Opinião
- 05 de abril de 2011
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Do poder evangélico, sal, pimenta, cebola e coentro
O Brasil é um país tropical: "abençoado por Deus, e bonito por natureza. Mas que beleza!" (Jorge Ben Jor). Como receita certa em Minas, entre a baunilha e o sal, fogão de lenha, e o uso da pedra-sabão, peneira, água boa de moringa, como tudo que há de diferente entre nós, comemos feijoada, vatapá, caruru, muqueca, pato ao tucupi, churrasco, tambaqui... e literalmente "dançamos" o ano inteiro. No resto do ano tem forró, rock, funk, gospel; somos católicos, protestantes, evangélicos, graças a "deus".
Continuamos dançando. Um paraíso! Mas só para os que acreditam. No entanto, não despregamos o olho das divindades que comandam esse modo cultural de agir.
Aquelas que vagam em outros domínios espirituais e dirigem os sistemas de pensar, elegendo ou proclamando santos e puros...
Alugamos nossas mentes para a religiosidade que vê os males do mundo como castigo divino; que vê com naturalidade a legitimação e consolidação do poder dos fortes, aceitação das desigualdades, a fraqueza dos empobrecidos. Não entendemos a religião como expressão de sofrimento real em favor de causas justas; que a religião pode ser protesto contra as dores impostas por sistemas de pensar, opressões ancestrais, desde a colonização. A religião poderia ser o suspiro das criaturas oprimidas, inclusive nas manifestações populares. Mas, ao contrário, teremos a Caminhada com Jesus, criada e comandada pelo bispo algemado eletronicamente nos EUA por crime fazendário. Doce prisão, Boca Raton, Flórida, um refúgio de ricaços. Elegemos notórios corruptos para o Congresso. E o “bloco evangélico” cresceu.
Futebol, samba, carnaval e comida, fazem parte da vida do povo: “Pegue um punhado de feijão fradinho, acrescente cebola, pimenta e coentro”, temos os ingredientes para o acarajé. Inspiração africana que torna a vida mais saborosa. Caymi sabia das coisas: “todo mundo gosta de acarajé/mas o trabalho que dá...”. Políticos e pastores evangélicos milionários o aplaudiriam? Conquistar esse povo não dá muito trabalho. Associar evangélicos recentes com o mercado da fé aberto à conversão religiosa é a maior moleza. Candomblé, pagode, samba e suas irradiações, comparecem. Especialmente quando se disputa o poder nas urnas. Os mesmos que dormiram no ponto, firmados numa abstrata “reta doutrina” fundamentalista, aplaudem as mega-igrejas. O mundo evangélico mudou com as rupturas protestantes desde a década de 70.
Entre evangélicos convertidos na Bahia, o universo plurireligioso absorve culturas às quais se associam personagens e situações bíblicas. Filhas de Iansã – deusa do vento, esposa de Xangô, dono do fogo e do trovão – aderem aos simbolismos do Pentecostes, cultural e religiosamente, novidade que incha a igreja evangélica das últimas décadas.
Deus passa a ser concebido em intimidades com orixás e simpatias para se obter dinheiro, quebrar tensões matrimoniais e resolver paixões impossíveis. No protestantismo conservador, ou progressista, ninguém pode influenciar o favor divino.
Mas o novo evangélico inculturado na religiosidade pluralista nem está aí... Importa o diálogo profundo entre as divindades populares e o deus cristão ocidental (Roberto DaMatta). Simbolismos, amuletos, danças, descarregos, oferendas sacrificiais: dinheiro, residências, automóveis, jóias, caem muito bem aos evangélicos de hoje. Uma dessas igrejas milionárias acaba de ser condenada a indenizar uma fiel, acrescida de uma sentença de pensão vitalícia, por abuso religioso (A Tribuna, 25.02.11). Uma merreca. Tiram de letra...
Göethe, no Fausto, mostra o ser humano que vende sua alma a Mephisto. Os evangelhos apresentam Jesus fazendo o contrário, salvando o ser inteiro, inclusive a alma. Somos governados por gigantes interiores, uma fome interior insaciável; desejos reprimidos; medo de viver; ódio homófobo ao diferente; agressividade cega diante de obstáculos reais ou fictícios; paixão desenfreada, expressões degradantes de fé supersticiosa. Avaliemos o tesouro íntimo que deve ser resgatado. Mas esse depósito pode ser um vulcão inativo pronto a irromper no mundo do crente tomado pelos poderes da morte. Não aprendemos as lições.
