Opinião
- 20 de janeiro de 2017
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Esperança do novo ou medo do fim?
Por Ricardo Wesley
Estamos mesmo nos últimos tempos?
Não sei se pelos tempos sombrios em que vivemos, se pelo medo quanto ao futuro, ou se pelas incertezas, violência e desesperança, mas o fato é que ultimamente tenho com frequência ouvido expressões como essa: “estamos mesmo nos últimos tempos” ou ainda a clássica “faremos isso ou aquilo, se Jesus não voltar antes”. Costumo responder em silêncio, uma vez que não gosto de colocar data e hora naquilo que nem Jesus dizia conhecer. Ainda assim, confesso que tenho certo prazer no tema, em ler, meditar e até mesmo falar dessa tal esperança futura.
Não faz muito tempo, logo cedo, naquela quarta-feira que anunciava ao mundo que Trump fora eleito presidente dos EUA, causando surpresa ou temor em tantos, recordo haver pensado: “Será difícil explicar na igreja, nesse domingo, que o tema do sermão, relacionado ao ‘fim do mundo’, ao ‘fim dos tempos’, já havia sido escolhido muito antes de sequer imaginar que isso aconteceria.”
Reconheço que havia muito que não pregava sobre o tema. Para mim não era um tema intencionalmente relacionado ao que acontecia naquela semana. De todo modo, já que uma certa onda de medo e histeria parecia haver tomado conta de muitos, pensei que talvez nem fosse tão má ideia assim pregar sobre a nossa expectativa do dia do Senhor.
Daí, lembrei-me de um episódio que nos conta Chris Wright, que foi meu professor e de minha esposa na Inglaterra, nos anos 90. Ele relata uma interessante história de que estava em um avião, junto com John Stott, quando esse já tinha mais de 80 anos. Depois que o avião aterrissou, e como o avião taxiava lentamente, o comissário de bordo pediu que eles ficassem sentados, já que o avião não havia ainda chegado ao seu “destino final”. Como essa expressão, “destino final”, o lembrou muito da morte, ele disse algo como: “Ufa, que alívio!”. Daí ele olhou para o Stott e ficou sem graça, porque talvez a atitude de seu companheiro de viagem fosse diferente, ou porque ele mesmo imaginasse que seria melhor ter dito algo assim: “Puxa, que pena!”.
Enquanto aguardamos, Nárnia nos ensina a enfrentar a realidade
Foi por esses dias também que reli um trecho das sempre interessantes “Crônicas de Nárnia”, de C. S. Lewis. Nelas, aclaro para quem não as conhece, Nárnia é como que um universo paralelo, uma representação do Reino de Deus, tanto da criação no passado como também da realidade futura que ainda virá (a “terra de Aslam”), sendo que Aslam, o grande leão, é uma figura que representa a Cristo.
Logo no começo de um dos sete livros das crônicas de Nárnia (o quinto, A Viagem do Peregrino da Alvorada), vemos que duas crianças, Edmundo e Lúcia, conversavam sobre seu país secreto sempre que tinham oportunidade:
"A nossa história começa numa tarde em que Edmundo e Lúcia aproveitavam juntos alguns minutos preciosos. Como é óbvio, falavam de Nárnia, nome do país secreto deles. Acho que todos nós temos um país secreto, que, para a maioria, é apenas um país imaginário. Edmundo e Lúcia eram bem mais felizes: o seu país secreto era real. (...) E lá tinham recebido uma promessa, ou algo muito próximo disso, de que voltariam algum dia.”
Essa esperança e expectativa, mas também poderíamos dizer essa realidade, era algo que inundava suas vidas no presente. Nesse sentido, em lugar de funcionar como uma fuga, a atitude de aguardar com uma expectativa cheia de esperança o que ainda virá (os novos céus e a nova terra) seria uma excelente postura para, com mais leveza, mesclada com determinação e perseverança, enfrentar os desafios do tempo presente.
Você espera um “céu” entediante ou com tudo que há de belo na cultura humana?
Talvez uma pergunta válida então seja por que não falamos mais dessa realidade futura que ainda virá. Seria por medo? Ou por falta de fé? Ou ainda seria que nos sentimos aplastados, oprimidos pelo passado ou pelos desafios do presente, talvez pelos dois, passado e presente, sem conseguir sequer pensar no futuro? Talvez ainda por uma visão muito distorcida do que seria essa realidade futura (o "céu" como algo entediante, sem ação, sem criação, sem novas aventuras ou desafios?).
