Opinião
- 20 de outubro de 2009
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Igreja: decifra-me ou devoro-te!
Derval Dasilio
Diria a esfinge. Esta figura egípcia definiria melhor a igreja sociológica cristã atual, em razão de sua imagem total, um ser composto de várias formas: tórax de leão, corpo de touro, asas de águia, cabeça de homem – símbolos imediatos nos domínios ancestrais atávicos. Leão: vida emocional. Águia: vida mental e intelectual. Touro: vida instintiva e vegetativa. Homem: consciência da existência total. Sabemos, no entanto, que os símbolos biblicamente são outros. Assírios, babilônicos, persas, gregos e romanos não são esquecidos como influência literária.
Poderíamos visualizar na igreja um lugar para “comer junto”, comunhão em torno da mesa? Externamente, vive-se mentirosamente sob uma ideia comum de comunhão (Igreja de Cristo), porém são diversos os sentidos que damos aos sacramentos e à missão na diversidade anárquica. Comer na mesma “mesa”, comunhão de diferentes nos alimentos da “ceia do Senhor”, hospitalidade eucarística sem restrições, era um grande problema. Continua sendo. De fato, cristãos mediterrânicos adaptavam-se e compreendiam a Eucaristia (“eucaristein”) e a diversidade por força do ensinamento apostólico.
O reino de Deus não se confunde com igreja alguma; fundamentalista católica ou protestante. Os perseguidores estão também no meio da comunidade. Apontam o fracasso, aguçam o desespero, instilam a covardia e o temor ao naufrágio, analisam o futuro de modo pessimista. Cristo, porém, na fé apostólica primitiva, é concreto, e não um produto de mercado ou um símbolo salvacionista abstrato. Não é um nome que possa ser utilizado impunemente na venda de amuletos, produtos simbólicos, religiosos e “curativos” (mesmo que seja um “cristo” como esparadrapo e analgésico). A magia, o curandeirismo e a superstição constituem um perigo tempestuoso que leva ao naufrágio.
A religião pessoal recente, contemporânea, não é estranha à igreja do tempo bíblico. Nesta as aspirações espirituais se misturavam com solicitações grosseiras e vulgares de satisfação física e material (H.H.Rowdon). Não havia uma linha demarcatória entre o culto mágico e a nova religião dissidente do judaísmo bíblico. Práticas de astrologia, adivinhação, eram elementos que permeiavam o culto cristão. Papiros de magia contendo orações e hinos “libertadores” eram elementos que circulavam juntamente com esboços das fontes dos evangelhos. Maldições e pragas se insinuavam em práticas supersticiosas repulsivas. Qual a diferença hoje?
A fé da igreja apostólica, “Eu te estabeleci como luz entre as nações, para que sejas portador de salvação até os confins da terra” (At 13.47), extinguiu-se? Muitos se enganam quando insistem que as comunidades nascentes no período neotestamentário viveram sem conflitos; que tiveram identidades únicas definidas com rigor doutrinal. Idealização absurda, irreal. Não houve jamais eclesiologias idênticas, que organizam os ministérios ordenados uniformemente (impossível dedução, diante da diversidade mediterrânica). Missão e sacramentos são compartilhados em recomendação apostólica: a Igreja é missão e ministérios, em totalidade, afirmou Joaquim Beato.
Falta-nos examinar estes pontos e contradições. Os conflitos vão crescendo, as dificuldades se impõem. Atos dos Apóstolos, minimizando, mantém seu objetivo conciliatório. Mas a igreja de Jerusalém é apostólica, ecumênica, missionária e diaconal.
A questão dos pobres e dos excluídos na igreja também estava em relevo (At 2.42-47; 4.32-35), por exemplo, e no século seguinte passaria para o segundo plano, para ser “amortecida” por quase vinte séculos. Com raras exceções, como enfatizavam Francisco de Assis (século13), Spener (século 17) e mais tarde John Wesley (século18). Mais recentemente, Bonhoeffer, Luther King, Romero, Hélder Câmara, Jaime Wright, Mandela, Desmond Tuto.
A questão das desigualdades desinteressava a comunidade cristã enquanto tomavam forma movimentos de espiritualização e ascetismo, de iconoclastia e “purificação” de símbolos eclesiásticos, entre outros. Não se passa incólume sobre esta questão, pois pobres e oprimidos, como tais, são tema permanente do Evangelho de Jesus Cristo, entre diferentes e vítimas das desigualdades. “O reino de Deus e a sua justiça” deveriam ser uma bandeira da Igreja. Enfim, o que é mesmo a Igreja, se levamos em conta as deformações do momento? Decifra-me ou devoro-te...
