, até tombar; porém, ambos se sustentam, ou melhor, são sustentados. Outros santuários os apoiam, verdadeira sustentação que ele criou. No domingo, entram todos juntos na grande casa, e ali são edificados. Alguns a chamam de lar, outros de escola ou hospital. Contudo, todos que lá se encontram concordam que tudo começa em um mesmo e outro lugar, o qual, convencionalmente, achamos por bem chamar coração.
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Mariana Furst tem 29 anos, é mestre em teoria literária e assistente editorial da editora Ultimato
É quando se esquece as certezas, é quando se acha ridículo as antigas emoções, é quando a experiência transcendente parece nunca ter acontecido. Porém, aconteceu.
É domingo. A sinfonia dos pássaros prepara-se para acordar mais uma manhã. As flores sorriem nos gramados e as árvores já começam a dançar. Algumas pétalas deitam-se ao chão e formam um tapete para o vento passar. O sol do novo dia alfineta as casas com os seus raios e um deles já entra pela minha janela. Ao sair sinto-o na pele e contemplo a sua luz.
Fazemos um curto trajeto. Na subida da rua, algumas famílias se encontram e adentram os portões de ferro juntamente conosco. Ouvem-se vozes até a chegada da porta. Do lado de dentro, um reverente silêncio. Os cânticos de contrição alternam-se aos de comunhão. Gosto dos momentos de música e também de apertar a mão dos que estão ao meu lado e me desejam a paz; mas aprecio igualmente o momento em que nos colocamos de joelho e um pequenino sino faz-nos baixar as cabeças. Há a fila dos que comungam, a benção final que insisto em imitar, as pessoas que vão à frente fazer a leitura e as palavras que pouco entendo no decorrer da explicação, pois o celebrante guarda um forte sotaque holandês em sua fala. Aquele franzino senhor me ensinaria, entretanto, um pouco sobre humilhação. Em dias de Semana Santa, deitado, testa ao chão, estirava-se no meio da igreja, como se diante do bom e terrível Deus estivesse.
Ainda domingo de manhã. A campainha toca e corro com a minha Bíblia, caderno e lápis dentro de uma bolsinha a tiracolo. As amigas, quase da mesma idade, chamam-me para mais uma escola bíblica dominical. Ao chegarmos, vemos o regente que entoa um cântico do hinário na frente da igreja. Dividimos as classes em seguida e, na reunião infantil, mais música, palmas, gestos e sorrisos. Na sala, a professora explica cuidadosamente a lição que por alguns domingos estudaremos. Lemos alto um versículo bíblico que repetiremos ao longo da semana, oramos por um alvo em comum e nos dirigimos ao templo. Há dias em que damos as mãos para uma oração comunitária, há aqueles em que depois da ceia comemos o que sobrou da mesa. Brincamos no pátio e em seguida voltamos para a casa. Senão, vamos almoçar na casa de amigo, irmão, parente que gentilmente nos convida.
Um domingo de manhã. Vamos juntas, depois de anos, a uma igreja perto de nossa casa. Nas outras vezes vou só. Não há mais uma mão a me conduzir ou um grupo de amigas a me chamar, preciso trilhar meus caminhos sozinha, inclusive esse. Machuquei-me, desiludi-me, perdi o gosto, a fé, a força e demorei para reconhecer isso; mas os sinais continuam ali. Abraçam-me na entrada, ouço o cântico de início, escuto a mensagem, entendo o conteúdo e pouco a pouco caem meus cacos. Faz-me de novo. Lava-me a mente, limpa-me a alma. Novamente me ensina o que é entoar uma canção congregacional. Por um milagre posso senti-lo outra vez. Lembra-me da comunhão, dos elementos da celebração, dos versos memorizados, dos joelhos dobrados, das mãos dadas. Emociono-me.
De repente ergue-se o santuário e, dentro dele, pensamentos e sentimentos, mãos dadas brincam de rodopiar ao som da cantiga de roda que ele canta para eles. E porque de mãos dadas, e porque embalados por envolvente som, podem por vezes sentir as sacudidelas e, em outras, até tombar; porém, ambos se sustentam, ou melhor, são sustentados. Outros santuários os apoiam, verdadeira sustentação que ele criou. No domingo, entram todos juntos na grande casa, e ali são edificados. Alguns a chamam de lar, outros de escola ou hospital. Contudo, todos que lá se encontram concordam que tudo começa em um mesmo e outro lugar, o qual, convencionalmente, achamos por bem chamar coração.
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Mariana Furst tem 29 anos, é mestre em teoria literária e assistente editorial da editora Ultimato
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