Opinião
- 07 de novembro de 2012
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Deus não está mais aqui...
Do jeito que vão as coisas, em breve veremos placas honestas nas portas das igrejas: “Deus partiu sem previsão para voltar”. E começo a pensar em Nietsche, quando escreveu “Zaratustra”. O cenário da igreja é lúgubre, ambiente de corvos em árvores secas e vermes emergindo da terra, seguindo o costume da Europa Nórdica de construir cemitérios junto às igrejas. Como se estas tivessem as respostas finais sobre angústia da vida e da morte. As roupas litúrgicas negras vestem ministros seguidores da reta doutrina enquanto enterram fieis com orações solenes, liturgias e réquiens infindáveis para poderosos aristocratas. Crítica ácida do filósofo aos representantes das igrejas cristãs, e à religião dominante.
Nietsche pronuncia: “Deus (na igreja) está morto!”, (Gott ist tot). Deus permanece morto. E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós, os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu de mais sagrado e poderoso até agora sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? Refiro-me ao enterro de Deus nos cemitérios das igrejas cristãs que perderam a força transformadora do mundo e se acomodaram em suas doutrinas petrificadas. Nem Lutero escapou de sua crítica.
O protestantismo histórico vem aceitando passivamente a insignificância do papel estatístico e funcional que lhe cabe para mostrar o que se compreende como “Igreja de Deus”. Os valores que circulam sobre o Deus ético da fé bíblica são fluidos e dispersivos.
A tradição mais antiga da igreja cristã remonta a Abraão. A assembleia do povo ainda nômade já buscava o lugar de Deus no mundo (ba-makon). O acesso a Deus começa com um reconhecimento, por mais assombroso e incompreensível que pareça, de que Deus não está nem no passado, nem no presente e nem no futuro. A tenda do encontro, no entanto, é o mundo (Ex 33,21): “Eis que há um lugar em mim” (hine makon iti). Isto é, a tenda é o lugar genérico. “Deus está no mundo, embora não seja do mundo” (Nilton Bonder). Voltemos ao Gênesis (28,10). Jacó foge de seu irmão. Deslocando-se de Bersheba para Haran, cansado, no fim da tarde, ao por do sol, deita-se para repousar e é capturado pela importância do lugar (va-ifga ba-makon). Esse é o lugar (ba makon há-há).
Pois bem, o sonho da igreja de Deus começa aqui. Jacó sonha e vê uma escada onde sobem e descem anjos. Ele acorda empolgado: “Certamente há Deus neste lugar e eu não o penetrava” (André Chouraqui, diz que o uso do verbo yaddah também tem o sentido de “saber”, além do comum “penetrar”). Um ambiente extraordinário, sabores e sensações fantásticas, memórias da natureza que não podem ser sentidas pela percepção bruta, emocional ou carismática.
Quando se percebe que para produzir algo relevante para a coletividade precisamos obter autorização de quem não produz nada, que o dinheiro da igreja deve fluir em diaconias e isso não acontece, que atos de compaixão e misericórdia nos tornam apóstatas de uma fé abstrata ou extremamente materialista, que muitos ficam ricos pelo suborno e influência das consciências de fieis, que se abandona a evangelização e discipulado bíblico em favor de espetáculos divertidos para o povo hipnotizado pela ganância, que as leis do país protegem igrejas materialistas já protegidas pelo corporativismo religioso (quando é que teremos uma CPI para evangélicos corruptos?), que o roubo no altar é aprovado e recompensado com o voto político e que a honestidade se converte em sacrifício da ética, então podemos afirmar, sem temor de errar, que esta igreja está condenada a ser abandonada permanente por Deus. Sem data para voltar.
Pensando como G. Brakemaier, “quando os interesses eclesiásticos começam a misturar-se com a mesquinhez e o egoísmo narcisista da coletividade, para legitimar privilégios religiosos a um determinado grupo, quando se transmuda a igreja em curral midiático, temos, de novo, o reino das trevas impondo-se ao Reino de Deus”. Exatamente como Lutero e os reformadores protestantes denunciaram. Isso implica no que falta às comunidades cristãs, que é o aprendizado da fé no evangelho pregado por Jesus. Amor, tradução de compaixão, de ternura para com o sofredor; de misericórdia, na identificação e vivência com o oprimido e suas lutas, de solidariedade na busca e exigência de justiça para todos. E Jesus diz para essa igreja autêntica: “Estou convosco!”.
Ultimamente, a igreja gananciosa, soft, divertida, carismática, pretende ocupar o lugar da igreja que se retirou de onde deveria estar (cf. o sonho de Jacó, acima). É símbolo da desordem na linguagem e também do desinteresse quanto à Bíblia e seus conteúdos (Comunhão: Preferências evangélicas, set.2012), símbolo do desespero da própria igreja dos nossos dias, que quer visibilidade imagética enquanto se entrega a projetos egoístas e individualistas, símbolo de privilegiados que desejam subir sozinhos a “escada de Jacó” deixando para trás o povo que procura Deus para curar suas feridas. Enquanto se afastam da vida vivida, se veem enredados em escândalos infindáveis de corrupção e não enxergam nada de trágico em tudo que expressa a igreja dos nossos dias. Mas o pior ainda está por vir...
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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