Opinião
- 30 de abril de 2014
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Igreja e universidade (parte 2)
A universidade no Ocidente nasceu do Cristianismo. Desde o período medieval e na modernidade ela resultou de movimentos intelectuais formalizados em instituições ligadas à religião cristã na sociedade europeia, quando de sua hegemonia.
Esta hegemonia, outrora consolidada nas alianças com o estado e com as classes dominantes, tem sido deslocada num mundo mais globalizado e plural, embora numericamente a população mundial em sua maioria se confesse cristã de alguma forma e as grandes igrejas permaneçam como referência no mundo (pós) moderno.
No medievo, o escolasticismo dos séculos 12 a 14 foi o pensamento oficial do cristianismo, de onde vieram os primeiros cursos. Em cidades como Paris, os professores eram contratados pelo próprio bispo que sentava na sua cadeira (cátedra) na igreja principal, a catedral. Os mestres catedráticos com os seus carismas da inteligência, da didática, da argumentação e da capacidade crítica, atraíam alunos vindos das famílias nobres e da emergente burguesia, como foi o exemplo de Abelardo. Estes alunos transformavam o cotidiano das cidades com suas arruaças e juventude, empolgados com o clima intelectual produzido pelos mestres.
Eles vinham aprender as “universitas”, ou seja, as disciplinas universais como o direito, a medicina, a gramática, a álgebra, a retórica, a filosofia e a teologia. Paris era “o forno onde se assava o pão da cristandade”, diziam, e a teologia era a principal disciplina e saber a ser ensinada. Os demais saberes eram complementares à teologia.
Mas este projeto de ensino teve uma dívida com as traduções de textos orientais gregos por parte dos islâmicos, como Avicena e Averrois. Aristóteles foi introduzido na Europa por meio de traduções do árabe para o latim que trouxeram uma revolução no pensamento cristão, de influência até os nossos dias, contribuindo com o pensamento escolástico. O modo com se passou a refletir a relação entre a revelação e a natureza, a fé e a razão, Deus e a história, a Igreja e o estado e a própria espiritualidade foi diretamente influenciado por aquelas traduções e pela filosofia aristotélica.
Os beneditinos foram a principal ordem religiosa ligada a este pensamento, assim como também responsável pela inquisição do santo ofício. Por um lado, o conhecimento e o saber não estavam divorciados da piedade, da devoção, da contemplação e do serviço à Igreja. Mas, por outro, foram utilizados como discurso que justificou e legitimou o uso da violência por parte da Igreja contra os pagãos, os judeus, os ciganos, os heréticos, os imorais e os islâmicos. A universidade e a Inquisição foram projetos paralelos no medievo, estendendo-se esta até o século19, nos países de colonização ibérica.
Na era moderna, o cristianismo católico hispânico abriu universidades como a de Lima no Peru, sob a responsabilidade de ordens religiosas cultas e missionárias. Portugal proibiu a criação de universidades no Brasil enquanto colônia, junto com outras atividades comerciais e industriais, legando ao Brasil uma condição de atraso em relação à América espanhola e à Europa.
Com a Reforma Protestante do século 16 e a modernidade, uma mudança fundamental se deu com a desvinculação das universidades à Igreja, mas atreladas às monarquias nacionais protestantes e suas igrejas oficiais. Tanto na Europa como nos Estados Unidos, novas universidades se formaram com base nas crenças protestantes, sendo o conhecimento um meio de glorificar a Deus e um instrumento para criar uma nova sociedade. Uma de suas propostas era a educação tanto de base para as crianças, defendida por Lutero, como os estudos mais avançados sob a convicção de que Deus havia dado a razão humana como um dos meios para conhecer e decifrar a sua criação.
Os pressupostos protestantes do livre exame das Escrituras e o uso da razão em sua autonomia da tradição proporcionaram uma nova base intelectual. A autonomia da razão ante a revelação e a fé, a observação da natureza como fenômenos autoexplicativos, o empirismo como a base para a verdade e o espírito científico da pesquisa foram estimulados pela abertura trazida pela Reforma, pelo Renascimento e pela filosofia moderna. A teologia, contudo, permaneceu como saber principal e superior ante os demais saberes, mas estes conquistaram um novo estatuto e patamar de importância, condição mudada nos séculos 19 e 20.
Paradoxalmente, as universidades foram espaços de fermento e de questionamento, de renovação e de desconstrução do próprio cristianismo no decorrer do tempo. Precisamos refletir sobre essa história.
Nota: este é o segundo artigo da série “Igreja e Universidade”. Um resgate histórico da relação entre ambos pode ajudar a melhorar a relação hoje. Leia o primeiro artigo.
