Opinião
- 16 de abril de 2009
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Da "mediunidade" protestante
Robinson Cavalcanti
Quando tive a honra de ser professor do Seminário Presbiteriano do Norte (SPN), no Recife, conheci um aluno que nos dias de semana passava a tarde dormindo ou jogando futebol na quadra, enquanto deveria pregar nas congregações. O mesmo era conhecido por se pretender “espiritual” e “renovado”. Intrigados, procuramos saber se ele não estudava as Escrituras e preparava os sermões com antecedência. O mesmo considerou tal expediente muito “carnal”. Ao dormir a tarde toda ou jogar bola, ele acreditava deixar a mente limpa para o Espírito Santo “baixar” com seu recado, de forma pura e cristalina, logo mais à noite...
Devemos reconhecer a força cultural do espiritismo e dos cultos de origem afro-ameríndia, e como eles influenciaram a percepção de espiritualidade de algumas igrejas protestantes. O Espírito Santo e os anjos funcionam como espécies de “orixás evangélicos”, “baixando” sobre pastores e missionários, qual “médium protestante”. Isso sem falar em “profetas”, principalmente “profetizas”, com suas revelações particulares sobre saúde, família e negócio, tomando o lugar simbólico das benzedeiras do catolicismo popular, das cartomantes e dos pais e mães-de-santo. Há uma forte equivalência simbólica.
Nos cultos, ou se tem os “médiuns” ou se tem os “artistas”, que lideram o show-da-fé, no centro do palco e das atenções, promovendo o entretenimento.
C.S. Lewis denunciava as gerações que desprezam as outras do passado, supervalorizando o presente (presentismo). Isso não somente atenta contra a herança apostólica e o consenso dos fiéis, vivenciado através dos séculos, como também pretende ser melhor: restauradores da “pureza” e outras formas de arrogância espiritual, que rompem a unidade mística da “comunhão dos santos” (conforme confessamos nos Credos).
John Stott diz que o que faz uma liturgia viva ou morta, seja ela mais ou menos estruturada (não há liturgia informal, pois o “informal” é, apenas, uma outra forma), é o fato de os fiéis serem convertidos ou não e acreditarem ou não no que se pronuncia. A entonação, os sentimentos, a fé fazem a diferença. Foi o mesmo Stott quem disse que “um anglicano carismático não é um pentecostal”.
Somos carismáticos porque acreditamos que não há igreja sem o Espírito Santo, e não há presença do Espírito Santos sem carismas. Se Hans Kung disse que uma das marcas do anglicanismo era a sua aversão a extremismos, alguém também afirmou que “na Igreja Anglicana o Espírito Santo sopra como um gentil cavalheiro”.
Somos uma igreja que preza dois mil anos de herança litúrgica da igreja, católica e reformada. Herança que é o conjunto do que foi, nas diversas etapas e lugares, fruto da ação do Espírito Santo nas comunidades de fé. Daí o Livro de Oração Comum -- Bíblia pura, ortodoxia pura -- ser uma das marcas distintivas do anglicanismo. Os seus diversos ritos não engessam os crentes, antes os edificam, e podem ser intercalados com orações espontâneas, cantos, declamações, teatro, testemunho, em uma convergência com um presente que não rompe com o passado. Uma das maiores contribuições que a Diocese do Recife está fazendo para a maturidade da igreja no Brasil é a edição (ora no prelo) do Livro de Oração Comum Brasileiro (LOCb).
Há quem goste de culto batista tradicional, e nós os respeitamos. Quem gosta desse tipo de culto é livre para adorar em uma Igreja Batista. Há quem gosta de culto pentecostal “clássico”, e nós os respeitamos. Quem gosta desse tipo de culto é livre para ir, por exemplo, e adorar na Assembléia de Deus. Há quem goste do culto neo (pós) pentecostal, com apóstolos, banhos de descarrego, retirada de encostos e três recolhimentos de ofertas, e nós os respeitamos. Quem gosta desse tipo de culto é livre para ir à Igreja universal, Internacional ou Mundial. Agora, pelo amor de Deus, deixem o anglicanismo em paz, com sua liberdade litúrgica, com sua diversidade, sim, porém “com ordem e decência”, com a alegria do Espírito Santo e o LOCb na mão. E isso não é “anúncio de missa de sétimo dia” para se adotar como “um doloroso dever”, mas uma adesão livre, convicta e entusiástica.
Somos uma igreja sem mediunidade, sem estrelismo e sem “showbiz”, graças a Deus!
• Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política -- teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo -- desafios a uma fé engajada.
www.dar.org.br
Quando tive a honra de ser professor do Seminário Presbiteriano do Norte (SPN), no Recife, conheci um aluno que nos dias de semana passava a tarde dormindo ou jogando futebol na quadra, enquanto deveria pregar nas congregações. O mesmo era conhecido por se pretender “espiritual” e “renovado”. Intrigados, procuramos saber se ele não estudava as Escrituras e preparava os sermões com antecedência. O mesmo considerou tal expediente muito “carnal”. Ao dormir a tarde toda ou jogar bola, ele acreditava deixar a mente limpa para o Espírito Santo “baixar” com seu recado, de forma pura e cristalina, logo mais à noite...
Devemos reconhecer a força cultural do espiritismo e dos cultos de origem afro-ameríndia, e como eles influenciaram a percepção de espiritualidade de algumas igrejas protestantes. O Espírito Santo e os anjos funcionam como espécies de “orixás evangélicos”, “baixando” sobre pastores e missionários, qual “médium protestante”. Isso sem falar em “profetas”, principalmente “profetizas”, com suas revelações particulares sobre saúde, família e negócio, tomando o lugar simbólico das benzedeiras do catolicismo popular, das cartomantes e dos pais e mães-de-santo. Há uma forte equivalência simbólica.
Nos cultos, ou se tem os “médiuns” ou se tem os “artistas”, que lideram o show-da-fé, no centro do palco e das atenções, promovendo o entretenimento.
C.S. Lewis denunciava as gerações que desprezam as outras do passado, supervalorizando o presente (presentismo). Isso não somente atenta contra a herança apostólica e o consenso dos fiéis, vivenciado através dos séculos, como também pretende ser melhor: restauradores da “pureza” e outras formas de arrogância espiritual, que rompem a unidade mística da “comunhão dos santos” (conforme confessamos nos Credos).
John Stott diz que o que faz uma liturgia viva ou morta, seja ela mais ou menos estruturada (não há liturgia informal, pois o “informal” é, apenas, uma outra forma), é o fato de os fiéis serem convertidos ou não e acreditarem ou não no que se pronuncia. A entonação, os sentimentos, a fé fazem a diferença. Foi o mesmo Stott quem disse que “um anglicano carismático não é um pentecostal”.
Somos carismáticos porque acreditamos que não há igreja sem o Espírito Santo, e não há presença do Espírito Santos sem carismas. Se Hans Kung disse que uma das marcas do anglicanismo era a sua aversão a extremismos, alguém também afirmou que “na Igreja Anglicana o Espírito Santo sopra como um gentil cavalheiro”.
Somos uma igreja que preza dois mil anos de herança litúrgica da igreja, católica e reformada. Herança que é o conjunto do que foi, nas diversas etapas e lugares, fruto da ação do Espírito Santo nas comunidades de fé. Daí o Livro de Oração Comum -- Bíblia pura, ortodoxia pura -- ser uma das marcas distintivas do anglicanismo. Os seus diversos ritos não engessam os crentes, antes os edificam, e podem ser intercalados com orações espontâneas, cantos, declamações, teatro, testemunho, em uma convergência com um presente que não rompe com o passado. Uma das maiores contribuições que a Diocese do Recife está fazendo para a maturidade da igreja no Brasil é a edição (ora no prelo) do Livro de Oração Comum Brasileiro (LOCb).
Há quem goste de culto batista tradicional, e nós os respeitamos. Quem gosta desse tipo de culto é livre para adorar em uma Igreja Batista. Há quem gosta de culto pentecostal “clássico”, e nós os respeitamos. Quem gosta desse tipo de culto é livre para ir, por exemplo, e adorar na Assembléia de Deus. Há quem goste do culto neo (pós) pentecostal, com apóstolos, banhos de descarrego, retirada de encostos e três recolhimentos de ofertas, e nós os respeitamos. Quem gosta desse tipo de culto é livre para ir à Igreja universal, Internacional ou Mundial. Agora, pelo amor de Deus, deixem o anglicanismo em paz, com sua liberdade litúrgica, com sua diversidade, sim, porém “com ordem e decência”, com a alegria do Espírito Santo e o LOCb na mão. E isso não é “anúncio de missa de sétimo dia” para se adotar como “um doloroso dever”, mas uma adesão livre, convicta e entusiástica.
Somos uma igreja sem mediunidade, sem estrelismo e sem “showbiz”, graças a Deus!
• Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política -- teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo -- desafios a uma fé engajada.
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