Opinião
- 13 de abril de 2021
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Engenharia e ética: um diálogo entre dois famosos engenheiros depois da morte*
Por Paulo F. Ribeiro
O diálogo acontece em um país paradisíaco onde João Altivo, um engenheiro de uma província infernal e sombria, faz uma breve visita a seu ex-sócio, José Modesto. Ambos foram famosos engenheiros de pesquisa e cientistas na Terra.
— Uau — disse o engenheiro da província, olhando em volta algumas das construções e tecnologias existentes no país paradisíaco.
— Uau o quê? — perguntou seu ex-colega, José Modesto.
— Quero dizer, bem, tudo isso. Eu gostaria de trabalhar nessas novas tecnologias e expandir suas aplicações.
— Eu não me incomodaria com isso se fosse você.
— Ninguém vai ter permissão para trabalhar em projetos de engenharia aqui?
— Olhar vem primeiro.
— Mas eu examinei tudo e vi exatamente o que gostaria de fazer. Eu poderia rapidamente me tornar um importante engenheiro neste país... um investigador principal, engenheiro-chefe ou diretor de novos projetos, etc.
— Você não mudou muito, mudou?
— Quando você trabalhou em projetos de engenharia na Terra, pelo menos nos primeiros dias, foi porque vislumbrou um mundo onde nossas limitações poderiam ser superadas com o uso apropriado da tecnologia. O sucesso do seu projeto foi medido por sua capacidade de auxiliar outras pessoas em suas necessidades e de ajudá-las a pensar em possibilidades maiores. Mas aqui você está tendo a coisa em si. É daqui que veio a mensagem e as ideias. Não adianta expandir essas tecnologias aqui, pois já o vemos - tudo o que podem ser.
— Então, nunca haverá sentido em fazer engenharia neste país?
— Eu não diria isso. Quando você se tornar uma pessoa completa, haverá algumas coisas que você verá melhor do que ninguém. Mas, no momento, seu negócio é ver.
Houve uma pequena pausa.
— Isso será maravilhoso — disse o engenheiro da província, João Altivo, agora com uma voz um tanto monótona.
— Em quanto tempo você acha que eu poderia liderar uma das equipes que trabalham com novas aplicações e inovações dessas tecnologias? Duvido que consiga encontrar um candidato mais qualificado — acrescentou.
José Modesto começou a rir e disse: — Você não vê - você nunca será capaz de trabalhar nesses projetos da maneira como está pensando neles? - Você está se esquecendo de como tudo começou. Você amava a engenharia como meio de demonstrar a beleza e a utilidade da eletricidade e da eletrônica.
— Oh, isso foi há muito tempo — disse o engenheiro da província. A gente cresce e se desenvolve. Claro, você não viu meus trabalhos mais recentes em aplicações avançadas de engenharia e minhas novas publicações. Ficamos cada vez mais interessados na engenharia por si mesma.
— Sim, sim. Eu também tive que me recuperar disso. Foi tudo uma armadilha. Poderosas ferramentas de simulação, redação de artigos e apresentações em conferências internacionais, todos são necessárias lá na terra, mas também são estimulantes perigosos. Todo pesquisador, professor universitário ou engenheiro profissional é desviado do amor de fazer engenharia como parte de nossa vocação profissional, para o amor de contar aos outros sobre isso, ou a compensação financeira, até que eles não possam estar interessados na engenharia em si, mas apenas em o que eles dizem sobre isso. Pois não para no interesse pela engenharia, sabe. Eles vão ao fundo do poço e se interessam por suas próprias personalidades e, depois, por nada além de suas próprias reputações.
— Acho que não estou muito preocupado com isso — disse João Altivo rigidamente.
— Isso é excelente — disse José Modesto. — Muitos de nós não tínhamos superado isso quando chegamos aqui. Mas se sobrar alguma inflamação, ela será curada quando você vier à fonte.
— Que fonte é essa?