Das tentações infligidas ao próprio Jesus (Mt 4,9: “terás tudo se ajoelhares diante de mim, e me adorares”), poder e riqueza não são mais manifestações que convidam à adoração do diabo. Não são poucos os crentes contemporâneos que admiram pregadores que apóiam corrupção política, roubo, expropriação de direitos fundamentais, violência, crime contra o erário, acúmulo ilegal de riquezas, enquanto desprezam o resto da comunidade eticamente fiel ao evangelho de Jesus. Por que se interessariam pelas questões discutidas aqui, num tempo em que a fé e a ganância se confundem?
Continuamos dançando. Um paraíso! Mas só para os que acreditam. No entanto, não despregamos o olho das divindades que comandam esse modo cultural de agir.
Aquelas que vagam em outros domínios espirituais e dirigem os sistemas de pensar, elegendo ou proclamando santos e puros...
Alugamos nossas mentes para a religiosidade que vê os males do mundo como castigo divino; que vê com naturalidade a legitimação e consolidação do poder dos fortes, aceitação das desigualdades, a fraqueza dos empobrecidos. Não entendemos a religião como expressão de sofrimento real em favor de causas justas; que a religião pode ser protesto contra as dores impostas por sistemas de pensar, opressões ancestrais, desde a colonização. A religião poderia ser o suspiro das criaturas oprimidas, inclusive nas manifestações populares. Mas, ao contrário, teremos a Caminhada com Jesus, criada e comandada pelo bispo algemado eletronicamente nos EUA por crime fazendário. Doce prisão, Boca Raton, Flórida, um refúgio de ricaços. Elegemos notórios corruptos para o Congresso. E o “bloco evangélico” cresceu.
Futebol, samba, carnaval e comida, fazem parte da vida do povo: “Pegue um punhado de feijão fradinho, acrescente cebola, pimenta e coentro”, temos os ingredientes para o acarajé. Inspiração africana que torna a vida mais saborosa. Caymi sabia das coisas: “todo mundo gosta de acarajé/mas o trabalho que dá...”. Políticos e pastores evangélicos milionários o aplaudiriam? Conquistar esse povo não dá muito trabalho. Associar evangélicos recentes com o mercado da fé aberto à conversão religiosa é a maior moleza. Candomblé, pagode, samba e suas irradiações, comparecem. Especialmente quando se disputa o poder nas urnas. Os mesmos que dormiram no ponto, firmados numa abstrata “reta doutrina” fundamentalista, aplaudem as mega-igrejas. O mundo evangélico mudou com as rupturas protestantes desde a década de 70.
Entre evangélicos convertidos na Bahia, o universo plurireligioso absorve culturas às quais se associam personagens e situações bíblicas. Filhas de Iansã – deusa do vento, esposa de Xangô, dono do fogo e do trovão – aderem aos simbolismos do Pentecostes, cultural e religiosamente, novidade que incha a igreja evangélica das últimas décadas.
Deus passa a ser concebido em intimidades com orixás e simpatias para se obter dinheiro, quebrar tensões matrimoniais e resolver paixões impossíveis. No protestantismo conservador, ou progressista, ninguém pode influenciar o favor divino.
Mas o novo evangélico inculturado na religiosidade pluralista nem está aí... Importa o diálogo profundo entre as divindades populares e o deus cristão ocidental (Roberto DaMatta). Simbolismos, amuletos, danças, descarregos, oferendas sacrificiais: dinheiro, residências, automóveis, jóias, caem muito bem aos evangélicos de hoje. Uma dessas igrejas milionárias acaba de ser condenada a indenizar uma fiel, acrescida de uma sentença de pensão vitalícia, por abuso religioso (A Tribuna, 25.02.11). Uma merreca. Tiram de letra...
Göethe, no Fausto, mostra o ser humano que vende sua alma a Mephisto. Os evangelhos apresentam Jesus fazendo o contrário, salvando o ser inteiro, inclusive a alma. Somos governados por gigantes interiores, uma fome interior insaciável; desejos reprimidos; medo de viver; ódio homófobo ao diferente; agressividade cega diante de obstáculos reais ou fictícios; paixão desenfreada, expressões degradantes de fé supersticiosa. Avaliemos o tesouro íntimo que deve ser resgatado. Mas esse depósito pode ser um vulcão inativo pronto a irromper no mundo do crente tomado pelos poderes da morte. Não aprendemos as lições.
Das tentações infligidas ao próprio Jesus (Mt 4,9: “terás tudo se ajoelhares diante de mim, e me adorares”), poder e riqueza não são mais manifestações que convidam à adoração do diabo. Não são poucos os crentes contemporâneos que admiram pregadores que apóiam corrupção política, roubo, expropriação de direitos fundamentais, violência, crime contra o erário, acúmulo ilegal de riquezas, enquanto desprezam o resto da comunidade eticamente fiel ao evangelho de Jesus. Por que se interessariam pelas questões discutidas aqui, num tempo em que a fé e a ganância se confundem?
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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