Opinião
- 26 de junho de 2018
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Elysium: Uma parábola contemporânea sobre a injustiça social
Por Carlos Caldas
Elysium é um filme de 2013, disponível no Netflix. É o segundo filme do jovem diretor sul-africano Neill Blomkamp, que conseguiu “estrear com o pé direito” no disputado mercado do cinema internacional com o aclamado Distrito 9, filme de crítica social em forma de ficção científica. E antes que você pergunte pela razão de resenhar uma produção que não é deste ano, já explico: passados cinco anos, Elysium está ainda mais atual que quando foi lançado. Talvez alguns leitores considerem minha argumentação hiperbólica, mas penso que a Elysium se aplica uma das características que Ítalo Calvino (não confundir com o João...) apresenta como sendo de um livro clássico: conforme o intelectual italiano, uma das marcas do clássico é que este nunca termina de dizer o que tem para dizer . Penso ser este o caso de Elysium: o filme pode ser visto e revisto, mas sempre tem algo a dizer.
Um olhar superficial e desatento para o filme certamente levará a pensar que Elysium é uma ficção científica de ação. Ledo engano. Na verdade, assim como Distrito 9, a forma de Elysiuim é de ficção científica, mas não seu conteúdo. Elysium não é uma “space opera”, rasa e sem conteúdo como Star Wars, nem uma ficção científica com pretensões metafísicas, como as de Arthur C. Clarke. Em outras palavras: não se trata de uma aventura pela aventura. Há, sim, cenas de ação, lutas, tiroteios e explosões, mas na medida certa. Ao contrário de muitos filmes norte-americanos, Elysium definitivamente não depende de efeitos especiais ou das mencionadas cenas de luta e explosões espetaculares. O filme de Blonkamp se sustenta por seu roteiro, simples e direto, sem “turning points” mirabolantes e sem pontas soltas. O filme é, na verdade, um drama com crítica social e crítica ecológica, ambas muito contundentes e incisivas. Destaque seja feito para o elenco multinacional do filme: os super astros estadunidenses Matt Damon e Jodie Foster, o mexicano Diego Luna, o sul-africano Sharlto Copley, o norte-americano de origem paquistanesa Faram Tahir, e por último, mas não menos importante, os brasileiros Wagner Moura e Alice Braga.
A narrativa do filme se passa no ano 2159. A população da Terra está dividida em dois grupos: os muito ricos e os muito pobres (não há classe média). Aqui na Terra o filme mostra Los Angeles, onde vivem os muito pobres, transformada em uma favela absurdamente grande, com lixo esparramado para todos os lados, em um ambiente desolado e desolador, pois não há árvores. Os que conseguem trabalhar são empregados em uma indústria que faz lembrar outro clássico, “Tempos Modernos”, do Charles Chaplin, em que o trabalhador é submetido a um regime análogo à escravidão que é simplesmente enlouquecedor. Enquanto isso, os muito ricos estão em Elysium, uma estação espacial na órbita da Terra. O nome da estação espacial, que dá título ao filme, vem evidentemente dos Campos Elíseos (ou simplesmente Elíseos) da mitologia grega: a escatologia mitológica grega falava do Hades, o lugar dos mortos. No Hades, havia como que duas subdivisões: uma, o Tártaro, lugar de castigo e tormento, e outra, os Elíseos, uma espécie de paraíso, onde estavam os heróis e os justos. A estação Elysium do filme de Borkamp é de fato um paraíso celeste (no sentido literal, pois está “no céu”, isto é, no espaço) que faz jus ao nome que tem: tudo é limpo, lindo, perfeito, maravilhoso, arborizado, organizado. Os cidadãos de Elysium têm à sua disposição máquinas que podem escanear seu corpo em segundos, detectar qualquer doença, e eliminá-la também em segundos. Neste sentido, Elysium é um filme utópico e distópico ao mesmo tempo, o que o diferencia das demais obras do gênero, pois no geral, ou uma ficção científica é utópica ou é distópica. Mas Elysium apresenta os dois elementos simultaneamente: a distopia dos muito pobres na Terra, e a utopia dos muito ricos “no céu” da estação espacial.
No filme, o sonho dos muito pobres é conseguir chegar em Elysium. Mas a estação espacial tem um sistema de segurança eficiente e violento que impede a entrada e a permanência de “não cidadãos”. Aí entra em cena Spider, personagem de Wagner Moura, uma espécie de “coiote” que tenta furar o bloqueio da estação espacial para fazer entrar imigrantes ilegais. Os cidadãos de Elysium não querem que estes ilegais entrem lá. Afinal, os ilegais são pobres e sujos. Daí todo o esforço do sistema de segurança da estação espacial para mantê-los afastados a qualquer custo.
Elysium não é um filme que fala do futuro. É uma parábola que fala de hoje, do presente. Nosso planeta está cheio de situações como as apresentadas no filme: africanos em barcos frágeis cruzando o Mediterrâneo tentando aportar na ilha italiana de Lampedusa; centro-americanos e mexicanos tentando furar o cerco da fronteira entre o México e os Estados Unidos; sírios, haitianos, venezuelanos e tantos outros, arriscando a vida para sair de situações desumanas de vida e levar seus filhos para situações melhores. Elysium é um alerta contra um sistema de exclusão que permite que uns estejam no “paraíso” enquanto outros estão no “inferno”, não em sentido escatológico, mas em sentido vivencial. Daí, tal como afirmado no início deste texto, a atualidade do filme de Borkamp. Elysium é um alerta profético contra este tipo de situação, profético não no sentido do senso comum de predição do futuro, mas no sentido bíblico clássico de denúncia do mal e da injustiça, que acontecem na sociedade quando a vontade de Deus é desobedecida.