Suspeito que haja muito desse último ponto, uma visão distorcida, um "céu" sem a beleza da criação, sem a força da responsabilidade criativa que Deus nos deu, um platô sem muito mais o que esperar dali. Talvez precisemos redescobrir esse aspecto da escatologia que nos ensina que tudo o que há de belo e precioso em todas as culturas humanas ao longo da história estará ali, ainda que possivelmente em uma incompreensível nova dimensão do tempo e do espaço, esperando nossa intervenção criativa para seu contínuo e inimaginável desenvolvimento1.
Ao final, entendi que falar desse tema, em como nos preparamos para esse encontro futuro com Jesus, pode sim ser uma tarefa tão necessária quanto emocionante. Como então ficou o sermão naquela fatídica semana da vitória do Trump? Desenvolver o tema em mais detalhes demandaria outro possível futuro artigo, claro que se Jesus não voltar antes (sem ironias). O que posso lhes dizer agora foi que segui essa não muito criativa, mas clássica, estrutura dos três pontos: primeiro, estar prontos e alertas, quando buscar o bem é sempre melhor do que se entregar ao mal; segundo, aprender a apreciar e anelar o que ainda virá, numa esperança que nos inspira e nos alimenta no presente; terceiro, a tarefa de produzir frutos em uma espera ativa e responsável no mundo de hoje. Não há desânimo com topete alaranjado que resista a esse tipo de expectativa e atitude.
Nota
1. Os três capítulos da parte 4 do livro “O Deus que eu não entendo”, de Chris Wright, são excelente material sobre esse tema.
Leia mais
Plenitude do fim
Acerca do fim do mundo [Júlio Andrade Ferreira]
No fim das contas e no fim dos tempos
O fim da história
O Deus que Eu Não Entendo [Christopher Wrigth]
Foto: Eduin/Pixabay.com.
Estamos mesmo nos últimos tempos?
Não sei se pelos tempos sombrios em que vivemos, se pelo medo quanto ao futuro, ou se pelas incertezas, violência e desesperança, mas o fato é que ultimamente tenho com frequência ouvido expressões como essa: “estamos mesmo nos últimos tempos” ou ainda a clássica “faremos isso ou aquilo, se Jesus não voltar antes”. Costumo responder em silêncio, uma vez que não gosto de colocar data e hora naquilo que nem Jesus dizia conhecer. Ainda assim, confesso que tenho certo prazer no tema, em ler, meditar e até mesmo falar dessa tal esperança futura.
Não faz muito tempo, logo cedo, naquela quarta-feira que anunciava ao mundo que Trump fora eleito presidente dos EUA, causando surpresa ou temor em tantos, recordo haver pensado: “Será difícil explicar na igreja, nesse domingo, que o tema do sermão, relacionado ao ‘fim do mundo’, ao ‘fim dos tempos’, já havia sido escolhido muito antes de sequer imaginar que isso aconteceria.”
Reconheço que havia muito que não pregava sobre o tema. Para mim não era um tema intencionalmente relacionado ao que acontecia naquela semana. De todo modo, já que uma certa onda de medo e histeria parecia haver tomado conta de muitos, pensei que talvez nem fosse tão má ideia assim pregar sobre a nossa expectativa do dia do Senhor.
Daí, lembrei-me de um episódio que nos conta Chris Wright, que foi meu professor e de minha esposa na Inglaterra, nos anos 90. Ele relata uma interessante história de que estava em um avião, junto com John Stott, quando esse já tinha mais de 80 anos. Depois que o avião aterrissou, e como o avião taxiava lentamente, o comissário de bordo pediu que eles ficassem sentados, já que o avião não havia ainda chegado ao seu “destino final”. Como essa expressão, “destino final”, o lembrou muito da morte, ele disse algo como: “Ufa, que alívio!”. Daí ele olhou para o Stott e ficou sem graça, porque talvez a atitude de seu companheiro de viagem fosse diferente, ou porque ele mesmo imaginasse que seria melhor ter dito algo assim: “Puxa, que pena!”.
