Opinião
- 26 de março de 2013
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Freud e Deus
Acabo de escrever um trabalho sobre as traduções da obra completa de Freud, um dos pensadores mais influentes de todos os tempos no mundo ocidental. Fui estimulada pelas descobertas recentes de que a versão “Standard” inglesa, traduzida pelo psicanalista britânico James Strachey entre os anos de 1953 e 1974, tem um viés comportamentalista (tipo estímulo-resposta). Freud era mais voltado a uma psicologia humanística e terapêutica, e menos à psiquiatria médica naturalista a que a tradução parece aderir. Especula-se que o que levou a essa distorção foi que os promotores da tradução de sua obra desejavam que ela tivesse uma maior chance de ser aceita pela “comunidade científica”, de acordo com os critérios de “cientificidade” naturalista e pragmatista (voltada para a experimentação) daquela época, principalmente nos Estados Unidos. Na acepção deles, ao que tudo indica, as obras de Freud tinham um cunho “literário demais” e isso, a seu ver, tinha que ser corrigido.
É dispensável comentar que as versões brasileiras posteriores das obras completas, baseadas na versão “Standard” inglesa foram marcadas pelo mesmo viés, acrescido de mais alguns problemas estruturais e semânticos sérios.
Então resolvi investigar algumas obras de Freud no original alemão, principalmente as que falam em religião (agora, para nossa alegria, elas estão em domínio público). E o resultado foi uma série de paralelos que Freud faz entre a psicanálise e a religião, chamando os psicanalistas de “pastores da alma”, por exemplo. Não se contentando em acusar a religião de funcionar com substituto ilegítimo e forçoso da ciência, Freud propõe o inverso: substituir a religião por sua ciência psicanalítica.
O que eu procurei deixar claro em meu artigo não era a questão de Deus em si - se Ele existe ou não -, nem mesmo se Freud acreditava nele ou não, mas somente confirmar o quanto as questões ligadas à alma e ao espírito (erroneamente traduzidas como “mente” em alguns trechos das traduções) são frequentes. Não adianta me dizer que o sentido de “alma” atribuído por Freud não é necessariamente o cristão, mas um conceito filosófico dos gregos; pode até não ser. Mas o que fica claro nos escritos de Freud sobre a religião e a religiosidade é que essas discussões não podem ser reduzidas aos limites estreitos da ciência medicinal e material, pois ela diz respeito ao inconsciente.
Tudo isso me fez revisitar o meu trabalho tradutório de Deus em Questão, do professor e psiquiatra da Universidade de Harvard, Armand Nicholi. Além de apresentar um paralelo entre o percurso espiritual de cada um desses personagens, Nicholi resume o que eles pensavam sobre as grandes questões da vida como sexo, o sentido da vida e principalmente Deus. Isso, de uma forma bem acessível e interessante para aqueles que desejam entender melhor as teses de Freud, confrontadas com as bases da fé cristã, a partir da visão de alguém reconhecido pela comunidade científica. Muitos jovens que se perguntam a cerca da “questão de Deus”, inclusive cristãos, não têm para onde correr e podem encontrar o apoio que precisavam nesse livro.
Mas o grande mérito de Nicholi, além do fato de ele ter se baseado nas cartas de Freud que escaparam em boa parte a esse viés, é que ele demonstrou que a “questão de Deus” era a principal questão com a qual Freud se ocupava. Ela era infinitamente mais importante para ele, do que as questões químico-biológicas e relacionadas ao sexo. E, de acordo com as carta e entrevista de Nicholi com a filha de Freud, Ana Freud, essa questão estava longe de estar resolvida para ele, apesar de suas infinitas investidas contra a existência concreta de Deus, chamando-a de “ilusão”, “delírio” e coisas do gênero. Não vou revelar mais sobre o livro para que o leitor não perca a motivação de lê-lo.
