Opinião
- 22 de setembro de 2011
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Engordamos os outros para nos engordar
Do texto de Shakespeare encontramos uma verdade: “engordamos as outras criaturas para nos engordar, e nos engordamos para sermos comidos pelos vermes”. Hoje, o grande escritor talvez modificasse Hamlet e desse outro sentido aos vermes que devoram a religiosidade sincera e realmente dependente do favor divino, legando às larvas o papel privilegiado no consumo religioso do mundo evangélico pentecostal. Provavelmente começaríamos como o original. E não apenas para engordar as larvas que vão nos comer, não somente no finalzinho da vida de cada um. Pretendo não dar esse gostinho aos vermes: quero ser cremado.
Estive pensando sobre meus contatos com o evangelical way of life. Na versão pós-moderna, a graça deve ser obtida através de esforço político-eleitoral, financeiro, não importa de onde venha, se roubada do erário ou do fiel – o qual nega comida aos filhos para entregar sua fezinha “no altar pentecostal”. De outro lado, parafernálias eletrônicas deslumbrantes, midiáticas, artificialmente carismáticas, através de trucagens do tipo “me-engana-que-eu-gosto”. E a turma gosta, mesmo. Para alguns, essa exploração não parece mais detestável do que roubar de volta o que já fora roubado: a integridade do nome “evangélico”. Em cartaz: O Aprendiz de Feiticeiro - tudo que o fundamentalismo evangélico ensinou num curso intensivo da arte e magia do controle da massa pela ganância, sem o truque da volta à realidade.
Parece um tipo de conspiração contra envelhecidas concepções, “revivals” moralistas importados convidando cúmplices desavisados para algum tipo de movimento evangélico. Quiseram implantar coisas como o Moral Majority (EUA), mas só deu certo na “campanha contra a pedofilia”, do pastor reeleito facilmente para mais oito anos no Senado. Apoio da massa evangélica, e o bloco cresceu muito, embora alvo preferencial na faxina do governo Dilma Rousseff. Há “ungidos do Senhor”, laranjas do alto escalão evangélico, mamando feio no Ministério dos Transportes (jornal O Globo, 11.07.2011: DNIT, rombo de 720 milhões).
Eleitores conservadores embarcam no moralismo inconsequente, apoiando fusões ultraconservadoras de partidos mesclados, mas saudosos do autoritarismo (PRONA & PL = PR). Corrupção rende dízimos e ofertas altas, das quais igrejas não abrem mão. Nessa sociedade, nada pode reivindicar isenção à regra universal do descarte, e nada pode ter permissão de se tornar indesejável. O protestantismo histórico, porém, sai liso e limpo da lama onde patinam igrejas neoevangélicas nos dias atuais. Faz justiça à sua herança ética. Não se entregou ao mercado de mentiras.
Uma coisa, porém, é certa: ao contrário dos templos evangélicos high tech, onde pregam políticos corruptos a convite de pastores ricos, nos cemitérios não houve inovação. Tumbas e caixões de acrílico, lâmpadas led ao invés de velas, não se popularizaram. A religiosidade espetaculosa passa ao largo desses lugares, porque as sepulturas contrariam o que mais anunciam: destaque político, felicidade financeira e psicológica eternas aos crentes que financiam ou se associam a empreendimentos eclesiásticos recentes: “se o cara não tem fé, não enriquece, não se cura, não consegue nada” (Silas Malafaia, A Gazeta 4.09.2011). Doentes terminais, deficientes físicos, homens e mulheres no fim da idade outonal, são empecilhos às teses neoevangélicas. Não são bons clientes para a religião da prosperidade. A razão é óbvia. O verdadeiro prêmio nessa competição é a garantia de felicidade e sair das fileiras dos derrotados. Lá, é lugar de moradores de rua, prostitutas, minorias sexuais, trabalhadores de baixa qualificação; desventurados amorosos, mal casados, mal instalados, mal empregados.
Nos dois extremos da hierarquia da ganância as pessoas são atormentadas pelo problema da identidade. Nessa viagem de negócios, “da chegada à partida está um deserto, um vazio, uma imensidão, um amplo abismo, do qual só uns poucos mostrariam coragem de saltar fora por vontade própria; forças centrífugas e centrípetas, de atração e repulsão, combinam para segurar inquietos e estancar a saída dos descontentes. Em graus variados, da imunidade à vertigem; da adaptação à tontura, pratica-se da arte da aquiescência à desorientação: falta de itinerário e direção” (Sygmunt Bauman).
A tipologia do “baixo proletariado espiritual” sugere que as fileiras se incham com rapidez e seus tormentos escorrem, com profusão, de cima para baixo, saturando camadas cada vez mais espessas da pirâmide social. No meio, a classe média em ascensão adere à religião da prosperidade, até para justificar-se. No vértice, o alto clero neoevangélico, rico, milionário, ostentando alto luxo nos costumes, conduzindo a manada inocente ao matadouro. Com salários em torno dos R$ 100 mil, programas televisivos e de rádio, adornados com griffes internacionais, joias e relógios caros; mansões e sítios de R$ 10 milhões para cima (revista Isto É. 09.09.2011), saem pela cidade para cumprir suas obrigações de carros importados, blindados e escoltados por seguranças, ou voando em helicóptero de R$ 2,5 milhões.
Mas que o observador não se engane. A riqueza que se ostenta tem retaguarda na história da escola da religião da prosperidade (nos anos 1970, a Teologia da Ganância é veiculada com sucesso vertiginoso), na onda crescente do movimento evangélico (A. Gouvea Mendonça). Mas, Valdomiro, o apóstolo, egresso do grupo dos pastores pobres (que vão continuar pobres) treinados na IURD (Igreja Universal do Reino de Deus), buscou seu espaço, retomando o seguimento afro-religioso, configurado no catolicismo popular. Enfim, o pentecostalismo quer afirmar a supremacia evangélica no Brasil (FGV – Novo Mapa das Religiões; IBGE - 2010). Mas o protestantismo original se levanta da lona, recupera-se, como diz Robinson Cavalcanti. Felizmente, não se entregou.
