Opinião
- 19 de setembro de 2014
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Homens e Deuses
“Des hommes et des dieux” é uma produção francesa de 2010, do diretor Xavier Beauvois, que representou o aclamado cinema daquele país na disputa do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2011. O filme é simplesmente maravilhoso, belo e sensível como poucos. O título do filme é extraído dos Salmos 82.6-7 (nas versões protestantes) e 81.6-7 nas versões católicas. A versão em francês é muito elegante, com a sonoridade elegante daquele idioma primo do nosso: “Vous êtes des dieux, des fils du Très-Haut, vous tous. Portant, vous mourrez comme des hommes, comme les princês, tous, vous tomberez”. A tradução da Bíblia de Jerusalém traz “Eu declarei: vós sois deuses, todos vós sois filhos do Altíssimo; contudo, morrereis como qualquer homem, caireis como qualquer, ó príncipes”.
O filme é baseado em fato verídico: em 1996 no interior da Argélia, que sofria guerra civil, havia um mosteiro cisterciense de monges franceses “brancos” – antes de prosseguir, é necessário explicar: os cistercienses “brancos” são assim chamados por conta de seus hábitos impecavelmente brancos, em contraste com os “negros”, que usam hábitos de cor preta. Explicação feita, prossigamos: Beauvois é habilidoso ao mostrar como os monges convivem harmoniosa e pacificamente com a população muçulmana da aldeia vizinha. Eles aprenderam o árabe, prestam serviços médicos (um dos monges é formado em medicina), ajudam na agricultura, enfim, eles exercem “missão integral” naquele lugarejo. Mas logo terroristas muçulmanos radicais chegam, e começam a perturbar a paz, tanto da população local, como dos monges. Eles são o alvo perfeito dos terroristas radicais, pois são cristãos, estrangeiros, e não qualquer tipo de estrangeiros, mas franceses – parece que algumas feridas do tempo em que a Argélia era colônia da França ainda não cicatrizaram por completo. Albert Camus, que era pied noir, que o diga... A polícia local também perturba os monges, acusando-os de serem cúmplices dos terroristas. Logo, eles se veem atacados por todos os lados.
Aí começam a surgir conflitos. A meu ver, o grande mérito do filme de Beauvois é mostrar o que é a santidade. Aqueles cistercienses franceses são santos, mas o filme retrata a santidade deles sem o menor traço de pieguice. Acho que por isso gostei tanto do filme – aprendi que, via de regra, os santos verdadeiros não são piegas. Aprendi também que pieguice rima com hipocrisia e maldade. Não na gramática, mas na vida. Por isso, santidade não deve ser confundida com pieguice. Beauvois foi também habilidoso ao mostrar que por baixo dos hábitos brancos, há homens de verdade, de carne e osso, com todas as contradições do que significa ser humano. Eles têm medo. Eles discordam entre si. Em um momento, quando os terroristas invadem o mosteiro, o mais velho do grupo se esconde debaixo de uma cama. Ameaçados, fazem uma reunião, uma assembleia para decidir o que farão. Não chegam a consenso. Um deles se lembra do pai, velhinho na França, já com mais de 80, que precisa dos cuidados do filho. Outro diz que seu chamado foi para ser missionário, não mártir. Mas eles continuam ali. Na segunda assembleia que realizam, todos resolvem permanecer. E pagaram com a própria vida sua “teimosia”.
O filme é recente, mas é e será cada vez mais atual. O radicalismo terrorista islâmico não dá sinais de arrefecer seus ânimos. Muito pelo contrário. Enquanto escrevo estas linhas, o grupo terrorista radical autodenominado “Estado Islâmico no Iraque e na Síria” (a sigla em inglês é ISIS) continua expulsando os cristãos que estão no Iraque séculos antes do surgimento do Islã e continuam decapitando ocidentais. Tudo indica que esta situação só vai piorar nos próximos anos.