Enquanto aguardamos, Nárnia nos ensina a enfrentar a realidade
Foi por esses dias também que reli um trecho das sempre interessantes “Crônicas de Nárnia”, de C. S. Lewis. Nelas, aclaro para quem não as conhece, Nárnia é como que um universo paralelo, uma representação do Reino de Deus, tanto da criação no passado como também da realidade futura que ainda virá (a “terra de Aslam”), sendo que Aslam, o grande leão, é uma figura que representa a Cristo.
Logo no começo de um dos sete livros das crônicas de Nárnia (o quinto, A Viagem do Peregrino da Alvorada), vemos que duas crianças, Edmundo e Lúcia, conversavam sobre seu país secreto sempre que tinham oportunidade:
"A nossa história começa numa tarde em que Edmundo e Lúcia aproveitavam juntos alguns minutos preciosos. Como é óbvio, falavam de Nárnia, nome do país secreto deles. Acho que todos nós temos um país secreto, que, para a maioria, é apenas um país imaginário. Edmundo e Lúcia eram bem mais felizes: o seu país secreto era real. (...) E lá tinham recebido uma promessa, ou algo muito próximo disso, de que voltariam algum dia.”
Essa esperança e expectativa, mas também poderíamos dizer essa realidade, era algo que inundava suas vidas no presente. Nesse sentido, em lugar de funcionar como uma fuga, a atitude de aguardar com uma expectativa cheia de esperança o que ainda virá (os novos céus e a nova terra) seria uma excelente postura para, com mais leveza, mesclada com determinação e perseverança, enfrentar os desafios do tempo presente.
Você espera um “céu” entediante ou com tudo que há de belo na cultura humana?
Talvez uma pergunta válida então seja por que não falamos mais dessa realidade futura que ainda virá. Seria por medo? Ou por falta de fé? Ou ainda seria que nos sentimos aplastados, oprimidos pelo passado ou pelos desafios do presente, talvez pelos dois, passado e presente, sem conseguir sequer pensar no futuro? Talvez ainda por uma visão muito distorcida do que seria essa realidade futura (o "céu" como algo entediante, sem ação, sem criação, sem novas aventuras ou desafios?).
Suspeito que haja muito desse último ponto, uma visão distorcida, um "céu" sem a beleza da criação, sem a força da responsabilidade criativa que Deus nos deu, um platô sem muito mais o que esperar dali. Talvez precisemos redescobrir esse aspecto da escatologia que nos ensina que tudo o que há de belo e precioso em todas as culturas humanas ao longo da história estará ali, ainda que possivelmente em uma incompreensível nova dimensão do tempo e do espaço, esperando nossa intervenção criativa para seu contínuo e inimaginável desenvolvimento1.
Ao final, entendi que falar desse tema, em como nos preparamos para esse encontro futuro com Jesus, pode sim ser uma tarefa tão necessária quanto emocionante. Como então ficou o sermão naquela fatídica semana da vitória do Trump? Desenvolver o tema em mais detalhes demandaria outro possível futuro artigo, claro que se Jesus não voltar antes (sem ironias). O que posso lhes dizer agora foi que segui essa não muito criativa, mas clássica, estrutura dos três pontos: primeiro, estar prontos e alertas, quando buscar o bem é sempre melhor do que se entregar ao mal; segundo, aprender a apreciar e anelar o que ainda virá, numa esperança que nos inspira e nos alimenta no presente; terceiro, a tarefa de produzir frutos em uma espera ativa e responsável no mundo de hoje. Não há desânimo com topete alaranjado que resista a esse tipo de expectativa e atitude.
Nota
1. Os três capítulos da parte 4 do livro “O Deus que eu não entendo”, de Chris Wright, são excelente material sobre esse tema.
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Plenitude do fim
Acerca do fim do mundo [Júlio Andrade Ferreira]
No fim das contas e no fim dos tempos
O fim da história
O Deus que Eu Não Entendo [Christopher Wrigth]
Foto: Eduin/Pixabay.com.
É casado com Ruth e pai de Ana Júlia e Carolina. Integra o corpo pastoral da Igreja Metodista Livre da Saúde, em São Paulo (SP), serve globalmente como secretário adjunto para o engajamento com as Escrituras na IFES (International Fellowship of Evangelical Students) e também apoia a equipe da IFES América Latina.
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