Opinião
- 28 de fevereiro de 2020
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De volta às aulas: para melhor aprender e ensinar
Por Paulo F. Ribeiro
Uma das palavras que mais me chamou atenção quando estava (e ainda estou) aprendendo o Holandês foi o verbo “LEREN”, pois tem duplo significado que parece contraditório: aprender ou ensinar. Por que uma palavra apenas para descrever duas atividades tão distintas? Mas será que elas são realmente distintas? A justificativa eu deixo como tarefa para o leitor.
Nesse artigo apresento algumas sugestões para alunos e professores sobre como “LEREN” (aprender e ensinar como uma ação integrada):
Aos estudantes
1 – Voltar à abordagem da escola primária – tentativas e experimentação sem medo –, com curiosidade incansável, intensidade de imaginação, capacidade de suspender a descrença, apetite intenso e vontade de pensar, admirar, criticar, criar e inovar... Existe uma grande semelhança entre a educação primaria e a pós-graduação; e um grande abismo entre elas. O ensino secundário e universitário (na graduação) são infestados por métodos que embotam a mente dos estudantes, onde a função da imaginação é desprezada e a informação técnica preferida.
2 – Lembrar que o processo de aprendizagem envolve um conjunto de atividades, tais como: descobrir, selecionar, combinar, recompor, imaginar, analisar, sintetizar e modificar ideias e conceitos. O processo parece ter algumas etapas naturais: familiarizar-se com o assunto; relaxar; brincar e ser receptivo; e, a partir daí, considerar alternativas, perspectivas, melhores maneiras que não haviam sido propostas antes. Isso feito em liberdade vai produzir entusiasmo que vai contaminar positivamente o processo de aprendizagem.
3 – Descobrir que a chave da criatividade é a receptividade – um tipo de abertura a outras ideias e tolerância ao caos. Não que as pessoas criativas gostem de confusões, mas porque gostam do desafio de resolver problemas. Não tenha medo de estar errado ou ser chamado de excêntrico. Seja curioso e entusiasmado. Conheço um cientista que se tornou um grande especialista após ser questionado sobre o assunto por um estudante. Ele confessou sua ignorância, mas aquela pergunta o levou a pesquisar profundamente sobre o assunto e anos depois levou a produção de um livro seminal sobre o tópico.
4- Não se leve muito a sério. Algo pode ser feito seriamente em um sentido e, no entanto, não no outro. Uma pessoa que joga futebol por sua saúde é uma pessoa séria, mas nenhum jogador de futebol de verdade o chamará de jogador sério. Da mesma forma, nossa seriedade como cidadãos pode exigir alguma frivolidade como estudantes e pesquisadores. Portanto, precisamos ler todos os trabalhos e realizar todos os experimentos de todo o coração. Mas também podemos fazê-lo de forma descontraída. Não esqueço que durante uma prova de Medidas Elétricas resolvi não responder uma questão que sabia, mas que levaria muito tempo e me impediria de participar num jogo de futebol. Muitos estudantes estavam reclamando sobre aquela questão. O professor dizia que não estavam pensando. Então, antes de entregar a prova, decidi dar uma segunda olhada e ver se haveria uma maneira simplificada de resolver. Eureca – era só isso? Fui ao professor e perguntei se a solução seria apenas um certo pequeno cálculo. Ele respondeu: “retorne à sua cadeira e não diga nada”. Não perdi o jogo.
5 – Tome a iniciativa. Não espere que seu professor lhe diga o que fazer, afinal é seu trabalho e responsabilidade. Às vezes seu colega de turma pode ser mais objetivo que seu professor, pois o problema que você tem no momento ele pode ter resolvido recentemente. O professor pode ter encontrado aquele problema muito tempo atrás e sua explicação de como resolver pode até mesmo lhe confundir ao invés de ajudar.
6 – Seja questionador. Esteja ciente de que sua atitude criativa pode ser penalizada por um professor supervisor ou professor de mente estreita. Não o leve muito a sério sempre. Já ensinava Eletromagnetismo nos Estados Unidos por mais de dez anos, usando um livro clássico da disciplina, quando um aluno de graduação me falou que o manual de solução do livro estava errado com relação a um dos problemas. Estudei o problema e não consegui ver completamente porque a solução estava errada. Contatei o autor. Ele ficou surpreso e me pediu para o aluno contar a ele diretamente. Duas semanas depois o aluno entra na classe com um grande sorriso nos lábios. Perguntei: “Ken, qual o motivo dessa alegria?” Ele respondeu, orgulhoso: “o professor respondeu e disse que eu estava certo e vai corrigir o manual”.
