Opinião
- 23 de janeiro de 2009
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Epifania: um olhar sobre a violência de nossos dias
Derval Dasilio
Observe um quadro, painel na verdade, entre os que melhor transmitem todo o desespero advindo da violência, que é intemporal numa sociedade, na guerra ou no terrorismo do crime organizado e da repressão policial inconsequente nas favelas das nossas cidades. Inocentes, pobres, desprotegidos, são vítimas preferenciais da violência. Guernica retrata um dia fatídico, trágico. Demonstra os resultados do bombardeio nazifascista. Franco e Hitler o haviam autorizado. Uma vila espanhola com pouco mais de sete mil habitantes teve metade de sua população morta pelas metralhadoras nazistas. Estranha coincidência com o fatídico 11 de setembro de 2001, no desabamento das torres gêmeas de Manhattan, Nova York.
Picasso compôs esse monumento à insanidade da violência enquanto desenhava um cavalo e um touro, como se quisesse compará-los à mula e ao boi dos presépios natalinos -- tão débeis e frágeis em sua mansidão, mas engrandecidos na representação de sofrimento, angústia e loucura que alcançam criaturas inocentes numa guerra inexplicável. Exemplarmente: Guernica abrigaria revoltosos e inconformados com a violência fascista na Espanha. A violência sufocante, hoje, explorada “ad infinito”, impõe-se também pelo extermínio das sementes de liberdade, enquanto se insufla o medo sem apresentar uma crítica real sobre sua origem.
Junto ao touro e ao cavalo o pintor colocou uma pomba moribunda. Por quê? Ali está a simbologia do Divino. O Espírito Santo de Deus testemunha a brutalidade da violência. Está identificado com os que sofrem, é vítima solidária na indústria de mortes violentas com as quais nos revoltamos ou nos conformamos. É, no entanto, Epifania; Deus se revela entre homens, mulheres e crianças brutalizados, que proclamam: Deus, solidário, está no meio de nós.
O testemunho de Picasso é válido para todos os tempos. Corpos mortos, almas feridas pela destruição daquilo que lhes vale mais, desde a cultura até os melhores valores éticos estraçalhados, compõem o cenário de horror. Bem próximo da pomba, o pintor espanhol pintou raios de uma luz misteriosa, sinal de iluminação interior, protegidos dos bombardeios exteriores; uma espécie de couraça garantidora da esperança de liberdade (sperma=semente).
Exterminam-se sementes de liberdade enquanto se insufla o medo. Homens e mulheres têm medo de sair nas ruas. Mas a doutrina trinitária do reino de Deus é a doutrina da liberdade. O Filho comunica, na mútua participação da vida indestrutível, que cada homem e cada mulher se tornam livres para além dos limites da sua individualidade, e descobrem o espaço vital comum da sua liberdade. Esse é o aspecto essencial da liberdade. O seu nome é amor e solidariedade.
Experimentamos nele a união da diversidade dos indivíduos e a união das coisas que foram separadas à força, pela violência. O Espírito Santo de Deus testemunha a violência contra a liberdade. Ele está no cotidiano, solidário, gemendo de dor com o sofrimento humano: "O Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis" (Rm 8.26). As vítimas da fábrica de mortes violentas, com as quais nos conformamos, reclamam da indignação dos crentes, porque Deus já está indignado com o sofrimento imposto pela criatura à própria criatura.
Um Deus imóvel e apático não poderia ser colocado como fundamento da liberdade humana. Um soberano absolutista no céu não encoraja nenhuma liberdade sobre a terra. Somente o Deus sofredor e apaixonado, que vem aos homens, e por força da sua paixão pelo homem, é capaz de fazer com que exista a liberdade humana. Ele oferece à nossa liberdade o seu divino espaço vital. O Deus uno e trino, que realiza o reino da sua glória em uma história de criação, libertação e glorificação, solidariamente deseja e alicerça a liberdade humana, e dispõe o homem incessantemente para a liberdade (J. Moltmann). Resta-nos comemorar, nesta Epifania, a presença do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Deus está conosco para sempre.
