Opinião
- 30 de outubro de 2018
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Da aprovação à depressão: desafios enfrentados por estudantes universitários
Por Ellen Aragão
O sonho de se tornar um universitário pode se transformar em pesadelo em poucos meses. Logo após a euforia dos primeiros dias na universidade, começam a surgir os inúmeros desafios, tais como: a adaptação ao ambiente físico da universidade e aos métodos de estudo e avaliação – diferentes daqueles utilizados no ensino médio; a relação com pessoas (professores e colegas) diferentes do seu ciclo social; o distanciamento e a superficialidade nos relacionamentos interpessoais; a escassez de tempo para encontrar a família e/ou amigos; as muitas prioridades que dificultam a manutenção de uma rotina devocional; a administração dos gastos com livros, apostilas e alimentação, entre outros.
As novas exigências são cada vez mais difíceis de cumprir. Nesse cenário de intensa cobrança, tanto externa quanto interna, o sofrimento emocional é prevalente entre os universitários. Em 2011, o relatório do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis divulgou que 47% dos estudantes apresentavam alguma queixa de sofrimento emocional1. Outros estudos brasileiros e internacionais apontam percentuais entre 15 a 25% de estudantes universitários apresentando algum tipo de transtorno psiquiátrico durante sua vida acadêmica2,3,4.
A depressão tem alta incidência entre os universitários (entre 8% e 17%)5. A síndrome depressiva – assim denominada por reunir uma gama de sintomas – inclui não apenas alterações do humor (tristeza, irritabilidade, falta da capacidade de sentir prazer), mas também uma gama de outros aspectos, incluindo alterações cognitivas (atenção, memória, aprendizado e pensamento), físicas (tensão muscular, dores, fadiga), comportamentais (interesse, disposição, controle dos impulsos) e vegetativas (sono, apetite, peso corporal).
Certo dia, uma aluna confessou-me estar mantendo sua matricula em minha disciplina por não desejar perder o contato com sua primeira professora negra na universidade. Segundo ela, conviver comigo lhe permitia sentir-se mais acolhida em um ambiente majoritariamente de pessoas brancas. O pior é que nessa situação eu compreendi perfeitamente o sentimento da minha aluna, pois ele reverberava em mim, ao não encontrar professores negros naquele espaço em pleno século 21.
De fato, não temos um plano rápido e fácil para solucionar esses problemas. Nós, cristãos, temos sérias dificuldades em reconhecer que os transtornos afetivos devem ser diagnosticados e tratados com a mesma seriedade e cautela com as quais tratamos das doenças físicas. Nesse sentido, precisamos identificar a missão do cristão que está no contexto universitário, de não apenas ser sal e luz, mas ser também abraço, respeito e empatia. Compreender quem são os necessitados, fracos e doentes, carentes tanto do cuidado físico, quanto o afetivo, psicológico, social e espiritual é um passo fundamental para nortear as nossas ações. Para isto precisamos unir a disposição de ajudar, ao conhecimento sobre a causa, o que pode ser adquirido por meio de boas leituras, participação em eventos que tratem sobre essas questões, conversas com especialistas e disponibilidade para praticar uma escuta acolhedora.
Nesse sentido, alguns exemplos podem alimentar nossa fé, como o de grupos da Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB), que têm desenvolvido ações contínuas, verdadeiras sementes de esperança brotando no solo árido dos nossos campi. Mas é preciso muito mais. Precisamos de professores mais compreensivos, de técnicos administrativos prestativos, de salas de aula onde a solidariedade seja uma prática diária, de calouradas que incentivem mais o respeito que a exposição do outro. Esse é um trabalho para muitas mãos. Que onde houver um cristão na universidade, haja também amor de verdade e amizade na adversidade.
Referências
1. Ivanir Ferreira. Aumenta índice de depressão entre estudantes universitários. (USP) Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/aumenta-indice-de-depressao-entre-estudantes-universitarios/ acesso em: 09/10/2018.
2. CERCHIARI, Ednéia Albino Nunes; CAETANO, Dorgival and FACCENDA, Odival. Prevalência de transtornos mentais menores em estudantes universitários. Estud. psicol. (Natal) [online]. 2005, vol.10, n.3, pp.413-420. ISSN 1678-4669. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2005000300010.