Diria a esfinge. Esta figura egípcia definiria melhor a igreja sociológica cristã atual, em razão de sua imagem total, um ser composto de várias formas: tórax de leão, corpo de touro, asas de águia, cabeça de homem – símbolos imediatos nos domínios ancestrais atávicos. Leão: vida emocional. Águia: vida mental e intelectual. Touro: vida instintiva e vegetativa. Homem: consciência da existência total. Sabemos, no entanto, que os símbolos biblicamente são outros. Assírios, babilônicos, persas, gregos e romanos não são esquecidos como influência literária.
Poderíamos visualizar na igreja um lugar para “comer junto”, comunhão em torno da mesa? Externamente, vive-se mentirosamente sob uma ideia comum de comunhão (Igreja de Cristo), porém são diversos os sentidos que damos aos sacramentos e à missão na diversidade anárquica. Comer na mesma “mesa”, comunhão de diferentes nos alimentos da “ceia do Senhor”, hospitalidade eucarística sem restrições, era um grande problema. Continua sendo. De fato, cristãos mediterrânicos adaptavam-se e compreendiam a Eucaristia (“eucaristein”) e a diversidade por força do ensinamento apostólico.
O reino de Deus não se confunde com igreja alguma; fundamentalista católica ou protestante. Os perseguidores estão também no meio da comunidade. Apontam o fracasso, aguçam o desespero, instilam a covardia e o temor ao naufrágio, analisam o futuro de modo pessimista. Cristo, porém, na fé apostólica primitiva, é concreto, e não um produto de mercado ou um símbolo salvacionista abstrato. Não é um nome que possa ser utilizado impunemente na venda de amuletos, produtos simbólicos, religiosos e “curativos” (mesmo que seja um “cristo” como esparadrapo e analgésico). A magia, o curandeirismo e a superstição constituem um perigo tempestuoso que leva ao naufrágio.
A religião pessoal recente, contemporânea, não é estranha à igreja do tempo bíblico. Nesta as aspirações espirituais se misturavam com solicitações grosseiras e vulgares de satisfação física e material (H.H.Rowdon). Não havia uma linha demarcatória entre o culto mágico e a nova religião dissidente do judaísmo bíblico. Práticas de astrologia, adivinhação, eram elementos que permeiavam o culto cristão. Papiros de magia contendo orações e hinos “libertadores” eram elementos que circulavam juntamente com esboços das fontes dos evangelhos. Maldições e pragas se insinuavam em práticas supersticiosas repulsivas. Qual a diferença hoje?
A fé da igreja apostólica, “Eu te estabeleci como luz entre as nações, para que sejas portador de salvação até os confins da terra” (At 13.47), extinguiu-se? Muitos se enganam quando insistem que as comunidades nascentes no período neotestamentário viveram sem conflitos; que tiveram identidades únicas definidas com rigor doutrinal. Idealização absurda, irreal. Não houve jamais eclesiologias idênticas, que organizam os ministérios ordenados uniformemente (impossível dedução, diante da diversidade mediterrânica). Missão e sacramentos são compartilhados em recomendação apostólica: a Igreja é missão e ministérios, em totalidade, afirmou Joaquim Beato.
Falta-nos examinar estes pontos e contradições. Os conflitos vão crescendo, as dificuldades se impõem. Atos dos Apóstolos, minimizando, mantém seu objetivo conciliatório. Mas a igreja de Jerusalém é apostólica, ecumênica, missionária e diaconal.
A questão dos pobres e dos excluídos na igreja também estava em relevo (At 2.42-47; 4.32-35), por exemplo, e no século seguinte passaria para o segundo plano, para ser “amortecida” por quase vinte séculos. Com raras exceções, como enfatizavam Francisco de Assis (século13), Spener (século 17) e mais tarde John Wesley (século18). Mais recentemente, Bonhoeffer, Luther King, Romero, Hélder Câmara, Jaime Wright, Mandela, Desmond Tuto.
A questão das desigualdades desinteressava a comunidade cristã enquanto tomavam forma movimentos de espiritualização e ascetismo, de iconoclastia e “purificação” de símbolos eclesiásticos, entre outros. Não se passa incólume sobre esta questão, pois pobres e oprimidos, como tais, são tema permanente do Evangelho de Jesus Cristo, entre diferentes e vítimas das desigualdades. “O reino de Deus e a sua justiça” deveriam ser uma bandeira da Igreja. Enfim, o que é mesmo a Igreja, se levamos em conta as deformações do momento? Decifra-me ou devoro-te...
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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