Estive pensando sobre meus contatos com o evangelical way of life. Na versão pós-moderna, a graça deve ser obtida através de esforço político-eleitoral, financeiro, não importa de onde venha, se roubada do erário ou do fiel – o qual nega comida aos filhos para entregar sua fezinha “no altar pentecostal”. De outro lado, parafernálias eletrônicas deslumbrantes, midiáticas, artificialmente carismáticas, através de trucagens do tipo “me-engana-que-eu-gosto”. E a turma gosta, mesmo. Para alguns, essa exploração não parece mais detestável do que roubar de volta o que já fora roubado: a integridade do nome “evangélico”. Em cartaz: O Aprendiz de Feiticeiro - tudo que o fundamentalismo evangélico ensinou num curso intensivo da arte e magia do controle da massa pela ganância, sem o truque da volta à realidade.
Parece um tipo de conspiração contra envelhecidas concepções, “revivals” moralistas importados convidando cúmplices desavisados para algum tipo de movimento evangélico. Quiseram implantar coisas como o Moral Majority (EUA), mas só deu certo na “campanha contra a pedofilia”, do pastor reeleito facilmente para mais oito anos no Senado. Apoio da massa evangélica, e o bloco cresceu muito, embora alvo preferencial na faxina do governo Dilma Rousseff. Há “ungidos do Senhor”, laranjas do alto escalão evangélico, mamando feio no Ministério dos Transportes (jornal O Globo, 11.07.2011: DNIT, rombo de 720 milhões).
Eleitores conservadores embarcam no moralismo inconsequente, apoiando fusões ultraconservadoras de partidos mesclados, mas saudosos do autoritarismo (PRONA & PL = PR). Corrupção rende dízimos e ofertas altas, das quais igrejas não abrem mão. Nessa sociedade, nada pode reivindicar isenção à regra universal do descarte, e nada pode ter permissão de se tornar indesejável. O protestantismo histórico, porém, sai liso e limpo da lama onde patinam igrejas neoevangélicas nos dias atuais. Faz justiça à sua herança ética. Não se entregou ao mercado de mentiras.
Uma coisa, porém, é certa: ao contrário dos templos evangélicos high tech, onde pregam políticos corruptos a convite de pastores ricos, nos cemitérios não houve inovação. Tumbas e caixões de acrílico, lâmpadas led ao invés de velas, não se popularizaram. A religiosidade espetaculosa passa ao largo desses lugares, porque as sepulturas contrariam o que mais anunciam: destaque político, felicidade financeira e psicológica eternas aos crentes que financiam ou se associam a empreendimentos eclesiásticos recentes: “se o cara não tem fé, não enriquece, não se cura, não consegue nada” (Silas Malafaia, A Gazeta 4.09.2011). Doentes terminais, deficientes físicos, homens e mulheres no fim da idade outonal, são empecilhos às teses neoevangélicas. Não são bons clientes para a religião da prosperidade. A razão é óbvia. O verdadeiro prêmio nessa competição é a garantia de felicidade e sair das fileiras dos derrotados. Lá, é lugar de moradores de rua, prostitutas, minorias sexuais, trabalhadores de baixa qualificação; desventurados amorosos, mal casados, mal instalados, mal empregados.
Nos dois extremos da hierarquia da ganância as pessoas são atormentadas pelo problema da identidade. Nessa viagem de negócios, “da chegada à partida está um deserto, um vazio, uma imensidão, um amplo abismo, do qual só uns poucos mostrariam coragem de saltar fora por vontade própria; forças centrífugas e centrípetas, de atração e repulsão, combinam para segurar inquietos e estancar a saída dos descontentes. Em graus variados, da imunidade à vertigem; da adaptação à tontura, pratica-se da arte da aquiescência à desorientação: falta de itinerário e direção” (Sygmunt Bauman).
A tipologia do “baixo proletariado espiritual” sugere que as fileiras se incham com rapidez e seus tormentos escorrem, com profusão, de cima para baixo, saturando camadas cada vez mais espessas da pirâmide social. No meio, a classe média em ascensão adere à religião da prosperidade, até para justificar-se. No vértice, o alto clero neoevangélico, rico, milionário, ostentando alto luxo nos costumes, conduzindo a manada inocente ao matadouro. Com salários em torno dos R$ 100 mil, programas televisivos e de rádio, adornados com griffes internacionais, joias e relógios caros; mansões e sítios de R$ 10 milhões para cima (revista Isto É. 09.09.2011), saem pela cidade para cumprir suas obrigações de carros importados, blindados e escoltados por seguranças, ou voando em helicóptero de R$ 2,5 milhões.
Mas que o observador não se engane. A riqueza que se ostenta tem retaguarda na história da escola da religião da prosperidade (nos anos 1970, a Teologia da Ganância é veiculada com sucesso vertiginoso), na onda crescente do movimento evangélico (A. Gouvea Mendonça). Mas, Valdomiro, o apóstolo, egresso do grupo dos pastores pobres (que vão continuar pobres) treinados na IURD (Igreja Universal do Reino de Deus), buscou seu espaço, retomando o seguimento afro-religioso, configurado no catolicismo popular. Enfim, o pentecostalismo quer afirmar a supremacia evangélica no Brasil (FGV – Novo Mapa das Religiões; IBGE - 2010). Mas o protestantismo original se levanta da lona, recupera-se, como diz Robinson Cavalcanti. Felizmente, não se entregou.
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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