Opinião
17 de abril de 2009
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Hermenêutica com (mais) propósito: interpretação bíblica para hoje

No entanto, grande parte da atual prática de interpretação bíblica tem se desviado daquela dos principais reformadores, que não foram dispensacionalistas, pré-milenaristas, pré-tribulacionistas etc. Foram simplesmente cristocêntricos, literais e históricos.
Adotamos o método literal e histórico de interpretação, sim, e vemos com restrições uma interpretação devocional da Bíblia ao estilo do pietismo, que rotulamos de “subjetiva”. Por outro lado, nosso meio é solo fértil para vertentes triunfalistas com típicas inconsistências pós-modernas, pois falhamos na interpretação capaz de alimentar uma vida cristã prática. Falhamos em compatibilizar rigor histórico-literal com propósito devocional. Um exemplo encontra-se nas tão debatidas interpretações dos primeiros capítulos da Bíblia e de passagens escatológicas, em que prazerosamente articulamos complexas especulações sobre o passado e o futuro. Ali atolamos, às vezes em meio a conflitos com a ciência, e, o que é pior, sem obter algo de valor devocional, valor que muitos passam a buscar, com “muita fé”, num inconsistente experiencialismo triunfalista, em “fogo estranho”.
É como se a nós se aplicasse a quarta estrofe da Canção da Noite (“Abendlied”), um dos mais conhecidos poemas da literatura alemã, escrito por Matthias Claudius (1740-1815):
Nós humanos orgulhosos
e pecadores vaidosos
não sabemos muito.
Tecemos teias de ar,
buscamos muitas artes
e do destino continuamos a nos afastar.
Que hermenêutica proveria o foco adequado hoje? Considerando especificamente as passagens proféticas, uma possibilidade é o retorno ao enfoque pietista, que não renega o método literal e histórico, mas enfatiza a esperança (e não os detalhes) da segunda vinda de Jesus, proporcionando assim um poderoso eixo motivador para uma vida cristã prática e dinâmica.
Enfoque semelhante para o contexto geral é apontado por Menno Simons (1496-1562), num texto em que luta pela interpretação de passagens bíblicas sobre a encarnação. Menno percebe que sua formulação ficou rebuscada, de pouco valor prático. Diante do problema diz: “Certamente reconheço haver muito poucos que podem compreender corretamente este assunto, mesmo após ouvir sua exposição precisa. Por isto sou do parecer para mim e todos os professores que é melhor ensinar o assunto […] aos membros da congregação de forma simples e apostólica visando edificação, amor, consolo, santificação e levando-os a seguir a santa doutrina e a vida de Jesus. Queira Deus dar a todos este mesmo sentimento. No entanto, se houver alguém que deseja conhecimento mais profundo, e se lhe for útil e seu entendimento suficiente, então não lhe será escondido; caso contrário ser-lhe-á dito: 'Aplica-te àquilo que te é acessível e não te ocupes com coisas misteriosas. (Eclesiástico 3.22)’” 3,4
Portanto a resposta parece estar numa interpretação e aplicação motivadas pelo propósito de proporcionar edificação, amor, consolo, santificação, pelo desejo de seguir a doutrina e vida de Jesus (e não de algum teólogo) e levar outros a fazer o mesmo.
Fico surpreso com a riqueza das lições que podem ser aprendidas com os reformadores e seus sucessores mais próximos. Há ali potencial para um potente antídoto contra o inconsistente pós-modernismo evangélico, que se deleita com posições intelectualmente sutis e sofisticadas, tem problemas com a ciência e flerta com um experiencialismo inconsistente.
Notas
1. Hermenêutica é o conjunto de princípios, leis e métodos de interpretação, e sua aplicação.
2. L. Haarsma - "Cristianismo como um fundamento para a ciência", disponível em www.freewebs.com/kienitz/Haarsma_pt.pdf
3. Menno Simon – Vollständige Werke (Obras completas), parte 2, pg. 468, Pathway Publishers, 1971.(disponível no Google Books em books.google.com/books?id=c2o0L5Dyv5YC&hl=de). O grifo é meu.
4. Nesta citação Menno usa uma passagem apócrifa, não como palavra de Deus, mas como texto de sabedoria. Ele, Lutero e outros consideravam os apócrifos “livros que não são considerados iguais às Sagradas Escrituras, mas mesmo assim de leitura boa e proveitosa” (Lutero); chegaram até mesmo a pregar sobre eles.
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Site: http://www.freewebs.com/kienitz/
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Opinião do leitor
Josenaldo Silva
Lisboa - PIAcredito que no caso do Brasil, o problema hermenêutico é mais profundo do que o mencionado. No nosso caso,em alguns circulos evangélicos, não há sequer o cuidado hermenêutico. Impera o sentimentalsimo, o personalismo do lider na interpretação, a achologia etc.
Voto por uma ortodoxia bíblica da reforma.
Discordo do senhor Gondim, quando denomina a ortodoxia, de ortodoxolatria. Com certeza a sua hermenêutica é platônica, espiritualizada.
Abraços.

Raquel A. Paviotti Corcuera
Saojose Dos Campos - SPConcordo plenamente com o comentário do autor: "Portanto a resposta parece estar numa interpretação e aplicação motivadas pelo propósito de proporcionar edificação, amor, consolo, santificação, pelo desejo de seguir a doutrina e vida de Jesus (e não de algum teólogo) e levar outros a fazer o mesmo".

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