“Homens e deuses” é totalmente diferente dos filmes estadunidenses de ação estilo blockbuster cheios de explosões, piadinhas previsíveis, pancadarias, efeitos especiais e enredos que zombam da inteligência de qualquer mortal. Antes, é um filme que muitos poderão considerar “devagar” demais, especialmente as cenas em que os monges entoam seus cantos gregorianos. Mas é um filme que desafia, que incomoda, que faz pensar. Um filme que mexe com nosso comodismo. Que mostra como santidade e humanidade rimam – na gramática e na existência.
O filme é baseado em fato verídico: em 1996 no interior da Argélia, que sofria guerra civil, havia um mosteiro cisterciense de monges franceses “brancos” – antes de prosseguir, é necessário explicar: os cistercienses “brancos” são assim chamados por conta de seus hábitos impecavelmente brancos, em contraste com os “negros”, que usam hábitos de cor preta. Explicação feita, prossigamos: Beauvois é habilidoso ao mostrar como os monges convivem harmoniosa e pacificamente com a população muçulmana da aldeia vizinha. Eles aprenderam o árabe, prestam serviços médicos (um dos monges é formado em medicina), ajudam na agricultura, enfim, eles exercem “missão integral” naquele lugarejo. Mas logo terroristas muçulmanos radicais chegam, e começam a perturbar a paz, tanto da população local, como dos monges. Eles são o alvo perfeito dos terroristas radicais, pois são cristãos, estrangeiros, e não qualquer tipo de estrangeiros, mas franceses – parece que algumas feridas do tempo em que a Argélia era colônia da França ainda não cicatrizaram por completo. Albert Camus, que era pied noir, que o diga... A polícia local também perturba os monges, acusando-os de serem cúmplices dos terroristas. Logo, eles se veem atacados por todos os lados.
Aí começam a surgir conflitos. A meu ver, o grande mérito do filme de Beauvois é mostrar o que é a santidade. Aqueles cistercienses franceses são santos, mas o filme retrata a santidade deles sem o menor traço de pieguice. Acho que por isso gostei tanto do filme – aprendi que, via de regra, os santos verdadeiros não são piegas. Aprendi também que pieguice rima com hipocrisia e maldade. Não na gramática, mas na vida. Por isso, santidade não deve ser confundida com pieguice. Beauvois foi também habilidoso ao mostrar que por baixo dos hábitos brancos, há homens de verdade, de carne e osso, com todas as contradições do que significa ser humano. Eles têm medo. Eles discordam entre si. Em um momento, quando os terroristas invadem o mosteiro, o mais velho do grupo se esconde debaixo de uma cama. Ameaçados, fazem uma reunião, uma assembleia para decidir o que farão. Não chegam a consenso. Um deles se lembra do pai, velhinho na França, já com mais de 80, que precisa dos cuidados do filho. Outro diz que seu chamado foi para ser missionário, não mártir. Mas eles continuam ali. Na segunda assembleia que realizam, todos resolvem permanecer. E pagaram com a própria vida sua “teimosia”.
O filme é recente, mas é e será cada vez mais atual. O radicalismo terrorista islâmico não dá sinais de arrefecer seus ânimos. Muito pelo contrário. Enquanto escrevo estas linhas, o grupo terrorista radical autodenominado “Estado Islâmico no Iraque e na Síria” (a sigla em inglês é ISIS) continua expulsando os cristãos que estão no Iraque séculos antes do surgimento do Islã e continuam decapitando ocidentais. Tudo indica que esta situação só vai piorar nos próximos anos.
“Homens e deuses” é totalmente diferente dos filmes estadunidenses de ação estilo blockbuster cheios de explosões, piadinhas previsíveis, pancadarias, efeitos especiais e enredos que zombam da inteligência de qualquer mortal. Antes, é um filme que muitos poderão considerar “devagar” demais, especialmente as cenas em que os monges entoam seus cantos gregorianos. Mas é um filme que desafia, que incomoda, que faz pensar. Um filme que mexe com nosso comodismo. Que mostra como santidade e humanidade rimam – na gramática e na existência.
É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
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