7 - Seja inovador, empreendedor e parceiro do seu professor. Vinte anos atrás, outro aluno me disse: “professor, quero trabalhar no meu projeto final com geração fotovoltaica”. Como ele estava começando o segundo ano de engenharia, disse que era bom ele esperar um pouco até fazer outras cadeiras básicas. Mas ele insistiu: “o senhor pode me indicar alguns livros?” E o fiz com ceticismo. No fim do terceiro ano ele veio falar comigo com uma cópia do edital do estado de Michigan para financiamento para projetos de demonstração de fotovoltaicas, e me pediu para ajudar na preparação da proposta. Para encurtar a história, o projeto foi aceito e Jordan ganhou cem mil dólares para seu projeto de conclusão de curso e instalamos a primeira usina de fotovoltaicas de 20kWp na universidade. Hoje ele é proprietário de uma empresa no ramo, na cidade de Toronto, Canadá.
8 - Lembre-se do conselho de Blaise Pascal: “Essas coisas são tão delicadas e numerosas que é preciso uma grande delicadeza, intuição e precisão matemática para percebê-las e julgá-las corretamente e com precisão. Na maioria das vezes não é possível defini-las analiticamente, porque os princípios necessários não estão prontos para serem entregues e seria uma tarefa sem fim a ser empreendida. A coisa também deve ser vista de uma só vez, de relance, intuitivamente, e não apenas como resultado de um raciocínio progressivo, pelo menos até certo ponto”. Essa conscientização será muito útil à medida que lidamos com problemas mais complexos.
9 - Não se preocupe com o sucesso. Trabalhe duro em sua tarefa atual e o que as pessoas chamam de criatividade e inovação virão naturalmente.
Quando alunos me perguntam qual é o segredo para ter uma vida profissional dinâmica com variações de áreas e locais de trabalho, sempre respondo que não tenho a menor ideia. Apenas digo que sempre fiz tudo que vinha a minha mão com grande entusiasmo, mesmo quando as condições não eram boas e gostaria de estar fazendo algo diferente. Também tive sorte de manter minha paixão pela engenharia durante toda a carreira. Enfim, com relação ao seu trabalho, nunca pergunte: “É meu?” E sim: “É bom?”.
10 - Finalmente, encontre um local, horário e condição em que você possa deixar sua mente vagar livremente, relaxar e carregar suas energias. Pascal diz em algum lugar que o erro cardinal do estoicismo é supor que podemos fazer sempre o que fazemos às vezes. E C.S. Lewis acrescenta que ninguém vive sempre trabalhando incessantemente, e que uma das questões mais pertinentes a serem feitas sobre qualquer pessoa é: qual o seu refúgio?
Aos professores
1 – A função do professor é inspirar e nutrir a capacidade imaginativa dos alunos e orientá-los a ver por si mesmos o quadro geral de cada disciplina ou tópico, em vez de fornecer material pronto.
2 – O professor deve apresentar os ingredientes crus: mostrar os princípios e técnicas básicas e deixar o aluno experimentar e provar os assuntos por si mesmos; não apenas para dizer por que certos livros e autores são bons, mas para ajudar os alunos a se tornarem bons leitores, independentes e pensadores.
3 – O professor deve aplicar, com sensibilidade, uma oposição racional através do método socrático e da crítica dialética – por ajudar no desenvolvimento dos músculos intelectuais dos alunos –, em vez de usar uma abordagem condescendente. Há muitos anos exijo que todos os meus alunos leiam e comentem um ensaio de C.S. Lewis intitulado “Nossa Ementa de Inglês” (Our English Syllabus), no qual Lewis apresenta a ementa para um curso de inglês em Oxford, mas trata o aluno de forma não paternal. E recomenda ao estudante tomar posse do processo de aprendizagem, e evitar se tornar um clone do professor.
4 - Ajudar os alunos a combater a cultura da bajulação, pela qual todos fomos abrandados tanto que não podemos mais suportar críticas não expurgadas e levar as coisas para o lado pessoal muito rapidamente. Esse é um problema global, embora muito mais sentido em culturas latinas, nas quais somos mais propensos à emotividade. Tento lembrar a meus alunos que não levem minhas duras observações para o lado pessoal. Que estou ali para ajudar a aprendermos juntos.
5 - Incentivar os alunos a irem além de tarefas simplistas e evitar perseguir indeterminações, pesquisar tópicos irrelevantes etc. Mas, em vez disso, dar-lhes projetos desafiadores para aumentar sua imaginação e apontar para o fato de que a análise lógica e as respostas emocionais devem ser integradas, nunca segregadas.
6 - Enfatizar que a função da educação é, sobretudo, adquirir sabedoria (senso comum em grau incomum) e não apenas informação. Por isso, nos últimos anos, tenho enfatizado o ensino integrado de filosofia e ética do desenvolvimento tecnológico, para meus alunos verem que o engenheiro é, acima de tudo, um agente de transformação social, e não apenas um escravo das elites governantes.