O que eu não disse no artigo, mas acredito piamente, é que a leitura atenta das obras de Freud (e por que não Nietzsche, Lênin e outros?) pode levar uma pessoa “que tenha ouvidos para ouvir” a se fazer a pergunta sobre Deus, com sinceridade. E assim, paradoxalmente, Deus pode usar material contrário à sua própria existência para se manifestar aos sedentos por Ele. E ao invés de jogar pedras em Freud, sem ao menos tê-lo lido, que tal você, que é cristão, estar pronto quando surgir uma oportunidade assim?
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Felicidade para Freud e Lewis
Cartas entre Freud e Pfister
Freud versus Deus
É dispensável comentar que as versões brasileiras posteriores das obras completas, baseadas na versão “Standard” inglesa foram marcadas pelo mesmo viés, acrescido de mais alguns problemas estruturais e semânticos sérios.
Então resolvi investigar algumas obras de Freud no original alemão, principalmente as que falam em religião (agora, para nossa alegria, elas estão em domínio público). E o resultado foi uma série de paralelos que Freud faz entre a psicanálise e a religião, chamando os psicanalistas de “pastores da alma”, por exemplo. Não se contentando em acusar a religião de funcionar com substituto ilegítimo e forçoso da ciência, Freud propõe o inverso: substituir a religião por sua ciência psicanalítica.
O que eu procurei deixar claro em meu artigo não era a questão de Deus em si - se Ele existe ou não -, nem mesmo se Freud acreditava nele ou não, mas somente confirmar o quanto as questões ligadas à alma e ao espírito (erroneamente traduzidas como “mente” em alguns trechos das traduções) são frequentes. Não adianta me dizer que o sentido de “alma” atribuído por Freud não é necessariamente o cristão, mas um conceito filosófico dos gregos; pode até não ser. Mas o que fica claro nos escritos de Freud sobre a religião e a religiosidade é que essas discussões não podem ser reduzidas aos limites estreitos da ciência medicinal e material, pois ela diz respeito ao inconsciente.
Tudo isso me fez revisitar o meu trabalho tradutório de Deus em Questão, do professor e psiquiatra da Universidade de Harvard, Armand Nicholi. Além de apresentar um paralelo entre o percurso espiritual de cada um desses personagens, Nicholi resume o que eles pensavam sobre as grandes questões da vida como sexo, o sentido da vida e principalmente Deus. Isso, de uma forma bem acessível e interessante para aqueles que desejam entender melhor as teses de Freud, confrontadas com as bases da fé cristã, a partir da visão de alguém reconhecido pela comunidade científica. Muitos jovens que se perguntam a cerca da “questão de Deus”, inclusive cristãos, não têm para onde correr e podem encontrar o apoio que precisavam nesse livro.
Mas o grande mérito de Nicholi, além do fato de ele ter se baseado nas cartas de Freud que escaparam em boa parte a esse viés, é que ele demonstrou que a “questão de Deus” era a principal questão com a qual Freud se ocupava. Ela era infinitamente mais importante para ele, do que as questões químico-biológicas e relacionadas ao sexo. E, de acordo com as carta e entrevista de Nicholi com a filha de Freud, Ana Freud, essa questão estava longe de estar resolvida para ele, apesar de suas infinitas investidas contra a existência concreta de Deus, chamando-a de “ilusão”, “delírio” e coisas do gênero. Não vou revelar mais sobre o livro para que o leitor não perca a motivação de lê-lo.
O que eu não disse no artigo, mas acredito piamente, é que a leitura atenta das obras de Freud (e por que não Nietzsche, Lênin e outros?) pode levar uma pessoa “que tenha ouvidos para ouvir” a se fazer a pergunta sobre Deus, com sinceridade. E assim, paradoxalmente, Deus pode usar material contrário à sua própria existência para se manifestar aos sedentos por Ele. E ao invés de jogar pedras em Freud, sem ao menos tê-lo lido, que tal você, que é cristão, estar pronto quando surgir uma oportunidade assim?
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É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
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