Nota:
1. CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
Leia mais
» Cinema e Fé Cristã
Elysium é um filme de 2013, disponível no Netflix. É o segundo filme do jovem diretor sul-africano Neill Blomkamp, que conseguiu “estrear com o pé direito” no disputado mercado do cinema internacional com o aclamado Distrito 9, filme de crítica social em forma de ficção científica. E antes que você pergunte pela razão de resenhar uma produção que não é deste ano, já explico: passados cinco anos, Elysium está ainda mais atual que quando foi lançado. Talvez alguns leitores considerem minha argumentação hiperbólica, mas penso que a Elysium se aplica uma das características que Ítalo Calvino (não confundir com o João...) apresenta como sendo de um livro clássico: conforme o intelectual italiano, uma das marcas do clássico é que este nunca termina de dizer o que tem para dizer . Penso ser este o caso de Elysium: o filme pode ser visto e revisto, mas sempre tem algo a dizer.
Um olhar superficial e desatento para o filme certamente levará a pensar que Elysium é uma ficção científica de ação. Ledo engano. Na verdade, assim como Distrito 9, a forma de Elysiuim é de ficção científica, mas não seu conteúdo. Elysium não é uma “space opera”, rasa e sem conteúdo como Star Wars, nem uma ficção científica com pretensões metafísicas, como as de Arthur C. Clarke. Em outras palavras: não se trata de uma aventura pela aventura. Há, sim, cenas de ação, lutas, tiroteios e explosões, mas na medida certa. Ao contrário de muitos filmes norte-americanos, Elysium definitivamente não depende de efeitos especiais ou das mencionadas cenas de luta e explosões espetaculares. O filme de Blonkamp se sustenta por seu roteiro, simples e direto, sem “turning points” mirabolantes e sem pontas soltas. O filme é, na verdade, um drama com crítica social e crítica ecológica, ambas muito contundentes e incisivas. Destaque seja feito para o elenco multinacional do filme: os super astros estadunidenses Matt Damon e Jodie Foster, o mexicano Diego Luna, o sul-africano Sharlto Copley, o norte-americano de origem paquistanesa Faram Tahir, e por último, mas não menos importante, os brasileiros Wagner Moura e Alice Braga.
A narrativa do filme se passa no ano 2159. A população da Terra está dividida em dois grupos: os muito ricos e os muito pobres (não há classe média). Aqui na Terra o filme mostra Los Angeles, onde vivem os muito pobres, transformada em uma favela absurdamente grande, com lixo esparramado para todos os lados, em um ambiente desolado e desolador, pois não há árvores. Os que conseguem trabalhar são empregados em uma indústria que faz lembrar outro clássico, “Tempos Modernos”, do Charles Chaplin, em que o trabalhador é submetido a um regime análogo à escravidão que é simplesmente enlouquecedor. Enquanto isso, os muito ricos estão em Elysium, uma estação espacial na órbita da Terra. O nome da estação espacial, que dá título ao filme, vem evidentemente dos Campos Elíseos (ou simplesmente Elíseos) da mitologia grega: a escatologia mitológica grega falava do Hades, o lugar dos mortos. No Hades, havia como que duas subdivisões: uma, o Tártaro, lugar de castigo e tormento, e outra, os Elíseos, uma espécie de paraíso, onde estavam os heróis e os justos. A estação Elysium do filme de Borkamp é de fato um paraíso celeste (no sentido literal, pois está “no céu”, isto é, no espaço) que faz jus ao nome que tem: tudo é limpo, lindo, perfeito, maravilhoso, arborizado, organizado. Os cidadãos de Elysium têm à sua disposição máquinas que podem escanear seu corpo em segundos, detectar qualquer doença, e eliminá-la também em segundos. Neste sentido, Elysium é um filme utópico e distópico ao mesmo tempo, o que o diferencia das demais obras do gênero, pois no geral, ou uma ficção científica é utópica ou é distópica. Mas Elysium apresenta os dois elementos simultaneamente: a distopia dos muito pobres na Terra, e a utopia dos muito ricos “no céu” da estação espacial.
No filme, o sonho dos muito pobres é conseguir chegar em Elysium. Mas a estação espacial tem um sistema de segurança eficiente e violento que impede a entrada e a permanência de “não cidadãos”. Aí entra em cena Spider, personagem de Wagner Moura, uma espécie de “coiote” que tenta furar o bloqueio da estação espacial para fazer entrar imigrantes ilegais. Os cidadãos de Elysium não querem que estes ilegais entrem lá. Afinal, os ilegais são pobres e sujos. Daí todo o esforço do sistema de segurança da estação espacial para mantê-los afastados a qualquer custo.
Elysium não é um filme que fala do futuro. É uma parábola que fala de hoje, do presente. Nosso planeta está cheio de situações como as apresentadas no filme: africanos em barcos frágeis cruzando o Mediterrâneo tentando aportar na ilha italiana de Lampedusa; centro-americanos e mexicanos tentando furar o cerco da fronteira entre o México e os Estados Unidos; sírios, haitianos, venezuelanos e tantos outros, arriscando a vida para sair de situações desumanas de vida e levar seus filhos para situações melhores. Elysium é um alerta contra um sistema de exclusão que permite que uns estejam no “paraíso” enquanto outros estão no “inferno”, não em sentido escatológico, mas em sentido vivencial. Daí, tal como afirmado no início deste texto, a atualidade do filme de Borkamp. Elysium é um alerta profético contra este tipo de situação, profético não no sentido do senso comum de predição do futuro, mas no sentido bíblico clássico de denúncia do mal e da injustiça, que acontecem na sociedade quando a vontade de Deus é desobedecida.
Nota:
1. CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
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É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
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