Opinião
- 18 de setembro de 2012
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Entre a cruz e o Papa
Escrevo da Bolívia, onde participo das celebrações dos 30 anos da “Comunidad Cristiana Universitária” (CCU), movimento irmão da ABU (Aliança Bíblica Universitária) no Brasil. Três décadas buscando viver e levar a mensagem do evangelho de Cristo no mundo estudantil boliviano. O Brasil se alegra por fazer parte dessa história, já que um pioneiro de CCU conheceu ao Senhor através do movimento estudantil em Minas Gerais.
Entre as várias atividades por aqui, um desafio especial. Falar na universidade em La Paz sobre o tema: “Pluralidade e Relativismo”. Em tempos de islamofobia e islamofanatismo, entre outras fobias e fanatismos que padecemos no mundo, a tarefa fica mais difícil. Cresce a opinião em diversos setores que a causa da violência, ou uma de suas principais causas, seja a religião.
Os argumentos utilizados passam pela percepção de que as religiões, em especial as monoteístas, com suas afirmações exclusivistas, ou são cúmplices com a violência ou diretamente a incitam porque provocam um abismo de confrontação entre “nós” (os que creem no único Deus verdadeiro) e os “outros”, os infiéis, os renegados.
Seria o monoteísmo o pai dessa criança, a violência? Seria a fé cristã parte dessa paternidade maldita? Pareceria que sim, vendo os maus exemplos facilmente encontrados hoje no mundo, mas por outro lado o politeísmo ou o ateísmo, entre outros ismos, também podem gerar divisão, exclusão e violência, como é possível constatar na história.
Como cristão, eu diria que parte do que devo fazer é um “mea culpa”, revisando a atitude com que minha fé ocupa o espaço público, em especial no diálogo com outras crenças e ideologias. A tarefa pode começar dentro de casa, reconsiderando como interagimos dentro de nossas próprias tradições cristãs.
Recordo um episódio recente da história uruguaia, como um exemplo que me parece emblemático. O episódio tem 30 metros de altura, toneladas de ferro e pode ser visto em um lugar público, bastante visível e central em Montevidéu. Trata-se da cruz erguida para a missa celebrada pelo Papa João Paulo II em 1987 e posteriormente instalada ali permanentemente como um marco daquela visita.
Ela se instalou não sem um longo debate público nos jornais e no Parlamento1. Depois houve outro debate, dessa vez em 2005, quando evangélicos pediram a remoção de uma estátua do Papa João Paulo II, instalada mais tarde aos pés da cruz, após a morte do Papa. Em carta enviada por setores da igreja evangélica uruguaia ao presidente da República, a crítica veemente à estátua buscou estar baseada na característica laica do estado uruguaio:
"Estamos em um Estado laico, a partir do qual não podemos deixar de manifestar nossa discordância com o ocorrido [a instalação da estátua], considerando-a uma violação do espírito de respeito no marco da ‘laicidade’ em que queremos viver todos os uruguaios e uruguaias. Os símbolos religiosos, fora das instalações de suas próprias igrejas ou instituições e em locais públicos, atentam contra a liberdade de consciência e a ‘laicidade’ do Estado, minando de maneira sutil mas profunda a convivência social ".2
Deixo a palavra “laicidade” seguindo o espanhol “laicidad”, porque traduzi-la como “secularismo” ou simplesmente como “separação entre Igreja e Estado” não comunicariam a força com que ela é utilizada no Uruguai.
É interessante ver que a referida carta busca logo em seguida defender a cruz ali instalada como uma expressão representativa de todo o cristianismo. Isso nos deixa numa situação difícil. Não só a estátua, mas também a cruz seria um alvo legítimo da mesma lógica. A outra possibilidade seria a de ler o documento com a suspeita de que a motivação básica foi a de um conflito religioso, em que cada tradição da fé cristã busca ocupar os espaços públicos, e nessa perspectiva o argumento da defesa da “laicidade” carece de credibilidade.
Se cristãos evangélicos e católicos não se entendem, quem poderia nos ajudar? Talvez um senador agnóstico, que mais tarde seria presidente do Uruguai. Suas palavras, que aparecem nos registros do debate que teve lugar no Parlamento em 1987 sobre a permanência da cruz, foram avaliadas assim:
"Foi fundamental para o debate o discurso de um senador [...] fundamentando a necessidade de viver uma nova forma de ‘laicidade’, não de negação e de combate, mas de respeito às ‘coisas do espírito’ que deveriam voltar a ter uma importância primordial na vida das pessoas.”3
Ser mais tolerantes e respeitosos quanto às expressões públicas de espiritualidade, pode ser uma boa lição que se aprende. No Uruguai precisou vir de um “não religioso”. Seria então um argumento mais para defender que todas as religiões deveriam deixar de existir? Creio que não. A violência, inclusive a verbal, essa é que deve acabar, quer a encontremos no diálogo entre religiosos e não religiosos, quer ela apareça dentro do próprio arraial de fiéis.
Já tomei uma decisão sobre como abordarei o tema na palestra aqui na Bolívia. Não advogarei menos fé no mundo como antídoto para a violência e sim mais fé. Fé que convida ao diálogo, à tolerância e à missão com um profundo sentido de respeito pelo outro. Sim, acredito que tolerância rima com evangelismo respeitoso, mas não tenho mais espaço para explicar isso agora. Então faça o seguinte, peço-lhe o favor. Seja tolerante comigo e nos vemos no próximo artigo.
Notas:
1. Episódio narrado pelo sociólogo Nestor da Costa, em um interessante livro: “Religión y Sociedad en el Uruguay del siglo XXI – un estudio de la religiosidad en Montevideo”, Da Costa, Néstor, CLAEH, CUM, 2003, 200 p.
2. Bolioli, Oscar e Ihle, Armin, Carta enviada pela FIEU ao Sr. Presidente da República, Dr. Tabaré Vázquez, em 25 de abril de 2005.
3. Em Da Costa, Id., p. 73.
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É casado com Ruth e pai de Ana Júlia e Carolina. Integra o corpo pastoral da Igreja Metodista Livre da Saúde, em São Paulo (SP), serve globalmente como secretário adjunto para o engajamento com as Escrituras na IFES (International Fellowship of Evangelical Students) e também apoia a equipe da IFES América Latina.
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