3. Adewuia AO, Ola BA, Aloba OO, Mapayi BM, Oginni OO. Depression amongst Nigerian university students: prevalence and sociodemographic correlates. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol, XX: 1-5, 2006.
4. Fonseca, A. A., Coutinho, M. P. L. & Azevedo, R. L. W. (2008). Representações sociais da depressão em jovens universitários com e sem sintomas para desenvolver a depressão. Psicologia: Reflexão e Crítica, 21(3), 492-498.
5. CAVESTRO, Julio de Melo and ROCHA, Fabio Lopes. Prevalência de depressão entre estudantes universitários. J. bras. psiquiatr. [online]. 2006, vol.55, n.4 [cited 2018-10-14], pp.264-267.
6. MORAIS, Lerkiane Miranda; MASCARENHAS, Suely Aparecida Do Nascimento; RIBEIRO, José Luis Pais. Estudo exploratório das escalas de estresse, ansiedade e depressão: orientação para a saúde psicológica na universidade e seus efeitos sobre o rendimento acadêmico: um estudo com estudantes do IEAA/UFAM. Humaitá: Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente, 16p.
• Ellen Ingrid Souza Aragão é psicóloga, especialista em psicologia médica pela UERJ, mestre em ciências da saúde pela UERJ. Professora do Instituto de Psicologia da UFRJ entre (2016 e 2018). Psicóloga no hospital adventista silvestre. Membro da Igreja Presbiteriana em Vila Isabel (RJ). Assessora Auxiliar da Aliança Bíblica Universitária do Brasil na capital do Rio de Janeiro. Membro da organização Médicos de Cristo.
Leia mais
» Máscaras da Melancolia – Um psiquiatra cristão aborda a problemática da depressão e do suicídio
» Como a igreja pode ajudar na causa dos que sofrem com doenças mentais
O sonho de se tornar um universitário pode se transformar em pesadelo em poucos meses. Logo após a euforia dos primeiros dias na universidade, começam a surgir os inúmeros desafios, tais como: a adaptação ao ambiente físico da universidade e aos métodos de estudo e avaliação – diferentes daqueles utilizados no ensino médio; a relação com pessoas (professores e colegas) diferentes do seu ciclo social; o distanciamento e a superficialidade nos relacionamentos interpessoais; a escassez de tempo para encontrar a família e/ou amigos; as muitas prioridades que dificultam a manutenção de uma rotina devocional; a administração dos gastos com livros, apostilas e alimentação, entre outros.
As novas exigências são cada vez mais difíceis de cumprir. Nesse cenário de intensa cobrança, tanto externa quanto interna, o sofrimento emocional é prevalente entre os universitários. Em 2011, o relatório do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis divulgou que 47% dos estudantes apresentavam alguma queixa de sofrimento emocional1. Outros estudos brasileiros e internacionais apontam percentuais entre 15 a 25% de estudantes universitários apresentando algum tipo de transtorno psiquiátrico durante sua vida acadêmica2,3,4.
A depressão tem alta incidência entre os universitários (entre 8% e 17%)5. A síndrome depressiva – assim denominada por reunir uma gama de sintomas – inclui não apenas alterações do humor (tristeza, irritabilidade, falta da capacidade de sentir prazer), mas também uma gama de outros aspectos, incluindo alterações cognitivas (atenção, memória, aprendizado e pensamento), físicas (tensão muscular, dores, fadiga), comportamentais (interesse, disposição, controle dos impulsos) e vegetativas (sono, apetite, peso corporal).
Como professora no curso de Psicologia, vivenciei experiências que muito me fizeram refletir sobre a necessidade de transformação do ambiente acadêmico. Não foram poucas as vezes em que, ao exporem os trabalhos, os alunos apresentaram sintomas graves de transtorno de ansiedade, relatando, inclusive, uso de medicação para executar a apresentação. Em outros momentos, fui procurada por alunos que desejavam trancar a disciplina por sobrecarga ou elevada auto cobrança e dificuldade em responder ao número de demandas.