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Esta hegemonia, outrora consolidada nas alianças com o estado e com as classes dominantes, tem sido deslocada num mundo mais globalizado e plural, embora numericamente a população mundial em sua maioria se confesse cristã de alguma forma e as grandes igrejas permaneçam como referência no mundo (pós) moderno.
No medievo, o escolasticismo dos séculos 12 a 14 foi o pensamento oficial do cristianismo, de onde vieram os primeiros cursos. Em cidades como Paris, os professores eram contratados pelo próprio bispo que sentava na sua cadeira (cátedra) na igreja principal, a catedral. Os mestres catedráticos com os seus carismas da inteligência, da didática, da argumentação e da capacidade crítica, atraíam alunos vindos das famílias nobres e da emergente burguesia, como foi o exemplo de Abelardo. Estes alunos transformavam o cotidiano das cidades com suas arruaças e juventude, empolgados com o clima intelectual produzido pelos mestres.
Eles vinham aprender as “universitas”, ou seja, as disciplinas universais como o direito, a medicina, a gramática, a álgebra, a retórica, a filosofia e a teologia. Paris era “o forno onde se assava o pão da cristandade”, diziam, e a teologia era a principal disciplina e saber a ser ensinada. Os demais saberes eram complementares à teologia.
Mas este projeto de ensino teve uma dívida com as traduções de textos orientais gregos por parte dos islâmicos, como Avicena e Averrois. Aristóteles foi introduzido na Europa por meio de traduções do árabe para o latim que trouxeram uma revolução no pensamento cristão, de influência até os nossos dias, contribuindo com o pensamento escolástico. O modo com se passou a refletir a relação entre a revelação e a natureza, a fé e a razão, Deus e a história, a Igreja e o estado e a própria espiritualidade foi diretamente influenciado por aquelas traduções e pela filosofia aristotélica.
Os beneditinos foram a principal ordem religiosa ligada a este pensamento, assim como também responsável pela inquisição do santo ofício. Por um lado, o conhecimento e o saber não estavam divorciados da piedade, da devoção, da contemplação e do serviço à Igreja. Mas, por outro, foram utilizados como discurso que justificou e legitimou o uso da violência por parte da Igreja contra os pagãos, os judeus, os ciganos, os heréticos, os imorais e os islâmicos. A universidade e a Inquisição foram projetos paralelos no medievo, estendendo-se esta até o século19, nos países de colonização ibérica.
Na era moderna, o cristianismo católico hispânico abriu universidades como a de Lima no Peru, sob a responsabilidade de ordens religiosas cultas e missionárias. Portugal proibiu a criação de universidades no Brasil enquanto colônia, junto com outras atividades comerciais e industriais, legando ao Brasil uma condição de atraso em relação à América espanhola e à Europa.
Com a Reforma Protestante do século 16 e a modernidade, uma mudança fundamental se deu com a desvinculação das universidades à Igreja, mas atreladas às monarquias nacionais protestantes e suas igrejas oficiais. Tanto na Europa como nos Estados Unidos, novas universidades se formaram com base nas crenças protestantes, sendo o conhecimento um meio de glorificar a Deus e um instrumento para criar uma nova sociedade. Uma de suas propostas era a educação tanto de base para as crianças, defendida por Lutero, como os estudos mais avançados sob a convicção de que Deus havia dado a razão humana como um dos meios para conhecer e decifrar a sua criação.
Os pressupostos protestantes do livre exame das Escrituras e o uso da razão em sua autonomia da tradição proporcionaram uma nova base intelectual. A autonomia da razão ante a revelação e a fé, a observação da natureza como fenômenos autoexplicativos, o empirismo como a base para a verdade e o espírito científico da pesquisa foram estimulados pela abertura trazida pela Reforma, pelo Renascimento e pela filosofia moderna. A teologia, contudo, permaneceu como saber principal e superior ante os demais saberes, mas estes conquistaram um novo estatuto e patamar de importância, condição mudada nos séculos 19 e 20.
Paradoxalmente, as universidades foram espaços de fermento e de questionamento, de renovação e de desconstrução do próprio cristianismo no decorrer do tempo. Precisamos refletir sobre essa história.
Nota: este é o segundo artigo da série “Igreja e Universidade”. Um resgate histórico da relação entre ambos pode ajudar a melhorar a relação hoje. Leia o primeiro artigo.
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Lyndon de Araújo Santos é historiador, professor universitário e pastor da Igreja Evangélica Congregacional em São Luís, MA. Faz parte da Fraternidade Teológica Latino-americana - Setor Brasil (FTL-Br).
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