Opinião
- 19 de setembro de 2024
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Entre o mosteiro e a praça: o lugar do cristão na sociedade em tempos de eleições
Por que precisamos nos envolver e lutar para melhorar a vida neste mundo?
Por William Lane
Ao longo da história da igreja cristã, sempre houve certa ambivalência sobre a relação do cristão com a vida secular. Até que ponto a igreja de Deus como um povo santo, separado do mundo deve se misturar e se envolver com as causas terrenas? Afinal, como pensam alguns, se somos salvos deste mundo para estar com Jesus na eternidade, por que precisamos nos envolver e lutar para melhorar a vida neste mundo?
Penso que é justamente no período de eleições no país que esse dilema se torna mais nítido e evidente. Muitos indagam sobre a que grau o cristão individualmente e a igreja coletivamente deve se imiscuir na política.
Embora a tradição protestante não tenha perpetuado a vida monástica e tenha ao longo dos últimos cinco séculos sido uma igreja principalmente no meio do povo, a mentalidade de distanciamento da sociedade muitas vezes é vista como ideal, não só do ponto de vista ético e moral, como também de envolvimento político e social. Isso é reforçado pela justificativa de a igreja ser um povo santo.
A igreja cristã nos primeiros séculos foi principalmente um grupo pequeno de comunidades sem grandes projeções nas esferas do poder civil. No terceiro século da era cristã o movimento monástico surge como um ideal de vida ascética de disciplina austera em busca de perfeição pessoal. Esse estilo de vida foi inspirado nos ensinos de alguns dos pais da igreja. Mas é a partir do século 4 que o monasticismo se expande, principalmente em função da secularização do cristianismo e da cristianização do poder imperial. A opção monástica foi uma alternativa ao cristianismo aliado ao poder sem transformação da sociedade. 1.
Para muitos cristãos, principalmente protestantes e evangélicos, o monasticismo é um retrato de um isolacionismo desinteressado e de devoção individualista que contrapõe ao ensino de Jesus sobre ser luz no mundo e sal da terra.
Mas mesmo entre cristão fora do mosteiro há muita divergência sobre o grau de envolvimento com as causas terrenas. John Stott expressou muito bem as atitudes distintas dos cristãos com a sociedade em termos de engajamento e alienação 2 Ele aponta que os grandes despertamentos espirituais ao longo dos últimos séculos resultaram em engajamento dos cristãos com os problemas da sociedade e como houve transformação positiva das relações humanas e de trabalho. Igualmente, nos adverte contra o pessimismo cristão manifesto por uma a alienação às questões sociais. Ele mostra como temos o hábito de “lamentar a deterioração dos padrões do mundo com um farisaico ar de grande desalento. Criticamos sua violência, desonestidade, imoralidade, desrespeito para com a vida humana e sua ganância materialista” (1989, p. 98), mas não assumimos a nossa responsabilidade nisso.
Acredito que devemos nos inspirar no caminho de Jesus que rompeu não só com o separatismo radical do farisaísmo e dos mestres da lei, como também do ascetismo da comunidade dos essênios no deserto da qual João Batista possivelmente fazia parte. Jesus se misturava com as multidões, atendia a seus anseios, curava os enfermos, ensinava a graça do Reino de Deus e a necessidade de arrependimento. Ele ministrava aos publicanos, estrangeiros, mulheres e aos ‘pecadores’. Tinha também em seu grupo de discípulos homens de diversas origens e visões sobre a relação com o império romano.
É verdade também que Jesus não se envolveu nas estruturas do poder religioso do judaísmo ou do político de Judá e Roma. Muitas vezes também se retirava do meio da multidão para uma área deserta a fim de se dedicar à contemplação, oração e tempo mais particular com um grupo pequeno de discípulos. Modernamente, poderíamos dizer que Jesus vivia transitando entre a praça e o mosteiro.
O cristão e a igreja em geral precisam estar engajados. Precisamos ao menos interceder por aqueles que têm vocação para o serviço público para que façam diferença na sociedade. Mas também não podemos deixar de crer na transformação de vidas e da sociedade pela pregação do evangelho e a prática dos valores do Reino de Deus. Carecemos também de introspecção, contemplação e reflexão sobre nossa missão através da leitura bíblica e oração.
Notas
1. Latourette, K. S. A history of Christianity. Vol. I: Beginnings to 1500. New York: HarperSanFrancisco, 1975.
2. Stott, J. R. W. O cristão em uma sociedade não cristã. Rio de Janeiro: Vinde, 1989. John Stott e Tim Chester. O mundo. Série O Cristão Contemporâneo. Viçosa: Ultimato.
REVISTA ULTIMATO – AS BEM-AVENTURANÇAS – MARCAS DE UM NOVO MUNDO
Ultimato quer mostrar a beleza e a atualidade das bem-aventuranças, resgatando seu sentido bíblico e refletindo sobre seu impacto na vida do cristão, da igreja e do mundo.
Este é o desafio: voltar a ler as bem-aventuranças como quem lê a mensagem pela primeira vez, com reverência – para perceber e memorizar as exigências do seguimento – e alegre expectativa.
