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- 26 de janeiro de 2022
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Ele resolveu perdoar
Crônicas do consultório
Por Uriel Heckert
Conheço o desenrolar dos fatos através da minha cliente, uma senhora sexagenária, bem viva e atuante. A sua ansiedade deriva das lutas cotidianas, do seu envolvimento nos problemas da sua e de outras famílias, da sua participação nas questões comunitárias. Já foi agente de saúde, participa de campanhas políticas, envolve-se na igreja...
Ela contou-me, já se vão uns dez anos, do filho que trabalhava distante, embrenhado na selva, empregado numa empresa mineradora. Lá o rapaz apaixonou-se por uma nativa, um pouco mais velha, mãe de duas crianças. Nada foi empecilho: eles casaram-se e as menores foram adotadas legalmente como filhos do casal.
Algum tempo depois veio o desemprego, o que motivou a vinda dos quatro para a cidadezinha mineira de origem. O grupo familiar ficou apreensivo, mas os acolheu, providenciou moradia, escola, possibilidade de trabalho no sítio de parentes, inserção na sociedade.
Do casamento advieram mais duas crianças, enquanto as anteriores passavam à pré-adolescência; e a vida corria, na aparente calmaria das Minas Gerais. Até que um fato impactante veio à tona: a jovem mãe cedera à sedução de um dos políticos do local, envolvendo-se numa aventura amorosa! Choque para todos, decepção, explosões de raiva, ameaças...
O esposo ofendido não podia suportar a afronta. Atingido na sua honra, reuniu os quatro menores e foi morar na casa dos seus pais, deixando a mulher sozinha. Continuou sua rotina, profundamente magoado e tristonho. Sua mãe passou, de súbito, a ser cuidadora dos quatro netos! Os seus telefonemas e mensagens pelo WhatsApp para mim aumentaram, dando conta do seu atordoamento e evidente piora psíquica.
O que fazer? Como ajudar numa situação assim? Pontuei a importância do seu papel naquele momento, destacando o cuidado com as crianças. Afinal, são elas as que mais sofrem quando algo semelhante acontece. De fato, o famoso Manual de Estatística e Diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria (DSM/APA) aponta a separação conjugal como o segundo maior estresse que crianças podem sofrer. Ele só é superado pela morte de um ou dos dois progenitores.
Assim foi até que veio o Natal e com ele uma notícia inesperada. Por insistência da minha cliente, o filho a acompanhou em uma “reunião de oração por libertação”. Ali, de alguma forma, foi despertado para os ensinos de Jesus Cristo; e um milagre aconteceu. Ela logo postou: Ele resolveu perdoar!
Pronto, o casal voltou a conversar, fizeram seus acertos e a família reuniu-se novamente. Graças a Deus!
Pronto? Não, com certeza isso é só o começo da reparação do dano. Muitas tratativas ainda serão necessárias para que o casal encontre paz razoável. Os filhos, por certo, sentiram-se aliviados e esperançosos. Porém, muita água ainda vai rolar, necessária para dissolver as mágoas, cessar as acusações, restabelecer a confiança. A solidão, o distanciamento cultural, as carências, acumuladas pela transgressora evidenciada, deverão ser levados em consideração. Ela também será desafiada a perdoar, inclusive a si mesma.
Na escassez de profissionais qualificados, papel relevante continuará cabendo aos familiares e amigos; e à liderança daquela igrejinha evangélica. Essa que provavelmente tem um nome arrojado e organização bem simples, mas é de inestimável valor social. Afinal, são esses pastores visionários que estão presentes nos pequenos vilarejos e nas periferias, identificados com as dores do povo, falando a partir da própria experiência de “libertação”. A teologia esposada por eles pode ser primária; porém, como o próprio Jesus nos lembra, “o vento (o Espírito) sopra onde quer” (Evangelho de João, capítulo 3, verso 8). E isso continua fazendo diferença.
