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Opinião

Escolher não ter filhos: uma opção válida?

Por Daiana Rozi Mello Cargnin

O último Censo realizado no Brasil (2022) revelou que as famílias estão encolhendo com o passar das gerações, ou seja, os nossos lares possuem em média duas ou três pessoas. Se olhar para o retrato de família dos meus bisavós ou avós, me deparo com no mínimo dez filhos. Minha avó, uma mulher muito religiosa, teve todos os filhos que Deus permitiu ter em sua idade fértil. Minha mãe, teve uma experiência diferente, casou cedo, entretanto, planejou ter dois filhos para concomitante ter uma carreira profissional. Minha experiência não foi tão diferente, mas primeiro aconteceu o planejamento e investimento na carreira profissional e, posteriormente, a escolha de um parceiro conjugal e o planejamento de uma filha. Meu irmão fez o mesmo percurso que eu mas ele e sua esposa optaram por ser um casal sem filhos voluntariamente. Todas essas narrativas dizem respeito a um tempo datado e suas mudanças ao longo das gerações.

Essas trajetórias demonstram mudanças sociais no que diz respeito ao casamento e às decisões feitas pelos casais sobre as etapas no ciclo vital e seus impactos sobre seu futuro. O que mudou de minha bisavó para cá? Por que os casais passaram a decidir ter poucos filhos ou somente um? E, como um casal toma a decisão de não ter filhos? Esse tema é extremamente complexo e merece compreendermos as razões subjacentes à escolha feita. Para tanto é essencial construir uma compreensão mais abrangente das dinâmicas de casais e familiares contemporâneas.

A decisão dos casais de não ter filhos voluntariamente é complexa pois diz respeito, entre outras coisas, às suas experiências como filhos, ou seja, sobre como seus pais construíram a parentalidade, as crenças individuais acerca do que é ser pai e ser mãe no momento atual, sobre o investimento na carreira profissional, o encontro de um parceiro ou parceira, à rede de apoio, a manutenção de um certo estilo de vida entre outros atravessamentos. Inúmeros fatores socioculturais desempenham um papel significativo nessa decisão, como mudanças nas normas sociais e expectativas em relação ao papel dos indivíduos na sociedade. Valores pessoais, como a busca pela realização pessoal e profissional, também influenciam essa escolha. Além disso, preocupações ambientais e o desejo de reduzir o impacto humano no meio ambiente são motivadores cada vez mais relevantes.

Estudos apontam para diversos fatores, conscientes ou não, que estão relacionados à escolha do casal de não ter filhos voluntariamente e essa decisão traz inúmeras repercussões não apenas para os casais, como para suas famílias, amigos e comunidade.

Penso sobre como as nossas comunidades e líderes espirituais têm tratado deste tema tão caro para os indivíduos e os casais. A lei é que tenham filhos pois eles são as bênçãos de Deus? É pecado um homem ou uma mulher tomar a decisão de não ter filhos?


Assim, como o casamento não precisa ser uma escolha de todos, ter filhos também não. O que fica claro é que essa decisão precisa ter empenho e investimento individual e do casal para sondar e entender de onde vem a falta de desejo da parentalidade. A decisão de ter ou não filhos também perpassa por emoções, crenças e traumas. É preciso que o casal tenha maturidade para fazer essa escolha já que ela repercutirá pelo restante da vida.

As comunidades religiosas devem ter um papel formador, ou seja, serem/ser responsáveis por criar espaço de reflexão e de educação acerca de como construir um casamento saudável, como aprender a ser pais, como tomar decisões e construir uma família funcional ao longo da vida. Creio no papel social das instituições religiosas acolhendo pessoas que não podem ter filhos e as que escolhem voluntariamente não tê-los. Esse acolhimento pode ajudar a evitar generalizações que na maior parte das vezes simplificam e reduzem a decisão tomada pelo casal e projetam culpa e dor.

Existem diversos caminhos que podem levar os casais a tomarem a decisão de não terem filhos voluntariamente. Cabe pensarmos como estes irão vivenciar a consequência de suas escolhas, o impacto nas suas relações íntimas, os efeitos na saúde mental e qualidade de vida de cada sujeito.

  • Daiana Rozi Mello Cargnin, psicóloga e terapeuta sistêmica (INFAPA - Porto Alegre). Mestre em psicologia social e institucional pela UFRGS. Professora no curso de especialização em Terapia Familiar Sistêmica e de Aconselhamento Pastoral Familiar da Associação Brasileira de Assessoramento e Pastoral da Família – EIRENE do Brasil.em parceria com a FLT (Faculdade Luterana de Teologia – São Bento do Sul/SC). Membro de Eirene do Brasil e membro pleno Corpo de Psicóloga e Psiquiatras Cristãos. @psi.daianacargnin.

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