É disso que trata a matéria de capa da edição 409 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» O Mundo, Stott – Uma missão a ser cumprida, John Stott e Tim Chester
» A Igreja, o País e o Mundo – Desafios a uma fé engajada, Robinson Cavalcanti
» O Evangelho em Uma Sociedade Pluralista, Lesslie Newbigin
Por William Lane
Ao longo da história da igreja cristã, sempre houve certa ambivalência sobre a relação do cristão com a vida secular. Até que ponto a igreja de Deus como um povo santo, separado do mundo deve se misturar e se envolver com as causas terrenas? Afinal, como pensam alguns, se somos salvos deste mundo para estar com Jesus na eternidade, por que precisamos nos envolver e lutar para melhorar a vida neste mundo?
Penso que é justamente no período de eleições no país que esse dilema se torna mais nítido e evidente. Muitos indagam sobre a que grau o cristão individualmente e a igreja coletivamente deve se imiscuir na política.
Embora a tradição protestante não tenha perpetuado a vida monástica e tenha ao longo dos últimos cinco séculos sido uma igreja principalmente no meio do povo, a mentalidade de distanciamento da sociedade muitas vezes é vista como ideal, não só do ponto de vista ético e moral, como também de envolvimento político e social. Isso é reforçado pela justificativa de a igreja ser um povo santo.
A igreja cristã nos primeiros séculos foi principalmente um grupo pequeno de comunidades sem grandes projeções nas esferas do poder civil. No terceiro século da era cristã o movimento monástico surge como um ideal de vida ascética de disciplina austera em busca de perfeição pessoal. Esse estilo de vida foi inspirado nos ensinos de alguns dos pais da igreja. Mas é a partir do século 4 que o monasticismo se expande, principalmente em função da secularização do cristianismo e da cristianização do poder imperial. A opção monástica foi uma alternativa ao cristianismo aliado ao poder sem transformação da sociedade. 1.
Para muitos cristãos, principalmente protestantes e evangélicos, o monasticismo é um retrato de um isolacionismo desinteressado e de devoção individualista que contrapõe ao ensino de Jesus sobre ser luz no mundo e sal da terra.
Mas mesmo entre cristão fora do mosteiro há muita divergência sobre o grau de envolvimento com as causas terrenas. John Stott expressou muito bem as atitudes distintas dos cristãos com a sociedade em termos de engajamento e alienação 2 Ele aponta que os grandes despertamentos espirituais ao longo dos últimos séculos resultaram em engajamento dos cristãos com os problemas da sociedade e como houve transformação positiva das relações humanas e de trabalho. Igualmente, nos adverte contra o pessimismo cristão manifesto por uma a alienação às questões sociais. Ele mostra como temos o hábito de “lamentar a deterioração dos padrões do mundo com um farisaico ar de grande desalento. Criticamos sua violência, desonestidade, imoralidade, desrespeito para com a vida humana e sua ganância materialista” (1989, p. 98), mas não assumimos a nossa responsabilidade nisso.
Acredito que devemos nos inspirar no caminho de Jesus que rompeu não só com o separatismo radical do farisaísmo e dos mestres da lei, como também do ascetismo da comunidade dos essênios no deserto da qual João Batista possivelmente fazia parte. Jesus se misturava com as multidões, atendia a seus anseios, curava os enfermos, ensinava a graça do Reino de Deus e a necessidade de arrependimento. Ele ministrava aos publicanos, estrangeiros, mulheres e aos ‘pecadores’. Tinha também em seu grupo de discípulos homens de diversas origens e visões sobre a relação com o império romano.
É verdade também que Jesus não se envolveu nas estruturas do poder religioso do judaísmo ou do político de Judá e Roma. Muitas vezes também se retirava do meio da multidão para uma área deserta a fim de se dedicar à contemplação, oração e tempo mais particular com um grupo pequeno de discípulos. Modernamente, poderíamos dizer que Jesus vivia transitando entre a praça e o mosteiro.
O cristão e a igreja em geral precisam estar engajados. Precisamos ao menos interceder por aqueles que têm vocação para o serviço público para que façam diferença na sociedade. Mas também não podemos deixar de crer na transformação de vidas e da sociedade pela pregação do evangelho e a prática dos valores do Reino de Deus. Carecemos também de introspecção, contemplação e reflexão sobre nossa missão através da leitura bíblica e oração.
Notas
1. Latourette, K. S. A history of Christianity. Vol. I: Beginnings to 1500. New York: HarperSanFrancisco, 1975.
2. Stott, J. R. W. O cristão em uma sociedade não cristã. Rio de Janeiro: Vinde, 1989. John Stott e Tim Chester. O mundo. Série O Cristão Contemporâneo. Viçosa: Ultimato.
REVISTA ULTIMATO – AS BEM-AVENTURANÇAS – MARCAS DE UM NOVO MUNDO
Ultimato quer mostrar a beleza e a atualidade das bem-aventuranças, resgatando seu sentido bíblico e refletindo sobre seu impacto na vida do cristão, da igreja e do mundo.
Este é o desafio: voltar a ler as bem-aventuranças como quem lê a mensagem pela primeira vez, com reverência – para perceber e memorizar as exigências do seguimento – e alegre expectativa.
É disso que trata a matéria de capa da edição 409 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
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Pastor presbiteriano e doutor em Antigo Testamento, é professor e capelão no Seminário Presbiteriano do Sul, e tradutor de obras teológicas. É autor do livro O propósito bíblico da missão.
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Ricardo Barbosa