7 - Trabalhar para a própria abdicação. Os professores devem procurar tornarem-se supérfluos, e isso não é fácil. Se formos bons, devemos sempre trabalhar para que nossos alunos estejam aptos a se tornarem nossos críticos e até rivais. Que a hora em que podemos dizer "eles não precisam mais de mim" seja nossa recompensa.
8 – Finalmente, quando o sucesso for alcançado, que possamos desfrutar dos elogios com a mesma inocência, como se os elogios fossem para outra pessoa. E se a conquista é feita por outros, devemos apreciá-los como se fosse a nossa própria conquista.
Quando comecei a ensinar Engenharia Elétrica na Escola Politécnica (FESP) da Universidade de Pernambuco, em 1978, estava determinado a revolucionar a maneira de ensinar e testar o conhecimento dos alunos. Achava, e ainda acho, que a maneira tradicional do ensino precisava ser modificada para atender um espectro mais amplo das características de aprendizado dos estudantes. Quando estudante, aprendi mais com os professores que ensinavam menos: ensinavam os princípios, e menos os detalhes, e encorajavam o aluno a aprender descobrindo por si só através de problemas.
Na minha ingenuidade como professor calouro, a primeira coisa que implementei foi atribuir 15% da nota das provas a uma pergunta feita pelo aluno a mim. O experimento foi um sucesso inicial, e sempre funcionou para os bons alunos, mas para muitos se tornou algo facilmente reproduzível e, consequentemente, irrelevante. Hoje uso diversas abordagens que variam de semestre para semestre e, algumas vezes, a depender da classe e disposição dos alunos, temos uma experiência fantástica de aprender juntos. Fico pensando que o Holandês estava correto quando usou apenas uma palavra para essa experiência e aventura de aprender/ensinar como uma atividade unificada.
Essa interação estudante-professor torna única essa atividade de aprender. Um dos alunos de C.S. Lewis descreveu com muita propriedade o método tutorial usado em Oxford, e em particular o próprio Lewis como instrutor:
“A vida dos tutores era concebida como o aprendizado integrado, como um modo de vida, exemplificado pelo fato que eles normalmente viviam na faculdade. Eles ministravam os tutoriais em seus próprios quartos, onde moravam, não em “escritórios”. Eles não tinham secretárias. Suas leituras, pensamentos e escritos faziam parte de uma vida unificada, nem "trabalho" nem "recreação", porque eram os dois. Estritamente, eles não “ensinavam”. De manhã e à noite, a cada trimestre, eles eram visitados em seus quartos pelos alunos, que “liam o assunto com eles”. Não era exatamente uma sociedade igualitária, mas existia um senso de igualdade e unidade fundamental. Aos dezoito anos, não duvidei de que, apesar de todas as diferenças de temperamento, inteligência, habilidade, aprendizado, reputação e idade entre mim e esse homem distinto e alegre (C.S. Lewis), ainda assim éramos do mesmo tipo, engajados no mesmo objetivo de aprender. E a razão pela qual senti isso não havia dúvida, porque era assim que Lewis me tratava. Eu não era um garoto de escola para ser ensinado e disciplinado, não um "pupilo", mas um "homem."
“O discípulo não é superior a seu mestre, mas todo o que for perfeito será como o seu mestre” (Lucas 6:40). Em outras palavras, mestres e discípulos se tornam idênticos. Aprender e ensinar têm a mesma raiz: nossa suprema busca pela sabedoria.
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Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade de Manchester, na Inglaterra, foi Professor em Universidades nos Estados Unidos, Nova Zelândia e Holanda, e Pesquisador em Centros de Pesquisa (EPRI, NASA). Atualmente é Professor Titular Livre na Universidade Federal de Itajubá, MG. É originário do Vale do Pajeú e torcedor do Santa Cruz.
>> http://lattes.cnpq.br/2049448948386214
>> https://scholar.google.com/citations?user=38c88BoAAAAJ&hl=en&oi=ao
Pesquisa publicada recentemente aponta os cientistas destacados entre o “top” 2% dos pesquisadores de maior influência no mundo, nas diversas áreas do conhecimento. Destes, 600 cientistas são de Instituições Brasileiras. O Professor Paulo F. Ribeiro foi incluído nesta lista relacionado a área de Engenharia Elétrica.
>> http://lattes.cnpq.br/2049448948386214
>> https://scholar.google.com/citations?user=38c88BoAAAAJ&hl=en&oi=ao
Pesquisa publicada recentemente aponta os cientistas destacados entre o “top” 2% dos pesquisadores de maior influência no mundo, nas diversas áreas do conhecimento. Destes, 600 cientistas são de Instituições Brasileiras. O Professor Paulo F. Ribeiro foi incluído nesta lista relacionado a área de Engenharia Elétrica.
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