Kyrie eleison
Observe um quadro, painel na verdade, entre os que melhor transmitem todo o desespero advindo da violência, que é intemporal numa sociedade, na guerra ou no terrorismo do crime organizado e da repressão policial inconsequente nas favelas das nossas cidades. Inocentes, pobres, desprotegidos, são vítimas preferenciais da violência. Guernica retrata um dia fatídico, trágico. Demonstra os resultados do bombardeio nazifascista. Franco e Hitler o haviam autorizado. Uma vila espanhola com pouco mais de sete mil habitantes teve metade de sua população morta pelas metralhadoras nazistas. Estranha coincidência com o fatídico 11 de setembro de 2001, no desabamento das torres gêmeas de Manhattan, Nova York.
Picasso compôs esse monumento à insanidade da violência enquanto desenhava um cavalo e um touro, como se quisesse compará-los à mula e ao boi dos presépios natalinos -- tão débeis e frágeis em sua mansidão, mas engrandecidos na representação de sofrimento, angústia e loucura que alcançam criaturas inocentes numa guerra inexplicável. Exemplarmente: Guernica abrigaria revoltosos e inconformados com a violência fascista na Espanha. A violência sufocante, hoje, explorada “ad infinito”, impõe-se também pelo extermínio das sementes de liberdade, enquanto se insufla o medo sem apresentar uma crítica real sobre sua origem.
Junto ao touro e ao cavalo o pintor colocou uma pomba moribunda. Por quê? Ali está a simbologia do Divino. O Espírito Santo de Deus testemunha a brutalidade da violência. Está identificado com os que sofrem, é vítima solidária na indústria de mortes violentas com as quais nos revoltamos ou nos conformamos. É, no entanto, Epifania; Deus se revela entre homens, mulheres e crianças brutalizados, que proclamam: Deus, solidário, está no meio de nós.
O testemunho de Picasso é válido para todos os tempos. Corpos mortos, almas feridas pela destruição daquilo que lhes vale mais, desde a cultura até os melhores valores éticos estraçalhados, compõem o cenário de horror. Bem próximo da pomba, o pintor espanhol pintou raios de uma luz misteriosa, sinal de iluminação interior, protegidos dos bombardeios exteriores; uma espécie de couraça garantidora da esperança de liberdade (sperma=semente).
Exterminam-se sementes de liberdade enquanto se insufla o medo. Homens e mulheres têm medo de sair nas ruas. Mas a doutrina trinitária do reino de Deus é a doutrina da liberdade. O Filho comunica, na mútua participação da vida indestrutível, que cada homem e cada mulher se tornam livres para além dos limites da sua individualidade, e descobrem o espaço vital comum da sua liberdade. Esse é o aspecto essencial da liberdade. O seu nome é amor e solidariedade.
Experimentamos nele a união da diversidade dos indivíduos e a união das coisas que foram separadas à força, pela violência. O Espírito Santo de Deus testemunha a violência contra a liberdade. Ele está no cotidiano, solidário, gemendo de dor com o sofrimento humano: "O Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis" (Rm 8.26). As vítimas da fábrica de mortes violentas, com as quais nos conformamos, reclamam da indignação dos crentes, porque Deus já está indignado com o sofrimento imposto pela criatura à própria criatura.
Um Deus imóvel e apático não poderia ser colocado como fundamento da liberdade humana. Um soberano absolutista no céu não encoraja nenhuma liberdade sobre a terra. Somente o Deus sofredor e apaixonado, que vem aos homens, e por força da sua paixão pelo homem, é capaz de fazer com que exista a liberdade humana. Ele oferece à nossa liberdade o seu divino espaço vital. O Deus uno e trino, que realiza o reino da sua glória em uma história de criação, libertação e glorificação, solidariamente deseja e alicerça a liberdade humana, e dispõe o homem incessantemente para a liberdade (J. Moltmann). Resta-nos comemorar, nesta Epifania, a presença do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Deus está conosco para sempre.
Kyrie eleison
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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