— Fica lá em cima na montanha — disse José. — Muito frio e claro, entre as duas colinas verdes. Um pouco como Oblívio. Quando você bebe dele, você esquece para sempre toda propriedade de suas próprias obras. Você gosta deles como se fossem de outra pessoa: sem orgulho e sem modéstia.
— Vamos mudar de assunto. Que tal pessoas interessantes para conhecer aqui.
— Todos serão interessantes aqui.
— Estava pensando nas pessoas famosas da nossa profissão. Quando vou conhecer Michael Faraday e James Maxwell?
— Mais cedo ou mais tarde... se eles estiverem aqui.
— Mas você não sabe?
— Bem, claro que não. Só estou aqui há alguns anos. Todas as chances são contra eu tê-los encontrado - há muitos de nós, você sabe. Você não se lembra que nossa sociedade profissional costumava ter mais de 450.000 associados quando éramos membros ativos?
— Mas com certeza, no caso de engenheiros e colegas famosos, e nobres laureados, você ouviria falar deles, não?
— Mas eles não são distintos dos demais - não mais do que qualquer outra pessoa.
— Quer dizer que não há engenheiros famosos aqui?
— Eles são todos famosos. Todos eles são conhecidos, lembrados, reconhecidos pela única Mente que pode dar um julgamento perfeito.
— Oh, claro, nesse sentido. É preciso se contentar com sua reputação entre a posteridade — disse João Altivo.
— Meu amigo — disse José Modesto. — Você não sabe que você e eu já estamos completamente esquecidos na Terra?
— O que você quer dizer? — exclamou João. — Você quer dizer que aqueles engenheiros virtuais venceram, afinal?
— Sim, meu caro — disse José Modesto, brilhando de tanto rir. — Você não poderia obter 50 reais por hora por suas taxas de consultoria, mesmo na Europa ou nos Estados Unidos. Estamos completamente fora de moda.
— Tenho de ir embora imediatamente — disse João. — Me deixa ir! Que maldição é essa - cada um tem seu dever para com o futuro. Devo voltar para meus amigos na província. Devo escrever um novo livro, iniciar um comitê técnico avançado, tornar-me editor de um novo livro ou periódico de engenharia, ou me tornar diretor de um novo instituto. Devo restaurar minha reputação de engenheiro e ter muita publicidade. Me deixar ir. Isso está além de uma piada.
E sem ouvir a resposta e o apelo do engenheiro e ex-colega José Modesto para que ficasse, o engenheiro da província infernal desapareceu na escuridão.
(*) Adaptado de O Grande Divórcio (C. S. Lewis)
Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade de Manchester, na Inglaterra, foi Professor em Universidades nos Estados Unidos, Nova Zelândia e Holanda, e Pesquisador em Centros de Pesquisa (EPRI, NASA). Atualmente é Professor Titular Livre na Universidade Federal de Itajubá, MG. É originário do Vale do Pajeú e torcedor do Santa Cruz.
>> http://lattes.cnpq.br/2049448948386214
>> https://scholar.google.com/citations?user=38c88BoAAAAJ&hl=en&oi=ao
Pesquisa publicada recentemente aponta os cientistas destacados entre o “top” 2% dos pesquisadores de maior influência no mundo, nas diversas áreas do conhecimento. Destes, 600 cientistas são de Instituições Brasileiras. O Professor Paulo F. Ribeiro foi incluído nesta lista relacionado a área de Engenharia Elétrica.
>> http://lattes.cnpq.br/2049448948386214
>> https://scholar.google.com/citations?user=38c88BoAAAAJ&hl=en&oi=ao
Pesquisa publicada recentemente aponta os cientistas destacados entre o “top” 2% dos pesquisadores de maior influência no mundo, nas diversas áreas do conhecimento. Destes, 600 cientistas são de Instituições Brasileiras. O Professor Paulo F. Ribeiro foi incluído nesta lista relacionado a área de Engenharia Elétrica.
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