Certo dia, uma aluna confessou-me estar mantendo sua matricula em minha disciplina por não desejar perder o contato com sua primeira professora negra na universidade. Segundo ela, conviver comigo lhe permitia sentir-se mais acolhida em um ambiente majoritariamente de pessoas brancas. O pior é que nessa situação eu compreendi perfeitamente o sentimento da minha aluna, pois ele reverberava em mim, ao não encontrar professores negros naquele espaço em pleno século 21.
De fato, não temos um plano rápido e fácil para solucionar esses problemas. Nós, cristãos, temos sérias dificuldades em reconhecer que os transtornos afetivos devem ser diagnosticados e tratados com a mesma seriedade e cautela com as quais tratamos das doenças físicas. Nesse sentido, precisamos identificar a missão do cristão que está no contexto universitário, de não apenas ser sal e luz, mas ser também abraço, respeito e empatia. Compreender quem são os necessitados, fracos e doentes, carentes tanto do cuidado físico, quanto o afetivo, psicológico, social e espiritual é um passo fundamental para nortear as nossas ações. Para isto precisamos unir a disposição de ajudar, ao conhecimento sobre a causa, o que pode ser adquirido por meio de boas leituras, participação em eventos que tratem sobre essas questões, conversas com especialistas e disponibilidade para praticar uma escuta acolhedora.
Nesse sentido, alguns exemplos podem alimentar nossa fé, como o de grupos da Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB), que têm desenvolvido ações contínuas, verdadeiras sementes de esperança brotando no solo árido dos nossos campi. Mas é preciso muito mais. Precisamos de professores mais compreensivos, de técnicos administrativos prestativos, de salas de aula onde a solidariedade seja uma prática diária, de calouradas que incentivem mais o respeito que a exposição do outro. Esse é um trabalho para muitas mãos. Que onde houver um cristão na universidade, haja também amor de verdade e amizade na adversidade.
Referências
1. Ivanir Ferreira. Aumenta índice de depressão entre estudantes universitários. (USP) Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/aumenta-indice-de-depressao-entre-estudantes-universitarios/ acesso em: 09/10/2018.
2. CERCHIARI, Ednéia Albino Nunes; CAETANO, Dorgival and FACCENDA, Odival. Prevalência de transtornos mentais menores em estudantes universitários. Estud. psicol. (Natal) [online]. 2005, vol.10, n.3, pp.413-420. ISSN 1678-4669. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2005000300010.
3. Adewuia AO, Ola BA, Aloba OO, Mapayi BM, Oginni OO. Depression amongst Nigerian university students: prevalence and sociodemographic correlates. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol, XX: 1-5, 2006.
4. Fonseca, A. A., Coutinho, M. P. L. & Azevedo, R. L. W. (2008). Representações sociais da depressão em jovens universitários com e sem sintomas para desenvolver a depressão. Psicologia: Reflexão e Crítica, 21(3), 492-498.
5. CAVESTRO, Julio de Melo and ROCHA, Fabio Lopes. Prevalência de depressão entre estudantes universitários. J. bras. psiquiatr. [online]. 2006, vol.55, n.4 [cited 2018-10-14], pp.264-267.
6. MORAIS, Lerkiane Miranda; MASCARENHAS, Suely Aparecida Do Nascimento; RIBEIRO, José Luis Pais. Estudo exploratório das escalas de estresse, ansiedade e depressão: orientação para a saúde psicológica na universidade e seus efeitos sobre o rendimento acadêmico: um estudo com estudantes do IEAA/UFAM. Humaitá: Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente, 16p.
• Ellen Ingrid Souza Aragão é psicóloga, especialista em psicologia médica pela UERJ, mestre em ciências da saúde pela UERJ. Professora do Instituto de Psicologia da UFRJ entre (2016 e 2018). Psicóloga no hospital adventista silvestre. Membro da Igreja Presbiteriana em Vila Isabel (RJ). Assessora Auxiliar da Aliança Bíblica Universitária do Brasil na capital do Rio de Janeiro. Membro da organização Médicos de Cristo.
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» Máscaras da Melancolia – Um psiquiatra cristão aborda a problemática da depressão e do suicídio
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