Leia mais:
» O modelo de Jesus para solucionar conflitos pessoais
Por Uriel Heckert
Conheço o desenrolar dos fatos através da minha cliente, uma senhora sexagenária, bem viva e atuante. A sua ansiedade deriva das lutas cotidianas, do seu envolvimento nos problemas da sua e de outras famílias, da sua participação nas questões comunitárias. Já foi agente de saúde, participa de campanhas políticas, envolve-se na igreja...
Ela contou-me, já se vão uns dez anos, do filho que trabalhava distante, embrenhado na selva, empregado numa empresa mineradora. Lá o rapaz apaixonou-se por uma nativa, um pouco mais velha, mãe de duas crianças. Nada foi empecilho: eles casaram-se e as menores foram adotadas legalmente como filhos do casal.
Algum tempo depois veio o desemprego, o que motivou a vinda dos quatro para a cidadezinha mineira de origem. O grupo familiar ficou apreensivo, mas os acolheu, providenciou moradia, escola, possibilidade de trabalho no sítio de parentes, inserção na sociedade.
Do casamento advieram mais duas crianças, enquanto as anteriores passavam à pré-adolescência; e a vida corria, na aparente calmaria das Minas Gerais. Até que um fato impactante veio à tona: a jovem mãe cedera à sedução de um dos políticos do local, envolvendo-se numa aventura amorosa! Choque para todos, decepção, explosões de raiva, ameaças...
O esposo ofendido não podia suportar a afronta. Atingido na sua honra, reuniu os quatro menores e foi morar na casa dos seus pais, deixando a mulher sozinha. Continuou sua rotina, profundamente magoado e tristonho. Sua mãe passou, de súbito, a ser cuidadora dos quatro netos! Os seus telefonemas e mensagens pelo WhatsApp para mim aumentaram, dando conta do seu atordoamento e evidente piora psíquica.
O que fazer? Como ajudar numa situação assim? Pontuei a importância do seu papel naquele momento, destacando o cuidado com as crianças. Afinal, são elas as que mais sofrem quando algo semelhante acontece. De fato, o famoso Manual de Estatística e Diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria (DSM/APA) aponta a separação conjugal como o segundo maior estresse que crianças podem sofrer. Ele só é superado pela morte de um ou dos dois progenitores.
Assim foi até que veio o Natal e com ele uma notícia inesperada. Por insistência da minha cliente, o filho a acompanhou em uma “reunião de oração por libertação”. Ali, de alguma forma, foi despertado para os ensinos de Jesus Cristo; e um milagre aconteceu. Ela logo postou: Ele resolveu perdoar!
Pronto, o casal voltou a conversar, fizeram seus acertos e a família reuniu-se novamente. Graças a Deus!
Pronto? Não, com certeza isso é só o começo da reparação do dano. Muitas tratativas ainda serão necessárias para que o casal encontre paz razoável. Os filhos, por certo, sentiram-se aliviados e esperançosos. Porém, muita água ainda vai rolar, necessária para dissolver as mágoas, cessar as acusações, restabelecer a confiança. A solidão, o distanciamento cultural, as carências, acumuladas pela transgressora evidenciada, deverão ser levados em consideração. Ela também será desafiada a perdoar, inclusive a si mesma.
Na escassez de profissionais qualificados, papel relevante continuará cabendo aos familiares e amigos; e à liderança daquela igrejinha evangélica. Essa que provavelmente tem um nome arrojado e organização bem simples, mas é de inestimável valor social. Afinal, são esses pastores visionários que estão presentes nos pequenos vilarejos e nas periferias, identificados com as dores do povo, falando a partir da própria experiência de “libertação”. A teologia esposada por eles pode ser primária; porém, como o próprio Jesus nos lembra, “o vento (o Espírito) sopra onde quer” (Evangelho de João, capítulo 3, verso 8). E isso continua fazendo diferença.
Leia mais:
» O modelo de Jesus para solucionar conflitos pessoais
Uriel Heckert, doutor em psiquiatria pela Universidade de São Paulo, professor aposentado da Universidade Federal de Juiz de Fora e um dos fundadores do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos.
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